Apostilamento do Reconhecimento de Firmas – sem tradução
“A liberdade intelectual é essencial – liberdade para obter e distribuir informações, liberdade para um debate aberto e sem medo, e liberdade de pressões das autoridades oficiais e dos preconceitos”. Tal liberdade de pensamento é a única garantia contra uma infecção das pessoas por mitos de massa, que, nas mãos de hipócritas e demagogos traiçoeiros, pode ser transformada numa ditadura sangrenta.[1]
Tema simples mas que costuma suscitar dúvidas nos operadores do Direito: se é ou não possível o Apostilamento do Reconhecimento de Firma de Signatário em contratos particulares em língua estrangeira – como os contratos de mútuos bancários – desacompanhados das respectivas traduções juramentadas para o idioma nacional, a ser feito com estrita observância da Convenção da Apostila (Convention de La Haye du 5 octobre 1961).
Mas, afinal, o que é o Apostilamento?
APOSTILA:
1. A palavra Apostila (em português) é de origem francesa, sendo grafada “Apostille”, que provém do verbo “apostiller”, que significa “anotação”. Assim sendo, apesar do significado corrente na língua portuguesa que tem o significado de uma “publicação”, um significado adicional é que uma apostila consiste numa anotação à margem de um documento ou ao final de uma carta, podendo ser definida como: um certificado emitido nos termos da Convenção da Apostila.
DOCUMENTO PRIVADO:
2. Em princípio, um documento lavrado por uma pessoa a título privado (por exemplo, um contrato bancário, extrato bancário, a atribuição de marca registada, etc.) não se enquadraria no âmbito da Convenção de Haia. No entanto, o Manual de Aplicação da Convenção da Apostila prevê em seus itens 129 e 130 que o reconhecimento da assinatura (firma) do signatário de tal documento, feito por um Notário Público e aposto nesse documento, autentica a natureza genuína da assinatura que ostenta; e esta declaração oficial é um documento público nos termos da alínea “d” do parágrafo 2 do Artigo 1º da Convenção.
2.1. No caso de tais autenticações notariais, é a declaração oficial do Notário (e não o documento particular subjacente) que é o documento público para os efeitos da Convenção. Portanto, a Apostila certificará a autenticidade do certificado notarial e não a do documento particular subjacente.
TRADUÇÃO:
3. É fato, pela Convenção, que um documento apostilado não produz nenhum efeito no Estado de origem, pois a Apostila só é concebida para produzir efeitos no estrangeiro. Então, qual seria a utilidade de se fazer tradução pública juramentada para o português de um documento redigido em idioma estrangeiro?
3.1. Tecnicamente, segundo o item 312 do Manual de Aplicação da Convenção da Apostila:
“Uma Apostila não pode ser rejeitada pelo simples fato de ter sido redigida numa língua diferente da língua do Estado de destino. A Convenção estabelece que uma Apostila pode ser redigida na língua oficial da Autoridade Competente que a emite (Art. 4º (2)).
“A Convenção também prevê que a Apostila tem de produzir os seus efeitos em todos os restantes Estados contratantes sem qualquer outra formalidade, incluindo a tradução (Art. 3º (2))”.
4. Retornando ao problema, tenho para mim que Art. 15, § 2º, do Provimento CNJ nº 119, de 07 de julho de 2021, que alterou o Provimento nº 62/2017, não se aplica em casos similares, como veremos a seguir.
PROVIMENTO CNJ nº 62/2017:
5. Confira como ficou o Art. 15 do Provimento nº 62, após o acréscimo de parágrafo (§ 2º):
Art. 15. A aposição de apostila em tradução de documento público produzido no território nacional somente será admitida em tradução realizada por tradutor público ou nomeado ad hoc pela Junta Comercial.
§ 1º O procedimento deverá ser realizado em duas apostilas distintas: apostila-se primeiro o documento público original e, posteriormente, o traduzido. (renumerado para § 1º pelo Provimento nº 119, de 07/07/2021).
§ 2º Para fins de aposição da apostila, o documento de procedência interna bilíngue, contendo versão em língua estrangeira, não dispensa a apresentação da tradução juramentada. (incluído pelo Provimento nº 119, de 07/07/2021).
SIMPLIFICAÇÃO:
6. O Conselho Nacional de Justiça – CNJ vem em socorro dos notários para esclarecer que “no caso de documentos comerciais que costumam ser legalizados, o apostilamento poderá ser feito, o que ensejará a facilitação dos fluxos (de) comércio e investimentos.
“Deve-se ter em mente que o objetivo da Convenção da Apostila é sempre simplificar o processo de tramitação internacional de documentos, e não criar procedimentos burocráticos antes inexistentes.
“Tal entendimento coaduna-se com o costume internacional e com as orientações do Manual de Aplicação da Convenção da Apostila publicado pela Conferência da Haia de Direito Internacional Privado”.
NORMAS DA CGJ/SP:
7. As Normas de Serviço da Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo (CAP. XVI, 191), reprisando o Artigo 224 do Código Civil[2] diz ser autorizado o reconhecimento de firmas em escrito de obrigação redigido em língua estrangeira, de procedência interna, uma vez adotados os caracteres comuns, e também emite um comando esclarecedor:
191.1. “Nesse caso, além das cautelas normais, o Tabelião de Notas fará mencionar, no próprio termo de reconhecimento ou junto a ele, que o documento, para produzir efeito no Brasil e para valer contra terceiros, deverá ser vertido em vernáculo, e registrada a tradução”.
PROVIMENTO CNJ nº 119/2021:
8. Enfim, vez que a própria Associação dos Notários e Registradores do Brasil (ANOREG/BR) reconhece não ser possível proibir o reconhecimento de firma dos signatários de contratos particulares redigidos em língua estrangeira, e o CNJ orienta que o apostilamento poderá ser feito nos casos de documentos comerciais que costumam ser legalizados, conclui-se que o Apostilamento deve ser feito, no interesse dos usuários do serviço extrajudicial e sem qualquer burocracia, incluída a tradução.
Rebus sic stantibus, para essa finalidade, o Provimento nº 119/2021 nada inovou.
[1] Citação Andrei Sakharov in PIMENTA, Emanuel Dimas de Melo. Liberdade. Locarno, Suíça: 1. ed. ASA Art and Technology, 2022.
[2] Art. 224 do CC: Os documentos redigidos em língua estrangeira serão traduzidos para o português para ter efeitos legais no país.
Veja antiga decisão do CNJ, provocada por Associações de Tradutores Públicos (Pedido de Providências – 0006399-45.2018.2.00.0000)
Saiba aqui tudo sobre a Apostila de Haia
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Boa tarde!
Obrigado pelo artigo!
Então… apesar do disposto no item 7, não ficou claro para mim se não é mesmo obrigatória a tradução juramentada de documentos bilíngues. É que todos os cartórios e tabelionatos que fiz contato nos últimos dias estão exigindo traduções juramentadas mesmo para documentos particulares bilíngues!
Me refiro, por exemplo, ao apostilamento de uma procuração particular bilíngue,
cuja 1a. coluna já é em um idioma extrangeiro e que, desta forma, denota que será para utilização em outro país.
Essa situação me surpreende porque tanto o conteúdo como o idioma de um documento não interessam para tal finalidade. Uma apostila de Haia nada mais é do que um reconhecimento de firma dentro de um padrão que foi convencionado de forma internacional – daí “Convenção de Haia”.
Enfim, os notários e escrivães devem se ater apenas à questão da autenticidade da firma em questão, visto que nada versa sobre o conteúdo e idioma do texto. Ou será que a referida Convenção vai muito além disso, entrando na questão do conteúdo e idiomas? Não, né???
E com relação a observância da Convenção de Haia no Brasil, cabe ao CNJ “legislar” sobre o tema? Claro que não, bem sabemos…
Prezado Sr. Fábio,
Saudações!
O artigo em comento é expressão de nossa modesta opinião.
Em resumo, entendemos que:
a-) o documento em si, apresentado em duas línguas, em colunas, não necessita de tradução, e pode ser apostilado.
b-) se houver assinatura de tradutor, que declare haver convertido o texto de um idioma para outro – esse tradutor deverá estar registrado em Junta Comercial (daí a obrigatoriedade e condição para o apostilamento).
Entretanto, é o Tabelião de Notas que deve definir a forma de apresentação do documento, de acordo com o seu convencimento, pois a responsabilidade do ato que pratica é toda sua.
Assim sendo, caso continue encontrando dificuldade na aceitação desses documentos, solicite para falar diretamente com o Tabelião, e aponte nosso ponto de vista. Caso não haja mudança de opinião, requeira o pedido de providências, de modo que a controvérsia possa ser dirimida pelo Juiz Corredor Permanente daquela serventia.
Atenciosamente
Mundo Notarial