TJ-SP – Alteração de nome
Na atualidade o prenome perdeu sobremaneira sua importância legal, pela insuficiência para identificação das pessoas, em detrimento de cadastros oficiais, como o CPF.
ACÓRDÃO – Vistos, relatados e discutidos estes autos do Apelação Cível nº 1006401-36.2018.8.26.0529, da Comarca de Santana de Parnaíba, em que é apelante TEREZINHA DE ARAÚJO PEREIRA (JUSTIÇA GRATUITA), é apelado JUÍZO DA COMARCA.
ACORDAM, em 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Em julgamento estendido, por maioria de votos, deram provimento ao recurso, vencido o Relator sorteado que declara. Acórdão com o 2º Juiz.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores ALCIDES LEOPOLDO, vencedor, FÁBIO QUADROS, vencido, ENIO ZULIANI (Presidente), MARCIA DALLA DÉA BARONE e MAURÍCIO CAMPOS DA SILVA VELHO.
São Paulo, 26 de setembro de 2019.
ALCIDES LEOPOLDO, Relator Designado.
Apelação Cível – Processo nº 1006401-36.2018.8.26.0529 – Comarca: Santana de Parnaíba – Vara Única – Apelante: Terezinha de Araújo Pereira – Apelado: O Juízo – Juíza: Natália Assis Mascarenhas.
Voto n° 17.711:
EMENTA: RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL – Prenome – Hipocorístico – Pretensão de alteração de Terezinha para Tereza – Alegação de que lhe causa constrangimento e que sempre foi conhecida como Tereza – Admissibilidade Direito da personalidade – Não se vislumbra que a alteração possa importar em riscos à identidade da autora e à segurança pública ou jurídica – Na atualidade o prenome perdeu sobremaneira sua importância legal, pela insuficiência para identificação das pessoas, em detrimento de cadastros oficiais, como o CPF, que passou a partir do Provimento nº 63/2017 do Corregedor Nacional de Justiça, a identificar a pessoa natural desde o seu assento de nascimento, ou de “usernames” nas redes sociais. O prenome na vida cotidiana tem por fim precípuo conferir à pessoa satisfação consigo mesmo Recurso provido.
Respeitado o entendimento do I. Desembargador FÁBIO QUADROS peço vênia para apresentar divergência de sua sempre bem fundamentada decisão, adotando seu acurado relatório.
Trata-se de ação de retificação de assento de registro civil, insurgindo-se a autora contra o indeferimento de seu pedido de alteração do prenome “TEREZINHA” para “TEREZA”, como afirma ser conhecida desde a infância, sem o diminutivo e faz parte de sua vida social, sendo público e notório, e em todos os atos que não precisa usar o nome de registro feito pelo pai em contrariedade à genitora que preferia Tereza, aduzindo que lhe causa sofrimento, devido a comentários de mau gosto, brincadeiras impróprias e por não ser conhecida por tal nome.
Importante atributo de identificação da pessoa natural é o nome, “sinal verbal que identifica imediatamente, e com clareza, a pessoa a quem se refere” [1], não só aquele que se recebe pelo registro, mas também o que utilizado licitamente no cotidiano, na vida privada ou pública e em suas manifestações artísticas e literárias, individualiza o indivíduo na sociedade, indica sua origem e integra a sua personalidade.
O Código Civil expressamente no Art. 19 confere ainda proteção ao pseudônimo, ou seja, quando a pessoa se oculta sob nome suposto, lembrando, porém Bittar [2] que também recebem proteção os acessórios como a alcunha (apelido), o hipocorístico (designação carinhosa, geralmente pelos íntimos), os títulos de identificação e honoríficos (títulos acadêmicos, profissionais e de nobreza), os sinais figurativos (como o sinete, com as iniciais da pessoa, e o brasão ou escudo, com os símbolos da família), e o nome artístico.
Tamanha a importância do nome que o Art. 16 do Código Civil dispõe que toda pessoa tem direito a um nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome, que constarão do assento de nascimento (Art. 54, § 4º, da Lei nº 6.015/73).
O sobrenome, também chamado de patronímico, cognome, nome ou apelido de família, designa a família do detentor, e pode ter por origem o nascimento, casamento, a união estável (Art. 57, § 2º, Lei 6.015/73), a adoção ou por incorporação do nome abreviado, usado como firma comercial registrada ou em qualquer atividade profissional (Art. 57, § 1º, Lei 6.015/73).
A imutabilidade do prenome anteriormente determinada pelo Art. 58 da Lei dos Registros Públicos sofreu atenuações o que era necessário diante do seu caráter de direito da personalidade, pois muitas vezes o prenome escolhido com tanto carinho pelos pais, trazia ao seu detentor graves problemas psicológicos ou sociais, e assim já se vinha autorizando a retificação judicial, vedando-se ao oficial do registro civil registrar prenomes suscetíveis de expor ao ridículo os seus portadores (Art. 55, parágrafo único, da Lei 6.015/73).
A atual redação do Art. 58 da Lei 6.015/73 admite a substituição do prenome por apelidos públicos notórios, e o Art. 56 ao ser atingida a maioridade, no prazo de um ano, por iniciativa do interessado, sem que prejudique o sobrenome.
Outra possibilidade da substituição do prenome é em razão de fundada coação ou ameaça decorrente da colaboração com a apuração de crime, admitida pela Lei nº 9.807/99, que estabelece normas para a organização e a manutenção de programas especiais de proteção a vítimas e a testemunhas ameaçadas, institui o Programa Federal de Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas e dispõe sobre a proteção de acusados ou condenados que tenham voluntariamente prestado efetiva colaboração à investigação policial e ao processo criminal.
No caso de transexualidade, com cirurgia modificadora de sexo, importa em grave violação a direito da personalidade o obstáculo judicial a alteração do prenome que deve corresponder a sua realidade pessoal e a forma como se apresenta a pessoa no meio social.
LIMONGI FRANÇA [3] aponta uma série de causas justificativas da alteração ou mudança do prenome ou do patronímico como nos casos de nome posto por quem não tinha o direito de o fazer; não correspondência do assento com a declaração; erro gráfico; mudança ortográfica; descoberta do verdadeiro nome; confusão de homônimos, e outros.
Na forma do Art. 57 da Lei de Registros Públicos, “a alteração posterior de nome, somente por exceção e motivadamente, após audiência do Ministério Público, será permitida por sentença do juiz a que estiver sujeito o registro, arquivando-se o mandado e publicando-se a alteração pela imprensa, ressalvada a hipótese do Art. 110 desta lei.
Por esta simples preleção desde logo se verifica que a regra da imutabilidade do prenome e sobrenome há muito vem sendo mitigada.
Modernamente o direito dá ao nome uma nova feição, como bem destacado pelo Des. Francisco Loureiro (Apelação nº 9166340-68.2006.8.26.000, 4ª Câmara de Direito Privado, j. 15/09/2011), “não apenas para designar a pessoa humana e tornar possível o dever de identificação pessoal, mas sobretudo como um elemento da personalidade individual. É por isso que o nome hoje, ‘integra-se de tal maneira à pessoa e à sua personalidade que com ela chega a confundir-se, vindo a significar uma espécie de sustentáculo dos demais elementos, o anteparo da identidade da pessoa, a sede de seu amor próprio‘ (Maria Celina Bodin de Moraes, A tutela do nome da pessoa humana, p. 219)”.
No mesmo sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, corroborando o entendimento de que a alteração deve ser deferida quando além de não proibida por lei, pode melhorar a situação social do interessado, sem acarretar prejuízo a ninguém, nestes termos:
CIVIL. REGISTRO PÚBLICO. NOME CIVIL. PRENOME. RETIFICAÇÃO. POSSIBILIDADE. MOTIVAÇÃO SUFICIENTE. PERMISSÃO LEGAL. LEI 6.015/73, ART. 57. HERMENEUTICA. EVOLUÇÃO DA DOUTRINA E DA JURISPRUDÊNCIA. RECURSO PROVIDO.
I – O NOME PODE SER MODIFICADO DESDE QUE MOTIVADAMENTE JUSTIFICADO. NO CASO, ALÉM DO ABANDONO PELO PAI, O AUTOR SEMPRE FOI CONHECIDO POR OUTRO PATRONÍMICO.
II – A JURISPRUDÊNCIA, COMO REGISTROU BENEDITO SILVÉRIO RIBEIRO, AO BUSCAR A CORRETA INTELIGÊNCIA DA LEI, AFINADA COM A “LÓGICA DO RAZOÁVEL”, TEM SIDO SENSÍVEL AO ENTENDIMENTO DE QUE O QUE SE PRETENDE COM O NOME CIVIL É A REAL INDIVIDUALIZAÇÃO DA PESSOA PERANTE A FAMÍLIA E A SOCIEDADE” (REsp nº 66.643/SP, 4ª Turma, rel. Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, j. 21/10/1997).
No caso concreto, não se vislumbra que a alteração possa importar em riscos à identidade da autora e à segurança pública ou jurídica, havendo anexado certidões negativas de protestos, de ações criminais e civis (fls. 59/65).
Na atualidade o prenome perdeu sobremaneira sua importância legal, pela insuficiência para identificação das pessoas, em detrimento de cadastros oficiais, como o CPF, que passou a partir do Provimento nº 63/2017 do Corregedor Nacional de Justiça – CNJ, a identificar a pessoa natural desde o seu assento de nascimento, ou de “usernames” nas redes sociais.
Não se olvida que Terezinha deixou de ser mero o hipocorístico, tratamento carinhoso, normalmente nas relações familiares e pessoais, mas é compreensível que a variante em diminutivo possa incomodar a autora, a ponto de buscar solução judicial para seu desconforto.
O prenome na vida cotidiana tem por fim precípuo conferir à pessoa satisfação consigo mesmo, devendo ser acolhida a pretensão.
Pelo exposto, DOU PROVIMENTO ao recurso para a modificação do prenome TEREZINHA para TEREZA (conforme a grafia pretendida), expedindo-se o mandado no Juízo de origem para retificação do assento de nascimento.
ALCIDES LEOPOLDO, Relator Designado.
Voto nº 37.587 – Apelação Cível nº 1006401-36.2018.8.26.0529 – Comarca: Santana de Parnaíba – Apelante: Terezinha de Araújo Pereira – Apelado: O Juízo – Juíza prolatora: Natália Assis Mascarenhas.
DECLARAÇÃO DE VOTO VENCIDO:
De início, não se conhece do pedido preliminar para concessão dos benefícios da assistência judiciária à autora, uma vez que já concedido pelo Juízo de origem (fls. 28), carecendo a apelante de interesse recursal.
No mérito, verifica-se que a autora ingressou com a presente ação pleiteando a retificação do seu prenome TEREZINHA para TEREZA, ao argumento que a forma no diminuitivo além de não ser utilizada no seu meio social e profissional foi ato do seu genitor ao efetuar seu registro de nascimento contrariando o pedido de sua mãe que queria o nome Tereza.
Contudo, não é possível a retificação do prenome “Terezinha” pelo motivo exposto pela apelante, tendo em vista que a Lei de Registros Públicos apenas permite a retificação do nome na hipótese de erro de grafia ou a exposição do seu portador ao ridículo.
Deste modo, não estão presentes qualquer dos requisitos para a alteração do prenome “TEREZINHA”, que não ostenta erro em sua grafia ou causará qualquer constrangimento à apelante.
Com efeito, a possibilidade de retificação de assentamento em registro civil, com base na Lei nº 6.015/73, limita-se apenas à análise de vícios formais ou correção de meros erros materiais.
Contudo, tais hipóteses não se encontram presentes no caso “sub judice”, pois a justificativa apresentada pela apelante para mudança do prenome “Terezinha” para “Tereza” não encontra respaldo legal.
Destarte, a r. sentença deve ser mantida por não comportar reparos nem acréscimos.
Ante o exposto, nego provimento ao recurso.
FÁBIO QUADROS, Relator Vencido.
Notas:
[1] CUPIS, Adriano de. Os direitos da personalidade. Campinas: Romana, 2004, p.179.
[2] BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 4ª ed. São Paulo: Editora Forense Universitária, 2000, p.125.
[3] FRANÇA, Rubens Limongi. Do Nome das Pessoas Naturais. 2ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1964, p.259-263.
Este texto (com grifos do editor) não substitui o publicado no D. J. em 11/10/2019, que deve prevalecer.