Princípio da Continuidade – Espólio – Alvará – prévia partilha dos bens deixados pela pré morta
1ª VRP-SP – Dúvida Registrária – XXº Oficial de Registro de Imóveis X E. D. S. N.
Sentença (fls.56/60):
“Registro Escritura de Compra e Venda vendedor casado sob o regime da comunhão de bens – Falta do registro da partilha de cônjuge pré morta violação do princípio da continuidade dúvida procedente”.
Vistos.
Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 8º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de E. D. S. N., em face da negativa de ingresso da escritura de venda e compra do imóvel matriculado sob nº xxx, em que consta como vendedor o Espólio de P. R. C., que faleceu no estado civil de viúvo, e como compradora a suscitada.
O óbice registrário refere-se à ausência da apresentação prévia para registro do formal de partilha ou adjudicação decorrente de inventário ou arrolamento dos bens deixados pela mulher de P. R. C., O. C., uma vez que eram casados sob o regime da comunhão de bens. A suscitada insurge-se contra a exigência, alegando que a escritura foi precedida por Alvará Judicial expedido pelo MM. Juízo de Direito da 3ª Vara da Família e Sucessões da Comarca de São José dos Campos, nos autos do inventário nº 2665/2005, o que por si só autoriza a abertura de matrícula para registro do mencionado imóvel.
Foram juntados documentos às fls.07/50. Não houve apresentação de impugnação (certidão fl.51). O Ministério Público opinou pela procedência da dúvida, com a manutenção do entrave (fl.55).
É o relatório. Passo a fundamentar e a decidir.
Preliminarmente, cumpre destacar que os títulos judiciais não estão isentos de qualificação, positiva ou negativa, para ingresso no fólio real. O Egrégio Conselho Superior da Magistratura já assentou, inclusive, que a qualificação negativa do título judicial não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial (Apelação cível n.413-6/7).
Cite-se, por todas a apelação cível nº 464-6/9, de São José do Rio Preto: Apesar de se tratar de título judicial, está ele sujeito à qualificação registrária. O fato de tratar-se o título de mandado judicial não o torna imune à qualificação registrária, sob o estrito ângulo da regularidade formal, O exame da legalidade não promove incursão sobre o mérito da decisão judicial, mas à apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e à conexão de seus dados com o registro e a sua formalização instrumental.
Nessa linha, também o E. Supremo Tribunal Federal já decidiu que: “REGISTRO PÚBLICO – ATUAÇÃO DO TITULAR – CARTA DE ADJUDICAÇÃO – DÚVIDA LEVANTADA – CRIME DE DESOBEDIÊNCIA – IMPROPRIEDADE MANIFESTA. O cumprimento do dever imposto pela Lei de Registros Públicos, cogitando-se de deficiência de carta de adjudicação e levantando-se dúvida perante o juízo de direito da vara competente, longe fica de configurar ato passível de enquadramento no artigo 330 do Código Penal – crime de desobediência -, pouco importando o acolhimento, sob o ângulo judicial, do que suscitado” (HC 85911 / MG – MINAS GERAIS, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, j. 25/10/2005, Primeira Turma). Sendo assim, fica claro que não basta a existência de título proveniente de órgão jurisdicional para autorizar automaticamente o ingresso no registro tabular. Portanto, superada a questão sobre o ingresso do título judicial, passa-se à análise do princípio da continuidade, explicado por Afrânio de Carvalho, da seguinte forma: O princípio da continuidade, que se apóia no de especialidade, quer dizer que, em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia, de titularidade à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular. Assim, as sucessivas transmissões, que derivam umas das outras, asseguram a preexistência do imóvel no patrimônio do transferente (Registro de Imóveis, Editora Forense, 4ª Ed., p. 254). Ou seja, o título que se pretende registrar deve estar em conformidade com o inscrito na matrícula. Oportuno destacar, ainda, a lição de Narciso Orlandi Neto, para quem: No sistema que adota o princípio da continuidade, os registros têm de observar um encadeamento subjetivo. Os atos praticados têm de ter, numa das partes, a pessoa cujo nome já consta do registro. A pessoa que transmite um direito tem de constar do registro como titular desse direito, valendo para o registro o que vale para validade dos negócios (Retificação do Registro de Imóveis, Editora Oliveira Mendes, p. 56). Necessário, por conseguinte, que o titular de domínio seja o mesmo no título apresentado a registro e no registro de imóveis, pena de violação ao princípio da continuidade, previsto no art. 195, da Lei nº 6.015/73: Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a previa matrícula e o registro do titulo anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro. Conclui-se, assim, que os registros necessitam observar um encadeamento subjetivo, ou seja, o instrumento que pretende ingressar no registro tabular necessita estar em nome do outorgante, sendo que apenas pode transmitir o direito quem é o seu titular.
Na presente hipótese, a matrícula do imóvel aponta como titulares de domínio P. R. C. e sua mulher O. C., casados sob o regime da comunhão de bens, anteriormente à vigência da Lei 6.515/77 (R.4/76.500 fl.49), sendo que P. faleceu no estado civil de viúvo (fl.29). Todavia, não consta na matrícula do imóvel em questão o registro do formal de partilha em nome da cônjuge virago (pré morta), ou seja, o registro da escritura de compra e venda em nome do Espólio de P. quebra o princípio da continuidade que dos registros públicos se espera, prejudicando com isso terceiro de boa fé. Daí conclui-se que o instrumento de compra e venda apresentado não pode ter ingresso ao fólio real até que adequado à partilha da cônjuge pré morta.
Por fim, ressalto que a suscitada não formulou impugnação em Juízo ao óbice registrário, o que pressupõe a concordância acerca de seus termos.
Diante do exposto, julgo procedente a dúvida suscitada pelo Oficial do XXº Registro de Imóveis da Capital a requerimento de E. D. S. N., para manter a recusa do registro da escritura pública de venda e compra lavrada perante o XXº Tabelião de Notas da Capital.
Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais e honorários advocatícios. Oportunamente remetam-se os autos ao arquivo, com as cautelas de praxe.
P.R.I.C.
São Paulo, 30 de novembro de 2015.
Drª Tania Mara Ahualli, Juíza de Direito
Processo de Dívida nº 1113516-50.2015, DJe-SP, 11/12/2015