Sucessão Causa Mortis – Renúncia Translativa – Cessão de Direitos Hereditários – ITBI e ITCMD

“Renúncia à herança dos herdeiros de primeiro grau do de cujus que não foi meramente abdicativa, mas translativa em favor do viúvo – Prevalência da intenção sobre a forma pela qual se revestiu o negócio jurídico – Cessão de Direitos Hereditários a exigir o pagamento dos impostos por transmissão causa mortis e inter vivos – Dúvida improcedente.

“Todavia, o reconhecimento da renúncia dos herdeiros-filhos da falecida como ad favorem gera uma consequência jurídica da qual não podem se esquivar, qual seja, o pagamento de dois impostos, um por transmissão causa mortis, e outro por transmissão inter vivos.


TJSP – Comarca de São Paulo – 1ª Vara de Registros Públicos.

Vistos.

O 8º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo suscitou dúvida, a pedido de J. V. C., diante da negativa em se registrar a Escritura Pública de Inventário e Adjudicação, lavrada nas notas do 1º Tabelião de Notas e de Protesto de Letras e Títulos de Atibaia, relativa aos bens deixados por A. L. V. C.

O Oficial informou que a qualificação negativa ocorreu porque não consta no título se os herdeiros-filhos, que renunciaram ao bem, possuem descendentes que também seriam destinatários da herança e, consequentemente, teriam que renunciar aos seus direitos (fls.01/05). O interessado aduziu que os herdeiros-filhos renunciaram de maneira abdicativa ao seu quinhão hereditário, como ato de repúdio ao patrimônio partilhado, dessa forma, desapareceria o direito à herança aos demais descendentes. Sustentou que, caso estes tenham interesse, poderão figurar no inventário, defendendo direito próprio ou decorrente da renúncia de seu genitor (fls.13/27).

Houve impugnação (fls. 157/159).

O Ministério Público opinou pela procedência da dúvida (fls.164/165).

É o relatório. DECIDO.

Pretende o interessado o reconhecimento da inexistência de direito sucessório dos herdeiros-netos, com fundamento na existência de renúncia expressa dos herdeiros-filhos.

A renúncia, no conceito elaborado por Orlando Gomes:

“É o negócio jurídico unilateral pelo qual o herdeiro declara não aceitar a herança”.

Pela análise dos elementos trazidos aos autos, não resta dúvida de que o escopo de todos os filhos maiores da “de cujus” foi o de beneficiar o viúvo-meeiro, já idoso, permitindo-lhe recolher a totalidade dos bens do patrimônio deixado por sua falecida esposa.

Esqueceram-se, todavia, de que a renúncia de todos os herdeiros de uma mesma classe e grau provoca o recolhimento da herança pelos herdeiros de graus e classes subsequentes. Logo, a renúncia dos filhos não beneficiou o viúvo, mas sim os netos do autor da herança. Para produzir o efeito desejado pelos filhos, os netos devem ser chamados a herdar por direito próprio e todos devem renunciar.

Talvez a solução que melhor acomode os interesses das partes seja a de interpretar as renúncias como cessão de direitos hereditários (renúncia ad favorem), realizadas em benefício do viúvo, apesar de, na aparência, terem sido abdicativas. Como já ressaltado, a renúncia é um negócio jurídico unilateral, por meio do qual o herdeiro declara não aceitar a herança. Pode ser ela meramente abdicativa, quando não implicar transmissão direta de bens ou direitos a outrem, ou translativa, se realizada para favorecer pessoa determinada, sendo por isso conhecida também por renúncia ad favorem.

Esta segunda espécie traduz uma cessão de direitos hereditários, na qual nem há propriamente renúncia, mas sim aceitação do quinhão e posterior transmissão a determinada pessoa (cf. Mauro Antonini, Código Civil Comentado, Cezar Peluso (Coord.), 3ª ed., Manole, p. 2.038).

Ao tratar do assunto, esclarecem Euclides de Oliveira e Sebastião Amorim:

“Embora não seja tecnicamente uma renúncia, é tida por válida a renúncia translativa, também chamada de imprópria, e admitem-se os efeitos obrigacionais dela decorrentes, como forma de doação, se a título gratuito, ou de compra e venda, se a título oneroso. A renúncia à herança em tais condições, por favorecer determinada pessoa, é denominada de translativa, ou in favorem, configurando verdadeira cessão de direitos, seja de forma onerosa, ou gratuita” (Inventários e Partilhas, 17ª, Edição Leud, p. 435).

No caso concreto, é possível concluir que os filhos da de cujus renunciaram aos seus quinhões hereditários em favor de seu genitor, restando caracterizada a chamada renúncia translativa ou cessão de direito hereditário. Ou seja, embora na aparência tenha se operacionalizado uma renúncia meramente abdicativa, na verdade o que ocorreu foi uma cessão de direitos hereditários dos filhos ao seu genitor, pois tal era o objetivo do negócio jurídico realizado.

Em suma, a fim de atender à causa do negócio jurídico, à finalidade que se pretendeu alcançar pelas declarações de vontade dos filhos da de cujus, é que se deve interpretar a renúncia por elas realizada como translativa, verdadeira cessão de direitos hereditários em favor de seu genitor. Todavia, o reconhecimento da renúncia dos herdeiros-filhos da falecida como ad favorem gera uma consequência jurídica da qual não podem se esquivar, qual seja, o pagamento de dois impostos, um por transmissão causa mortis, e outro por transmissão inter vivos. Isso porque não podem os renunciantes objetivar transmitir seus direitos hereditários em favor do viúvo sem arcar com os efeitos e obrigações jurídicas decorrentes de sua declaração de vontade.

Destarte, diante da dupla transmissão imobiliária, são devidos tanto o pagamento do imposto por transmissão causa mortis como por ato.

Por todo o exposto, julgo IMPROCEDENTE a dúvida.

Sem custas ou honorários decorrentes deste procedimento.

Oportunamente, arquivem-se os autos.

São Paulo, 22 de outubro de 2014.

Tânia Mara Ahualli

Juíza de Direito


1ª VRPSP – Processo nº 1076233-27.2014.8.26.0100
Data do julgamento: 22/10/2014 / DJ: 30/10/2014

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