Cheque pós-datado assume ares de nota promissória

STJ – Recurso especial – Ação de indenização por danos morais em razão da apresentação antecipada de cheque pré-datado, ensejando a inscrição do nome do emitente no banco central – Procedência – Prova do dano – Desnecessidade – Incidência do enunciado nº 83/STJ – Quantum indenizatório – Razoabilidade – Recurso a que se nega seguimento.

EMENTA
RECURSO ESPECIAL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS EM RAZÃO DA APRESENTAÇÃO ANTECIPADA DE CHEQUE PRÉ-DATADO, ENSEJANDO A INSCRIÇÃO DO NOME DO EMITENTE NO BANCO CENTRAL – PROCEDÊNCIA – PROVA DO DANO – DESNECESSIDADE – INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO N. 83/STJ – QUANTUM INDENIZATÓRIO – RAZOABILIDADE – RECURSO A QUE SE NEGA SEGUIMENTO. (STJ – REsp nº 1.222.180 – AL – 3ª Turma – Rel. Min. Massami Uyeda – DJ 25.03.2011)
DECISÃO MONOCRÁTICA

Cuida-se de recurso especial interposto pelo BANCO SANTANDER BRASIL S/A INCORPORADOR DO BANCO ABN AMRO REAL S/A fundamentado no art. 105, inciso III, alíneas “a” e “c”, da Constituição Federal, em que se alega violação dos arts. 160, I, 186 e 884 do CC; 4º, § 1º da Lei 7357/85; 5º, II da CF/88 e divergência jurisprudencial.
O v. acórdão recorrido está assim ementado:

“DIREITO CIVIL, EMPRESARIAL E CONSUMERISTA. APELAÇÃO. CONTRATAÇÃO DE SERVIÇO BANCÁRIO CONSUBSTANCIADO EM “PAGAMENTO DE CONTA PROGRAMADA COM CHEQUE”. APRESENTAÇÃO DE CHEQUE PÓS-DATADO ANTES DA DATA AVENÇADA. DEVOLUÇÃO POR INSUFICIÊNCIA DE FUNDOS. REAPRESENTAÇÃO AINDA ANTES DA DATA AVENÇADA. NOVA DEVOLUÇÃO. INSERÇÃO DO NOME DA EMPRESA NO CADASTRO DE CHEQUES SEM FUNDOS (CCF). DANO MORAL CONFIGURADO. SÚMULA 370, STJ. ADEQUAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO ARBITRADO. APELAÇÃO ADESIVA. PRETENSÃO DE MAJORAÇÃO DO MONTANTE ARBITRADO A TÍTULO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. MATÉRIA JÁ APRECIADA NO APELO PRINCIPAL.

1. De forma assente, na doutrina e na jurisprudência, observa-se uma aceitação da ampliação da definição legal, de modo a admitir-se a utilização do cheque, não só para pagamentos à vista, mas também na modalidade pós-datada, na qual, pode-se dizer, esse título de crédito assume ares de nota promissória.

2. Tão recorrente é a matéria em debate, e tão sólido é o entendimento do STJ sobre o tema, que a referida Corte Superior editou, em fevereiro de 2009, a Súmula 370, cujo teor especifica: “caracteriza dano moral a apresentação antecipada de cheque pré-datado”.

3. Ao arbitrar o valor atinente à indenização por danos morais, o Magistrado deve levar em consideração não apenas os interesses do ofendido – exercendo, aí, um juízo de valor acerca do potencial ofensivo da conduta causadora do dano e das proporções da repercussão desse evento em sua vida. Também não se poderá olvidar que, em relação ao ofensor, a indenização arbitrada deve ter, proporcionalmente ao seu patrimônio, a função de inibir reiteradas condutas danosas, estimulando um maior cuidado deste em relação a novas situações futuras. Por fim, mas não menos importante, o aplicador do direito não pode permitir que o montante por ele aplicado a título de indenização se afigure como forma de enriquecimento ilícito.

4. Promovendo, in casu, a análise de todas as circunstâncias pontuadas acima, entende-se como adequado o valor da indenização imposta pelo Magistrado a quo, cujo montante, por certo, apresenta-se razoável em relação a todas as suas finalidades, não sendo pertinente, portanto, a sua modificação.

5. Apelação principal conhecida e não provida.

6. No que se refere à Apelação Adesiva, verifica-se que o tema nela abordado já foi devidamente debatido e decidido ao final da análise da Apelação principal, razão pela qual se consigna, nesse momento, a título de apreciação deste Apelo adesivo, a reiteração das considerações ali explanadas quanto ao referido assunto, as quais concluíram pela adequação do montante indenizatório estabelecido em sede de primeiro grau.

7. Apelo Adesivo conhecido e não provido.
Sustenta o recorrente, em síntese, que, sendo o cheque ordem de pagamento à vista, sua conduta reputa-se legal, não havendo que se falar em indenização. Alega, ainda, a exorbitância do quantum indenizatório.

É o relatório.
O inconformismo não merece prosperar.
Com efeito.
Cuida-se, na origem, de ação de indenização por dano moral proposta pelo ora recorrido em face do recorrente, em razão da apresentação antecipada de cheque pré-datado, ocasionando a devolução dos títulos por falta de fundos e a conseqüente inscrição de seu nome no Banco Central.
Bem de ver, na espécie, que o Tribunal de origem, com base no acervo probatório reunido nos autos, reconheceu a indevida apresentação do cheque-pré-datado em data anterior à avençada, ocasionando a inscrição do nome do agravado no Banco Central e ensejando a este, por conseguinte, dano moral. É o que se denota do seguinte excerto:
“Diante de tais considerações, irrelevante se torna a alegação do Apelante de que a segunda apresentação do cheque emitido pela Apelada se deu em razão de autorização expressa de um representante desta nesse sentido, mormente porque não consta, dos autos, qualquer comprovação de que tal autorização tenha, de fato, ocorrido.
(…)
No caso em tela, o fato narrado pela empresa ora Apelada – emissão de cheque pós-datado e apresentação deste pelo Apelante antes da data avençada – apresenta-se, indubitavelmente, verossímil, até porque o Recorrente, em momento algum, contesta tal situação e o documento de fl. 22 a corrobora.
Quanto ao dano sofrido pela empresa Recorrida, é inegável que não se trata de dano hipotético, pois para ela, assim como para qualquer outra empresa que atue em qualquer ramo, a credibilidade perante a clientela é de vital importância, sendo certo que a inserção de seu nome no Cadastro de Cheques sem Fundos (CCF) é fato que abala a sua imagem perante terceiros, além de provocar-lhe restrições no mercado.
Assim, é de se concluir que caberia, ao Banco Apelante, na condição de fornecedor do serviço, promover a comprovação de que os fatos não ocorreram conforme a narrativa da Apelada, o que, contudo, não se observa. Até mesmo o frágil argumento de que a reapresentação do cheque em questão teria sido expressamente autorizada por um representante da empresa recorrida é apenas lançado, sem que se verifique, nos autos, qualquer prova nesse sentido.
Diante de tais considerações, não há como negar que a conduta do Apelante, diferentemente do que por ele é defendido, revestiu-se do caráter de negligência, pois a ele caberia o cuidado para que não se desse a apresentação antecipada do cheque emitido pelo seu cliente, mormente quando se trata da contratação de um serviço por ele oferecido, qual seja, o “Pagamento de Conta Programada com Cheque”.
Constata-se que o Tribunal de origem, ao assim decidir, adotou entendimento consonante com o posicionamento pacificado desta Corte que é no sentido de que, a apresentação de cheque pós-datado em data anterior a estipulada acarretando a devolução do título por ausência de fundos e o consequente registro nos cadastros de emitentes de cheques sem fundos, gera o dever de indenizar, independentemente da prova do prejuízo.
Nesse sentido, assim já se decidiu:
“Civil Recurso especial. Cheque pré-datado. Apresentação antes do prazo. Compensação por danos morais.
(…)
– A apresentação do cheque pré-datado antes do prazo estipulado gera o dever de indenizar, presente, como no caso, a devolução do título por ausência de provisão de fundos. Recurso especial não conhecido.” (REsp 707272/PB, Relatora Ministra Nancy Andrighi, DJ 21/03/2005)
E, ainda: REsp 659760/MG, relator Ministro Aldir Passarinho Júnior, DJ de 29.5.2006 e REsp 678878/MT, relator Ministro Fernando Gonçalves, DJ de 6.6.2005.
Assim, inarredável, na espécie, a aplicação do Enunciado n. 83/STJ.
Assinala-se, por fim, que a revisão do quantum indenizatório por esta Corte exige que ele tenha sido arbitrado de forma irrisória ou exorbitante, fora dos padrões de razoabilidade, circunstância que não se verifica no caso concreto. Nesse sentido, esta augusta Corte assim já se pronunciou:
“AGRAVO INTERNO – AGRAVO DE INSTRUMENTO – RECURSO ESPECIAL – INSCRIÇÃO INDEVIDA NO SERASA – AUSÊNCIA DE CULPA DO BANCO – REVISÃO DA PROVA – INDENIZAÇÃO – DANOS MORAIS – QUANTUM INDENIZATÓRIO – RAZOABILIDADE – SÚMULA 7/STJ. (…) III – É possível a intervenção desta Corte para reduzir ou aumentar o valor indenizatório por dano moral apenas nos casos em que o quantum arbitrado pelo acórdão recorrido se mostre irrisório ou exagerado, situação que não ocorreu no caso concreto. IV – Em âmbito de recurso especial, não há campo para se revisar entendimento assentado em provas, conforme está sedimentado no enunciado 7 da Súmula desta Corte. Agravo improvido.” (AgRg/Ag 634288/MG, Rel. Min. Castro Filho, DJU de 10.09.2007).
Na hipótese, o valor arbitrado, pela Corte de origem, em R$6.000,00 (seis mil reais), a titulo de danos morais, em razão da apresentação de cheque pós-datado antes do prazo estipulado e a consequente anotação do nome do autor nos cadastros de emitentes de cheques sem fundos (CCF), não se apresenta manifestamente exorbitante, a ponto de atrair a intervenção excepcionalíssima deste Sodalício Superior.
Ressalte-se, por oportuno, que a simples existência de julgados em que a verba indenizatória foi arbitrada em valor superior ou inferior ao caso concreto não autoriza, por si só, o seguimento do recurso, quando verificado que a Instância ordinária, em análise do contexto fático–probatório, fixou a indenização em quantia que não extrapola o critério de razoabilidade. Nesse sentido, estes precedentes: REsp 992.421/RS, 3ª Turma, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, Rel. p/ acórdão João Otávio de Noronha, DJe 12/12/2008; Ag 1066779/PR, Rel. Ministra Nancy Andrighi, DJ 30/10/2008.
Nega-se, pois, seguimento ao recurso.
Publique-se. Intimem-se.
Brasília (DF), 04 de março de 2011.
MINISTRO MASSAMI UYEDA – Relator.