ITCMD – Inventário e partilha – abatimento de dívidas do espólio

TJSP – Agravo de Instrumento – Inteligência dos Arts. 1.792 e 1.997 do CC – A base de cálculo do ITCMD é o patrimônio líquido a ser partilhado, após a dedução das dívidas e dos encargos pertencentes ao “de cujus” – Herdeiros que não respondem por encargos superiores às forças da herança – Implementação do fato gerador após a formação do monte-mor transmissível – Revogação tácita do Artigo 12 da Lei Estadual 10.705/2000, pois contrária e anterior ao CC – Jurisprudência pacífica deste E. Tribunal de Justiça – Decisão reformada – Recurso provido.

Nos termos do Artigo 1.792 do Código Civil, “O herdeiro não responde por encargos superiores às forças da herança; incumbe-lhe, porém, a prova do excesso, salvo se houver inventário que a escuse, demonstrando o valor dos bens herdados”.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento nº 2219574-98.2017.8.26.0000, da Comarca de São João da Boa Vista, em que são agravantes I. M. B. (INVENTARIANTE) e A. J. B. (ESPÓLIO), é agravado FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 3ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Deram provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores DONEGÁ MORANDINI (Presidente sem voto), EGIDIO GIACOIA E VIVIANI NICOLAU.

São Paulo, 16 de março de 2018.

Beretta da Silveira, Relator

Trata-se de agravo de instrumento interposto contra r. decisão singular que, em ação de inventário, determinou o recolhimento do ITCMD sobre o total da herança, sem deduzir as dívidas e os encargos do espólio.

Em breve síntese, alega a agravante que os imóveis descritos às fls. 55/57 e 57/58 foram perdidos por força de dívidas e que o imposto deve incidir apenas sobre os bens de fato transmitidos aos herdeiros.

O recurso foi respondido às fls. 758/765.

É o RELATÓRIO.

A insurgência deve prosperar.

Nos termos do Artigo 1.792 do Código Civil, “O herdeiro não responde por encargos superiores às forças da herança; incumbe-lhe, porém, a prova do excesso, salvo se houver inventário que a escuse, demonstrando o valor dos bens herdados”.

No mesmo sentido, o Artigo 1.997 do mesmo diploma: “A herança responde pelo pagamento das dívidas do falecido; mas, feita a partilha, só respondem os herdeiros, cada qual em proporção da parte que na herança lhe coube”.

A leitura dos dispositivos nos permite concluir que a própria herança que deve responder pelos débitos contraídos pelo falecido, já que os herdeiros não assumem encargos superiores à quota parte que lhes foi destinada. Com isso, o patrimônio transmissível só é formado após o pagamento do passivo, razão pela qual o ITCMD cujo fato gerador é a transmissão causa mortis de bens e direitos só deve incidir sobre o monte-mor líquido a ser partilhado.

Na lição de Carlos Alberto Gonçalves, “O patrimônio transmissível aos herdeiros do finado, todavia, é apenas o saldo entre o seu ativo e o seu passivo, neste incluídos os impostos sucessórios. Por essa razão, para se apurar o montante que será objeto da sucessão, faz-se necessário, em primeiro lugar, apurar o montante de suas dívidas para saldá-las. Se estas absorverem todo o ativo, os herdeiros nada recebem.” (Direito Civil Brasileiro, volume VII: Direito das Sucessões. São Paulo, Saraiva, 2007, p. 497).

Sobre o tema, Nelson Nery Rosa Maria de Andrade Nery advertem: “Os bens da herança respondem pelas dívidas do ‘de cujus’. Não se trata de responsabilidade pessoal dos herdeiros, mas de sujeição do patrimônio do devedor para o pagamento de suas dívidas.” “A dívida da herança deve ser suportada pelo monte-mor. Já antes da partilha os credores da herança fazem jus à satisfação de seu crédito. Se se der a partilha e ainda houver dívida da herança não satisfeita, o herdeiro responde por elas, até a força de seu quinhão hereditário (CC 1792) e na proporção da parte que na herança lhe coube.” (Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante, 13ª Edição rev. ampl. e atual., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 1150 e 1222).

A norma invocada pela Fazenda Pública para embasar sua pretensão de que o imposto incida sobre o valor total da herança (artigo 12 da Lei Estadual nº 10.705/2000) está tacitamente revogada, pois contrária e anterior aos dispositivos do Código Civil acima elencados.

Como o valor bruto dos bens não será transmitido aos herdeiros, não se implementou o fato gerador do ITCMD, que deve ser calculado após a dedução das dívidas e dos encargos deixados pelo autor da herança.

Nesse sentido:

INVENTÁRIO. Base de cálculo do ITCMD. Monte líquido tributável, correspondente ao monte-mor, deduzidas as dívidas e encargos do de cujus. Inteligência dos Artigos 1.792 e 1.997 do Código Civil de 2002, que revogaram o Art. 12 da Lei Estadual nº 10.705/00. Recurso provido, para cassar a decisão que reputou devido o recolhimento do imposto mesmo na hipótese de as dívidas superarem os bens e direitos deixados pelo de cujus.

(Agravo de Instrumento nº 0548892-34.2010.8.26.0000, 4ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Francisco Loureiro, j. 07/04/2011).

INVENTÁRIO. Base de cálculo do ITCMD. Monte líquido tributável, correspondente ao monte-mor, deduzidas as dívidas e encargos do de cujus. Inteligência dos Artigos 1.792 e 1.997 do Código Civil de 2002. Inconformismo da Fazenda. Não acolhimento. Herdeiros somente podem ser responsabilizados até as forças da herança. Tanto é que se não há transmissão de bens, não incide o imposto. Decisão mantida. RECURSO DESPROVIDO.

(Agravo de Instrumento nº 2066937-65.2017.8.26.0000, 6ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Paulo Alcides, j. 02/08/2017).

Agravo de Instrumento – Ação de inventário – Decisão que reconsiderou decisão anterior e determinou à Fazenda do Estado que disponibilize ao espólio os cálculos e as guias correspondentes ao ITCMD com o desconto das dívidas do espólio – Insurgência da Fazenda Não acolhimento – Herdeiros que não respondem além da força da herança – Necessidade de apuração do imposto sobre o monte mor líquido – Dicção do disposto nos Artigos 1.792 e 1.997, ambos do Código Civil – Decisão mantida Recurso não provido.

(Agravo de Instrumento nº 2132877-11.2016.8.26.0000, 3ª Câmara de Direito Privado, Rel. Dra. Marcia Dalla Déa Barone, j. 08/11/2016).

Agravo de Instrumento ITCMD. Recolhimento do imposto depois de descontadas as dívidas do espólio Admissibilidade – imposto de transmissão causa ‘mortis’ que não incide sobre o monte-mor total, mas sim sobre o monte partível, deduzidas todas as dívidas e encargos Aplicação dos Artigos 1.792 e 1.997 do Código Civil precedentes deste Tribunal – agravo desprovido.

(Agravo de Instrumento nº 2158876-63.2016.8.26.0000, 5ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. A. C. Mathias Coltro, j. 01/02/2017).

Inventário. ITCMD. Fato gerador do imposto que é a transmissão causa mortis de bens e direitos do de cujus a seus herdeiros legítimos e testamentários. Necessidade de se abater as dívidas da base de cálculo. Inteligência dos Artigos 1.784, 1.972 e 1.997 do Código Civil. Doutrina e jurisprudência deste E. Tribunal de Justiça. Recurso provido.

(Agravo de Instrumento nº 2048542-25.2017.8.26.0000, 4ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Maia da Cunha, j. 14/09/2017).

De rigor, portanto, o provimento do recurso para fazer constar que a base de cálculo do ITCMD é o patrimônio transmitido, após a exclusão das dívidas e dos encargos existentes em nome do falecido.

Ante o exposto, DÁ-SE PROVIMENTO ao recurso.

BERETTA DA SILVEIRA, Relator


TJSP – Agravo de Instrumento nº 2219574-98.2017.8.26.0000 – São João da Boa Vista – 3ª Câmara de Direito Privado – Rel. Des. Beretta da Silveira – DJ 04/04/2018

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