STJ – Direito Real de Habitação – e cobrança de emolumentos na renúncia
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RECURSO ESPECIAL Nº 1.134.387 – SP (2009/0150803-3)
RECORRENTE: M.P.D. e OUTROS
ADVOGADO: RICARDO RAMOS NOVELLI e OUTRO(S)
RECORRIDO: R.F.B.P. e OUTROS
ADVOGADO: RICARDO LUIZ IASI MOURA e OUTRO(S)
RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI
“O direito real de habitação, a despeito de assegurar apenas o direito de usar a coisa exclusivamente para sua habitação, assemelha-se ao usufruto, sendo ambos direitos reais de fruição sobre coisa alheia.” (TJSP, emolumentos)
Cuida-se de recurso especial interposto por M.P.D. e OUTROS, com fundamento no Art. 105, III, “a”, da CF, contra acórdão proferido pelo TJ/SP.
Ação: De dissolução de condomínio, ajuizada pelas recorrentes em desfavor de R.F.B.P. e OUTROS, pela qual buscam a extinção do condomínio existente em imóvel do qual receberam, em herança, fração ideal.
Aduzem as recorrentes que são a prole do primeiro casamento de S.P. e que, após o óbito de seu genitor, não obstante o percebimento de fração ideal como quinhão de herança (1/8 do valor do imóvel), não tiveram acesso ao imóvel, atualmente ocupado pelo cônjuge supérstite, por S.P.J. (nascido em 1982) e G.P. (nascido em 1984): prole do segundo casamento.
Ante a impossibilidade de fruírem do patrimônio herdado, as recorrentes propuseram a presente ação, objetivando, na essência, a venda da casa ocupada pelos recorridos e a percepção dos valores correspondentes aos respectivos quinhões, mormente porque uma das recorrentes é acometida por mal crônico que levou à sua interdição.
Finalizaram sua fundamentação aduzindo que o direito real de habitação previsto no Art. 1.611 do CC/1916, não tem aplicação em um universo onde o divórcio é permitido, pois a regra apenas facultaria a oposição desse direito real em face de sua própria prole.
Sentença: Julgou procedente o pedido para determinar a alienação judicial do imóvel, resguardando o direito de preferência e adjudicação a ser exercido por cada condômino até a assinatura do auto de arrematação.
Acórdão: O TJ/SP deu provimento ao apelo dos recorridos, em julgado assim ementado: Extinção de condomínio. Alienação judicial de coisa comum. Bem indivisível. Imóvel gravado com direito real de habitação. Art. 1.611, § 2º, do Código Civil de 1916 (Art. 1.831 CC/2002).
Sentença de procedência Apelação dos réus. Agravo retido desprovido. Preliminares. Nulidades processuais. Não ocorrência. Dispensável a intervenção de dois membros do Ministério Público. Respeitado o princípio jura novit curia ou da mihi factum, dabo tibi jus. Adequada adoção do Art. 1.114 do CPC. Inépcia da inicial. Não caracterização. Condições da ação presentes. Preliminares rejeitadas.
Mérito. Cônjuge sobrevivente. Direito real de habitação. “Ao cônjuge sobrevivente, observadas as prescrições legais, é assegurado o direito real de habitação relativamente ao único imóvel destinado à residência da família, a teor do disposto no § 2º, do Art. 1.611, do Código Civil de 1916”.
Pacífico o entendimento no C. STJ. Entendimento pretoriano que recusa a extinção do condomínio pela alienação do imóvel. Desnecessidade do registro imobiliário do direito real de habitação. Precedentes do C. STJ.
Sucumbência. Inversão dos ônus. Agravo retido desprovido. Apelação dos réus provida e prejudicada a apelação das autoras. Embargos de declaração: interpostos pelas recorrentes, foram rejeitados.
Recurso especial: Alega violação do Art. 1.611, § 2º, do CC-1916.
Sustenta que o referido dispositivo de lei regula apenas o direito real de habitação dentro do núcleo familiar e que a vedação judicial à possibilidade das recorrentes disporem do patrimônio que lhes foi deixado como herança (fração ideal correspondente a 1/8 do imóvel para cada uma), vulnera o princípio da isonomia entre os herdeiros.
Aduzem, por fim, que existe o risco de uma das herdeiras recorrentes, deixar de usufruir do patrimônio, pois tem aproximadamente a mesma idade da recorrida. Contrarrazões: Pugnam pela inviabilidade do pleito, declinando, além das particularidades que envolveram a formação do patrimônio objeto do debate, posicionamento do STJ relativo à impossibilidade de alienação de imóvel em relação ao qual o cônjuge supérstite detém o direito real de habitação.
Parecer do MPF: De lavra do Subprocurador-Geral da República Maurício Vieira Bracks, pelo conhecimento e não provimento do recurso especial. (fls. 604/609, STJ).
É o relatório.
VOTO:
Cinge-se a controvérsia, em dizer se as recorrentes – filhas do primeiro casamento do de cujus – podem opor à recorrida – cônjuge supérstite –, detentora de direito real de habitação do imóvel em questão, as prerrogativas inerentes à propriedade de fração desse imóvel e pelas quais pleiteiam a alienação do patrimônio imobiliário para a apuração do quinhão que lhes é devido.
1. Lineamentos gerais
De um lado estão os recorridos – a cônjuge supérstite e dois filhos do segundo casamento do de cujus, que sustentam a inviabilidade do exercício de qualquer direito das recorrentes sobre imóvel, em face da existência de direito real de habitação, ope legis, sobre a residência que a viúva mantinha com seu falecido marido.
Vale registrar que os filhos da cônjuge supérstite apresentam hoje a idade de 30 e 28 anos e as filhas do primeiro casamento do de cujus, idades de 46 e 42 anos. De relevo, ainda, declinar-se que o pedido de dissolução do condomínio, com a consequente venda do imóvel foi deduzido em maio de 2000, permanecendo, ainda hoje, sem solução definitiva.
As recorrentes, em contraponto à tese que foi albergada pelo Tribunal de origem, apontam para a inviabilidade da aplicação do Art. 1.611 do CC/1916 (com parcial correspondência no Art. 1.831 do atual CC) – que assegurava ao cônjuge supérstite o direito real de habitação do imóvel destinado à residência da família, aduzindo, em síntese, que aquele direito real de habitação não pode ser oposto a elas, porquanto detêm direito de propriedade sobre o imóvel, em condomínio decorrente de herança, circunstância secundada pelo fato de não guardarem relação de parentalidade com a recorrida.
Os fatos relativos à controvérsia, tal como postos pelo Tribunal de origem, revelam que a propriedade das recorrentes sobre fração do imóvel, decorre de sucessão hereditária, pois eram filhas do primeiro casamento do de cujus, razão pela qual, herdaram, cada uma, a fração ideal de 1/8 do imóvel sob discussão.
Casando-se o pai das recorrentes pela segunda vez, aumentou sua prole, nascendo dessa segunda relação conjugal mais dois filhos, que tiveram, ao tempo de sua morte, igual direito a 1/8 do patrimônio, cada. A outra metade do imóvel pertence, também neste universo de condomínio, à viúva meeira, por força dos regramentos legais aplicáveis à espécie.
2. Da violação do Art. 1.611 do CC-1916
Neste cenário de colidência entre o direito de propriedade sobre fração do imóvel e o direito real de habitação da viúva, estendido aos filhos do segundo casamento, fixado por dispositivo de lei ao cônjuge sobrevivente, é necessário ponderar sobre a prevalência de um dos dois institutos, ou, ainda, buscar uma interpretação sistemática que não acabe por esvaziar, totalmente, um deles, em detrimento do outro, vindo a tratar sem isonomia todos os filhos do falecido.
A peculiar circunstância que envolve o processo sob análise, é existirem filhos do primeiro casamento do de cujus, que pleiteiam o direito de usufruírem do patrimônio que lhes deixou o pai falecido.
2.1. Do direito real de habitação
Fazendo pequena revisão histórica do instituto, verifica-se sua gênese nacional na Lei 4.121/1962 – Estatuto da Mulher Casada – que entre outras inovações legislativas, inseriu no Art. 1.611 do CC-1916, dois parágrafos, um deles fixando o direito real de habitação para o cônjuge sobrevivente, casado sob o regime de comunhão universal, desde que o imóvel em questão fosse o único bem daquela natureza a se inventariar e o outro, criando o chamado usufruto vidual.
A alteração legislativa ocorrida, embora contemplasse indistintamente o cônjuge supérstite, independentemente do seu gênero, teve como escopo notório, a melhoria da situação de fragilidade econômica e social da mulher à época, garantindo-lhe, em caso de óbito de seu cônjuge, a perenização do condômino que seria formado com os demais herdeiros, não precisando mais contar com o beneplácito dos demais herdeiros – às vezes dos pais do de cujus – para continuar residindo no imóvel adquirido na constância de seu casamento.
Daniel Blikstein, tratando da contextualização histórica do direito real de habitação, corrobora a tese quando afirma que:
“Em princípio, como já se disse, a ideia do legislador de 1962, era afastar a clara inferioridade feminina prevista até então pelo Código Civil de 1916 e legislação extravagante, inclusive no que tange aos direitos civis ora existentes.
De qualquer forma, o direito real de habitação decorrente de sucessão hereditária manteve-se válido e vigente em nossa legislação desde 1962, até posteriores modificações e a entrada em vigor do atual Códex Civil. Como já foi visto, é importante lembrar que duras críticas foram levantadas quanto à limitação do referido direito real à época, que, pela lei vigente, era aplicável apenas aos casados na comunhão universal de bens.” (Blikstein, Daniel, in: O Direito Real de Habitação na sucessão hereditária. Belo Horizonte, Del Rey, 2012, pp. 195-197).
Era a garantia de moradia para a família, após o óbito de um de seus genitores, desde que esta tivesse sido prévia e formalmente constituída; houvesse optado pelo regime de comunhão universal e o cônjuge supérstite mantivesse o estado de viuvez.
Tanto o momento da fixação normativa quanto as restrições nela existentes indicam que se buscava assegurar direitos às famílias tradicionais, em uma sociedade que começava a adentrar uma revolução de costumes que atingia, inclusive, os até então intocáveis conceitos clássicos de família.
As posteriores alterações legislativas: Lei 9.278/1996, Art. 7º – que previa a aplicação do direito real de habitação aos companheiros, sem a distinção do regime de bens; a Lei 10.050/2000 – que alterava o Art. 1.611, § 2º, do CC-1916, para incluir como beneficiário o filho necessitado, portador de deficiência (posteriormente revogada pelo CC/2002) e finalmente, o atual Código Civil, paulatinamente abrandaram as restrições da norma, sem, contudo mexer em sua essência, que era, e continua sendo a proteção do cônjuge supérstite, quanto ao direito de moradia, e por extensão, aos descendentes deste.
Para se alcançar esse fim, o direito real de habitação, inserido em contexto de sucessão, teve marco distintivo da maior parte dos direitos reais, pois se afastou a usual consensualidade presente nessa categoria de direitos, substituída, que foi, pela imposição estatal para a sua implementação, na hipótese anteriormente circunstanciada.
Quanto a essa fixação ope legis do direito real de habitação, Sérgio Iglesias Nunes de Souza, consigna que:
“O referido princípio [princípio da consensualidade] se diz aplicável apenas no sentido de que a concessão de um direito real a outro poderá dar-se por meio de efeitos por contrato, ou seja, não só por lei, mas também por convenção. É o caso, no primeiro, dos Arts. 1.414 e 1.416 do CC brasileiro e do 1.831 do referido Codex, pois o direito real de habitação ali discriminado decorre de lei, e não por convenção das partes.
Assim, o cônjuge sobrevivente, desde que casado sob o regime da comunhão universal, enquanto viver e estiver na condição de viúvo(a), terá garantido o direito real de habitação em relação ao imóvel que está destinado à residência da família.” (Souza, Sérgio Iglesias Nunes in: A distinção entre o Direito à moradia e o direito de habitação. Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo, ano 7, nº 13, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. pag. 252).
Aqui nasce o nó górdio trazido neste recurso especial – a operacionalização da determinação legal e seus efeitos a terceiros.
2.2. Da possibilidade de aplicação do direito real de habitação, ope legis, quando coexistirem, em condomínio, herdeiros outros que não os membros do grupo familiar que estão ligados ao cônjuge supérstite.
Como já declinado anteriormente, a imposição legal de que seja outorgado ao cônjuge supérstite o direito real de habitação, teve seus primórdios, e ainda hoje é justificado, pela sua proteção social e de sua prole.
Nesse sentido, os poucos posicionamentos do STJ sobre a matéria, do que é exemplo excerto do REsp 107.273/PR, 4ª T., Rel. Min. Ruy Rosado, Dj: 17/03/1997, que leio:
É elogiável a regra legal ora em exame resguardando o interesse do cônjuge sobrevivente, formador da família e, muitas vezes, o principal responsável pela construção do patrimônio, resguardando o direito mínimo de dispor de uma morada, contra o anseio dos herdeiros em se apropriarem da herança, ainda que deixando um dos pais ao desabrigo.
Essa razoável proteção ofertada pelo legislador ao cônjuge sobrevivente tem, porém, inegável pressuposto subjacente: a existência de famílias com relações de verticalidade homogêneas.
A razão de ser da exigência se deposita na própria origem deste direito real de habitação: a solidariedade interna do grupo familiar que prevê recíprocas relações de ajudas dentro do núcleo familiar.
Maria Berenice Dias, tratando do tema solidariedade familiar, com grande precisão declina que:
“A solidariedade é o que cada um deve ao outro. Esse princípio, que tem origem nos vínculos afetivos, dispõe de acentuado conteúdo ético, pois contém em suas entranhas o próprio significado da expressão solidariedade, que compreende a fraternidade e a reciprocidade.
A pessoa só existe enquanto coexiste. O princípio da solidariedade tem assento constitucional, tanto que seu preâmbulo assegura uma sociedade fraterna. Também ao ser imposto aos pais o dever de assistência aos filhos (CF 229), consagra o princípio da solidariedade. O dever de amparo às pessoas idosas (CF 230) dispõe do mesmo conteúdo solidário. (…)
Uma das técnicas originárias de proteção social que até hoje se mantém é a família. Aproveita-se a lei da solidariedade no âmbito das relações familiares. Ao gerar deveres recíprocos entre os integrantes do grupo familiar, safa-se o Estado do encargo de prover toda a gama de direitos que são assegurados constitucionalmente ao cidadão.” (Dias, Maria Berenice, Manual de direito das famílias, 6ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2010, pag. 67).
Dessa linha de pensamento, extrai-se a mens legislatoris orientadora da formação do direito real de habitação: dar aplicação ao princípio da solidariedade familiar imposto aos descendentes, limitando-lhes a propriedade do patrimônio herdado, para a preservação do bem estar do ascendente sobrevivente.
A intromissão do Estado-legislador na livre capacidade das pessoas disporem dos respectivos patrimônios, só se justifica pela igualmente relevante proteção constitucional outorgada à família (CF, 203, I), que permite, em exercício de ponderação de valores, a mitigação de um deles – in casu – dos direitos inerentes à propriedade, para assegurar a máxima efetividade do interesse prevalente, que na espécie seria a proteção ao grupo familiar.
Nessa situação, de um lado, vislumbrou-se que os filhos devem – em nome da solidariedade intrafamiliar – garantir ao seu ascendente a manutenção do seu lar; e de outro, extraiu-se da ordem natural da vida que provavelmente sobreviverão ao habitador, momento em que poderão exercer, na sua plenitude o direito de propriedade que detêm.
No entanto, os filhos de anterior relacionamento do de cujus, primeiro, não guardam nenhum tipo de solidariedade em relação ao cônjuge supérstite, pois não têm com este vínculos de parentalidade e, segundo, podem ter idade similar à do habitador, hipótese em que o direito de propriedade que possuem, talvez nunca venha a ser exercido.
Daí vem a assertiva de que é forçoso circunscrever este direito real aos lindes da família tradicional, aqui definida como aquela em que a prole tenha ancestralidade comum.
É dizer, apenas entre pais e filhos vige o direito real de habitação, ope legis.
Na hipótese sob exame, embora as recorrentes guardem relações de parentesco com os filhos do segundo casamento de seu pai, nenhuma relação técnica, ou fática, as une à recorrida-habitadora.
As filhas do primeiro casamento do de cujus são, por força de lei, herdeiras do patrimônio amealhado pelo pai, em igualdade de condições – respeitado os respectivos quinhões – com os demais herdeiros necessários: os filhos do segundo casamento. Contudo, essa igualdade fica evidentemente fragilizada quando se verifica a impossibilidade dessas herdeiras usufruírem daquele patrimônio, de forma direita ou indireta.
É razoável, repita-se, que os filhos tornem-se nu-proprietários, em fração ideal do imóvel que herdaram de um dos pais, para que o outro ancestral possa viver no mesmo imóvel pelo resto de sua vida.
No entanto, não é razoável que fora do grupo familiar, prevaleça essa imposição, porquanto aqui não há justificativa que dê foros de legitimidade à exceção legal.
Não há elos de solidariedade entre as filhas do primeiro casamento e a cônjuge supérstite recorrida, mas ao revés, sofrem a supressão, talvez perene, de um direito que lhes foi assegurado por herança. Nessa situação, toda a matriz sociológica e constitucional que justifica a imposição do direito real de habitação ao cônjuge supérstite, em face de sua própria prole, deixa de ter razoabilidade, pois se glosa os direitos à propriedade de quem não compõe o grupo familiar.
Os institutos jurídicos plasmados sob a ficção jurídica da chamada família tradicional devem sofrer necessárias adequações, para que não se trisque a necessária isonomia entre iguais, em nome de uma prevalência sócio jurídica desse tipo de família, não mais albergada pela legislação nacional.
Vale aqui citar Luciano Lopes Passarelli, que em excelente estudo sobre o tema, declinou na conclusão de seu trabalho que:
“Um outro aspecto que causa um certo desconforto em todo o tema aqui estudado é a hipótese de prejuízo aos descendentes menores do autor da herança. Isto porque, se a lei preocupou-se em não deixar o cônjuge supérstite ao desabrigo, parece que não teve a mesma preocupação com os filhos menores. E se eles ficarem ao desabrigo? Para imaginar apenas uma hipótese, basta pensar nos filhos de pais separados, já vivendo o varão em outro casamento ou união estável.
Possuindo um único imóvel e vindo a falecer, herdam os filhos, mas devem respeitar o direito real de habitação conferido ao novo cônjuge (ou companheiro). Imaginando que os filhos vivessem com a mãe, em casa alugada, e viesse a mãe também a falecer, onde iriam morar? São proprietários de uma casa (ou parte ideal dela), mas nela não podem residir.” Passarelli, Luciano Lopes, in: O direito real de habitação no direito das sucessões. Revista de Direito Imobiliário, nº 59. Revista dos Tribunais, São Paulo: 2005, pag. 127.
A preocupação externada pelo autor, no exemplo por ele construído, quase que se materializa por inteiro neste recurso especial, com alguns agravantes já estabelecidos: Existirem, neste processo, filhos do segundo casamento, igualmente herdeiros por cabeça, que embora também não possam dispor do patrimônio herdado, usufruem dele, pois convivem com a mãe habitadora.
Um das recorrentes apresenta idade próxima à da habitadora, de onde se presume que se ela vier, em algum momento futuro, a usufruir do patrimônio, o fará por pequeno lapso temporal, existindo até mesmo a concreta possibilidade de nunca fazê-lo. O fato de a segunda recorrente ser interdita, e embora não se declare a razão dessa interdição, a circunstância indica a existência de condição especial, que merece igualmente a proteção do Estado.
Dessa forma, a relação entre as recorrentes – que em conjunto detém a fração ideal correspondente a 1/4 do imóvel – e os recorridos, apesar da previsão legal de direito real de habitação para a recorrida R.F.B.P., não pode ter outro tratamento que não aquele que usualmente se dá ao condomínio, outorgando-se, por conseguinte, a aplicação do disposto no Art. 629 do CC-1916, que prevê a possibilidade de um dos condôminos exigir, a qualquer tempo, a divisão da coisa comum.
Forte em tais razões, DOU PROVIMENTO ao recurso especial para reformar o acórdão e julgar procedente o pedido inicial, restabelecendo a sentença que determinava a alienação judicial do imóvel, conforme previsto nos Arts. 686 e seguintes do CPC.
Ônus sucumbenciais conforme fixados em sentença.
Ministra NANCY ANDRIGHI, Relatora