Inventário extrajudicial – ausência de CND municipal – exigência afastada

Primeira Vara de Registros Públicos de São Paulo – Dúvida Registrária – Tabelionato de Notas – M. F. de O. M.

Existindo norma expressa no sentido de que os Oficiais não podem exigir, para registro de título, qualquer documento relativo à débitos para com a Fazenda Pública, ou Municipalidade de São Paulo, logo a exigência ora apresentada deve ser afastada.

Vistos. Trata-se de duvida suscitada pelo Oficial do 17º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de M. F. de O. M., diante da negativa em se proceder ao registro da escritura pública de inventário e partilha lavrada pelo Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelião de Notas de Buri, Comarca de Itapeva, referente aos imóveis matriculados sob nºs 39.946 e 40.174.

Informa o Oficial que referida escritura refere-se à partilha da parte ideal de 1/60 que R. F. de C. F. possuía nos aludidos imóveis.

O óbice registrário refere-se à necessidade de apresentação da certidão negativa de tributos ou certidão positiva com efeitos de negativa de tributos em relação ao imóvel matriculado sob nº 39.946. Juntou documentos às fls. 05/96.

A suscitada apresentou impugnação às fls. 103/104. Aduz que a área foi objeto de desapropriação em junho de 2009 (mandado de imissão na posse – fl. 15) e que a CDHU não procedeu a transferência do cadastro do IPTU, a fim de que a companhia figurasse como titular do imóvel. Por fim, afirma que a Lei nº 14.865 isenta os imóveis da CDHU do pagamento de IPTU, todavia, o cadastro se faz necessário.

Houve manifestação da Municipalidade de São Paulo às fls. 118/121. Concorda com a exigência imposta pelo registrador acerca da necessidade da certidão de regularidade fiscal – CND ou CPDEN. Esclarece que o imóvel possui débitos inscritos de IPTU referentes aos exercícios de 2011 a 2018, bem como não é possível reconhecer com segurança jurídica qual parcela do imóvel foi de fato desapropriada e qual em tese teria permanecido sob o domínio da interessada. Apresentou documentos às fls. 122/124.

O Ministério Público opinou pela improcedência da dúvida (fls. 108/110 e 127).

É o relatório. Passo a fundamentar e a decidir.

Primeiramente ressalto que a argumentação da Municipalidade no tocante à existência de débitos em atraso em relação ao IPTU, não obsta o registro pleiteado, tendo em vista que a existência de débitos e valores relativos a tributos municipais devem ser discutido nas vias ordinárias, com ampla dilação probatória e incidência do contraditório e ampla defesa, sendo certo que tal providência está sendo tomada pelo órgão municipal (fls. 123).

Ademais, o próprio ente municipal sequer soube esclarecer qual parcela do imóvel foi de fato desapropriada e qual teria ficado sob o domínio da suscitada, fato este que, de acordo com a interessada, leva à divergência no real valor a ser cobrado a título de imposto.

Todavia, o que se denota da presente dúvida, é que a exigência feita pelo Oficial para registro do título apresentado refere-se à necessidade de apresentação da certidão negativa de tributos ou certidão positiva com efeitos de negativa de tributos em relação ao imóvel matriculado sob nº 39.946.

Apesar do entendimento pessoal desta magistrada, no sentido de não ser possível declarar, em sede administrativa, a inconstitucionalidade dos dispositivos legais que exigem a apresentação da CND perante o registro imobiliário, reconheço ter sido pacificado o entendimento de que tal exigência não pode ser feita pelo Oficial.

Neste sentido, além dos precedentes do E. Conselho Superior da Magistratura e da Corregedoria Geral da Justiça deste Tribunal, o Conselho Nacional de Justiça, nos autos do pedido de providências nº 000123082-.2015.2.00.0000, formulado pela União/AGU, entendeu não haver irregularidade na dispensa, por ato normativo, da apresentação de certidão negativa para registro de título no Registro de Imóveis:

“CNJ: Pedido de Providências Provimento do TJ-RJ que determinou aos cartórios de registro de imóveis que deixem de exigir a certidão negativa de débito previdenciária (CND) Pedido formulado pela UNIÃO/AGU para a suspensão cautelar e definitiva dos efeitos do Provimento n. 41/2013, além da instauração de reclamação disciplinar contra os magistrados que participaram da concepção e realização do ato e ainda, que o CNJ expeça resolução ou recomendação vedando a todos os órgãos do Poder Judiciário a expedição de normas de conteúdo semelhante ao editado pela requerida Provimento CGJ nº 41/2013 editado pelo TJRJ está de acordo com a interpretação jurisprudencial do STF Ressalte-se que não houve qualquer declaração de inconstitucionalidade dos artigos 47 e 48 da Lei nº 8.212/91, mas sim fixação de norma de competência da Corregedoria Geral de Justiça local para regulamentar as atividades de serventias extrajudiciais vinculadas ao Tribunal de Justiça Pedido de providências improcedente”.

De acordo com o Acórdão:

“… Ao contrário do que afirma a Advocacia-Geral da União, verifica-se que o Provimento CGJ nº 41/2013 editado pelo TJRJ está de acordo com a interpretação jurisprudencial do STF acerca da aplicabilidade dos artigos 47 e 48 da Lei nº 8.212/91 ao dispensar a exigência de apresentação de CND para o registro de imóveis. Confira-se:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. REPERCUSSÃO GERAL. REAFIRMAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. DIREITO TRIBUTÁRIO E DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CLÁUSULA DA RESERVA DE PLENÁRIO. ART. 97 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL PLENO DO STF. RESTRIÇÕES IMPOSTAS PELO ESTADO. LIVRE EXERCÍCIO DA ATIVIDADE ECONÔMICA OU PROFISSIONAL. MEIO DE COBRANÇA INDIRETA DE TRIBUTOS. 1. A jurisprudência pacífica desta Corte, agora reafirmada em sede de repercussão geral, entende que é desnecessária a submissão de demanda judicial à regra da reserva de plenário na hipótese em que a decisão judicial estiver fundada em jurisprudência do Plenário do Supremo Tribunal Federal ou em Súmula deste Tribunal, nos termos dos arts. 97 da Constituição Federal, e 481, parágrafo único, do CPC. 2. O Supremo Tribunal Federal tem reiteradamente entendido que é inconstitucional restrição imposta pelo Estado ao livre exercício de atividade econômica ou profissional, quanto aquelas forem utilizadas como meio de cobrança indireta de tributos. 3. Agravo nos próprios autos conhecido para negar seguimento ao recurso extraordinário, reconhecida a inconstitucionalidade, incidental e com os efeitos da repercussão geral, do inciso III do § 1º do artigo 219 da Lei 6.763/75 do Estado de Minas Gerais. (ARE 914045 RG, Relator(a): Min. EDSON FACHIN, julgado em 15/10/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL MÉRITO DJe-232 DIVULG 18-11-2015 PUBLIC 19-11-2015 )”.

Assim, devem os Oficiais observar o disposto no Cap. XX, item 119.1, das NSCGJ do Tribunal de Justiça de São Paulo, que assim dispõe:

“119.1. Com exceção do recolhimento do imposto de transmissão e prova de recolhimento do laudêmio, quando devidos, nenhuma exigência relativa à quitação de débitos para com a Fazenda Pública, inclusive quitação de débitos previdenciários, fará o oficial, para o registro de títulos particulares, notariais ou judiciais”.

Deste modo, existindo norma expressa no sentido de que os Oficiais não podem exigir, para registro de título, qualquer documento relativo à débitos para com a Fazenda Pública, ou Municipalidade de São Paulo, logo a exigência ora apresentada deve ser afastada.

Diante do exposto, julgo improcedente a dúvida suscitada pelo Oficial do 17º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de M. F. de O. M., e consequentemente determino o registro do título.

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais e honorários advocatícios. Oportunamente remetam-se os autos ao arquivo. P.R.I.C.

São Paulo, (liberado) 18 de fevereiro de 2019

Drª Tania Mara Ahualli, Juíza de Direito


Processo 1111333-04.2018.8.26.0100

Adv. Drª Zelma Faria Miragaia Schmiegelow, OAB/SP nº 70.962

Este texto não substitui o publicado no DJe/SP em 20/02/2019

Deixe uma resposta