CSM-SP – Renúncia de direitos – Hipoteca – Anuência do Credor

A existência de débito garantido por hipoteca impedia a renúncia abdicativa sem a anuência do credor hipotecário que, porém, não foi apresentada.

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº xx, da Comarca de São Paulo, em que são partes é apelante S. R. G. S., é apelado 3º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA CAPITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso e mantiveram a recusa do registro do título, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PEREIRA CALÇAS (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), ARTUR MARQUES (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), EVARISTO DOS SANTOS (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), CAMPOS MELLO (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E FERNANDO TORRES GARCIA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 16 de março de 2018.

PINHEIRO FRANCO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Voto nº 37.312

Registro de imóveis – Carta de sentença expedida em ação de separação consensual – Pretensão de cisão do título para registro somente da partilha, por não interessar à beneficiária o registro do direito real de habitação – Necessidade de manifestação da renúncia ao direito real de habitação por meio de ato ou instrumento próprio, uma vez que foi constituído no mesmo título em que promovida a partilha do imóvel – Renúncia à meação pela separanda, assumindo o ex-cônjuge a propriedade do imóvel e a obrigação de pagar integralmente o débito garantido por hipoteca – Renúncia translativa que enseja, em tese, a incidência do imposto de transmissão “causa mortis” e doação – ITCMD, ressalvada eventual isenção a ser reconhecida pela fazenda do estado – Dúvida julgada procedente – Recurso não provido, com manutenção da recusa do registro.

Trata-se de apelação interposta por S. R. G. S. contra r. sentença que manteve a recusa do Sr. 3º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de São Paulo em promover o registro, na matrícula nº xx, de carta de sentença extraída de ação de separação judicial porque não foi comprovado o pagamento ou demonstrada a isenção do Imposto de Transmissão “causa mortis” e Doação – ITCMD devido pela atribuição da totalidade do imóvel ao ex-marido, e porque não foi atribuído valor para a constituição do direito real de habitação em favor da apelante e de seu filho, devendo esse valor ser apurado por meio de avaliação, ou com uso do valor venal do imóvel, para fim de cálculo dos emolumentos.

Alega a apelante, em suma, que renunciou à propriedade do imóvel por não ter recursos para pagar as parcelas do financiamento garantido por hipoteca, assumindo seu ex-marido a obrigação de efetuar esse pagamento de forma integral. Afirma que permaneceu no imóvel depois da separação judicial, com seu filho, mas acabou por desocupá-lo por não ter meios para arcar com os débitos que sobre ele incidiam. Apesar disso, e em razão da falta de registro da carta de sentença, acabou sendo condenada a pagar as despesas condominiais que são devidas por seu ex-marido. Aduz que necessita do registro da carta de sentença para não mais responder pelos débitos que recaem sobre o imóvel e que não pretende o registro do direito real de habitação, pois descaracterizado pela desocupação voluntária do imóvel (fls. 109/117).

A douta Procuradoria Geral de Justiça opina pelo não provimento do recurso (fls. 189/191).

É o relatório.

A certidão de fls. 16/18 demonstra que a apelante e seu ex-marido são proprietários do Apartamento xx do “Edifício C.”, objeto da matrícula nº xx do 3º Registro de Imóveis de São Paulo, e que o deram em hipoteca constituída em favor do Banco Bradesco S/A que, por sua vez, promove execução hipotecária em que o imóvel foi penhorado.

A apelante pretende o registro de carta de sentença (fls. 28/58) extraída de ação de separação consensual em que, mediante transação, renunciou à sua meação sobre o imóvel e aos direitos decorrentes de ação de execução movida pelo credor hipotecário, assumindo seu ex-marido a totalidade do débito (fls. 33).

Pretende, também, a cisão do título para que não seja registrado o direito real de habitação constituído para si e em favor do filho do casal, nascido em xx/xx/xxxx, porque não mais residem no imóvel e não têm recursos para arcar com os débitos que sobre ele incidem.

O direito de habitação foi previsto na separação judicial em cláusula com a seguinte redação: “A separanda terá direito a habitação do imóvel junto com seu filho, sem ônus e por tempo indeterminado” (fls. 33/34).

Segundo alegado, a apelante seu filho já não residem no imóvel e não pretendem exercer direito de habitação porque não podem se responsabilizar pelas despesas que sobre ele incidem.

No Registro de Imóveis vigora o princípio da rogação, ou da instância, com necessidade de solicitação do registro pelo apresentante do título ou pela autoridade competente.

Porém, a existência de dois ou mais atos distintos no mesmo título impõe o registro de todos quando forem ligados entre si, sendo nesse sentido a lição de Afranio de Carvalho (“Registro de Imóveis”, 4ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1988, p. 272):

“(…) Em suma, a atividade de ofício caberá:

(…)

C) quando, no mesmo título, se reunirem dois ou mais atos distintos, mas ligados entre si, caso em que se fará o o registro de todos“.

Cuida-se de norma de proteção dos titulares dos diferentes direitos reais que decorrerão do registro dos dois ou mais atos contidos no mesmo título e que não pode ser afastada pela simples manifestação da apelante, no procedimento de registro, no sentido de que não pretende a constituição do direito real de habitação.

Não há vedação para que a apelante e seu filho renunciem ao direito real de habitação constituído em seu favor, mas desde que o façam mediante uso do instrumento próprio que, neste caso concreto, poderá consistir em manifestação ao Juízo da separação, para homologação da renúncia e aditamento da carta de sentença, ou na lavratura do instrumento de renúncia, observada a forma prevista em lei e a regular representação do filho da apelante que ainda não completou 18 anos de idade.

Por sua vez, a renúncia da apelante à meação na propriedade do imóvel tem requisitos distintos daqueles incidentes para a renúncia ao direito real de habitação.

A propriedade por ser um direito real patrimonial permite o exercício de disposição por seu titular, enquanto exercício da autonomia privada.

Contudo, de acordo com Miguel Maria de Serpa Lopes (Tratado dos registros públicos. v. IV. Brasília: Brasília Jurídica, 1997, p. 158):

“A verdadeira renúncia é a abdicativa. Pode ser definida como o ato unilateral em que se manifesta a vontade de perder um direito com a completa ausência de uma intenção principal e direta de com isso outorgar uma vantagem a quem quer que seja”.

Porém, não é incomum o uso do termo renúncia para designar ato de disposição do domínio, ou de outro direito real, em favor de pessoa certa.

A renúncia translativa, em favor de pessoa certa, tem natureza de doação quando realizada por liberalidade do renunciante, caracterizando-se, neste caso, a hipótese de incidência do imposto de transmissão “causa mortis” e por doação vigente no Estado de São Paulo.

Ainda in casu, a renúncia efetuada pela apelante em sua separação consensual tem nítido aspecto translativo porque teve como finalidade atribuir ao seu ex-marido a totalidade da propriedade do imóvel e, em conjunto, a responsabilidade pelo pagamento integral dos débitos decorrentes do contrato de financiamento garantido por hipoteca:

A Separanda renuncia à parte que lhe caberia no bem imóvel financiado, assim como do desfecho da Ação de Execução Hipotecária que lhes movem o Banco Bradesco S/A, acima citado, sendo certo que o Separando assume em caráter geral e de forma irrevogável pelo despacho do litígio mencionado, ou seja, toda a dívida que incidir sobre o imóvel ‘sub judice’, cabendo a ele a responsabilidade de informar àquele Juízo, bem como a parte contrária junto aos Contratos firmados nas datas de 05 de dezembro de 1989 e 05 de junho de 1990 (docs. )” (fls. 33).

Disso decorre a caracterização da renúncia como sendo translativa.

Ademais, a existência de débito garantido por hipoteca impedia a renúncia abdicativa sem a anuência do credor hipotecário que, porém, não foi apresentada.

Assim porque a renúncia não pode afetar direitos de terceiros, e assim ocorrendo há necessidade do consentimento dos titulares dos direitos afetados, ou segundo José Alberto C. Vieira (Direitos reais. Coimbra: Coimbra, 2008, p. 448/449):

Encontrando-se o direito de usufruto onerado, o poder de disposição é afectado pela medida da oneração. Como resultado, sempre que o titular do direito real cause com a renúncia a extinção de outros direitos reais sobre a coisa, ele deve obter antecipadamente o consentimento dos titulares dos direitos implicados”.

A renúncia manifestada pela apelante, portanto, não se revestiu dos requisitos necessários para a caracterização de renúncia abdicativa, razão pela qual se mostra correta a exigência de comprovação da declaração e recolhimento do Imposto de Transmissão “causa mortis” e Doação – ITCMD, ou de sua isenção.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso e mantenho a recusa do registro do título.

PINHEIRO FRANCO

Corregedor Geral da Justiça e Relator


Acórdão publicado no DJe em 02/05/2018 (Apelação nº 1050704-98.2017.8.26.0100)

Vide também: Divórcio – imóvel alienado fiduciariamente – anuência do credor

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