Usucapião Extrajudicial – residentes no exterior – impossibilidade pela via extrajudicial

1ª Vara de Registros Públicos de São Paulo

Classe – Assunto Dúvida – Registros Públicos

Suscitante: 1º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo

Suscitado: E. C.

Vistos.

Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 1º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de E. C., diante da negativa em se proceder ao registro de usucapião extrajudicial do imóvel matriculado sob nº xxx.

O óbice registrário refere-se à necessidade de intimação dos coprietários W. H. e de seu marido J. K. A. H., residentes na Alemanha, haja vista que a suscitada é titular de domínio de 2/3 do imóvel. Entende o Registrador que a notificação dos mencionados coproprietários deverá ser judicial, sendo que inexiste regulamentação para a cooperação jurídica internacional, nos termos do artigo 27 do CPC. Juntou documentos às fls. 06/64.

A suscitada apresentou impugnação às fls. 71/75. Pugna pela notificação mediante AR e, em caso negativo, pela publicação de edital em veículo de grande circulação. Salienta que por intermédio do Departamento de Cooperação Jurídica Internacional da Secretaria Nacional de Justiça (DRCI/SNJ), através do contato da coordenação geral de cooperação jurídica internacional, o Ministério da Justiça atua como autoridade central brasileira tanto para feitos no Brasil, como aqueles recebidos no exterior.

Expedido ofício ao Departamento de Cooperação Jurídica Internacional da Secretaria Nacional de Justiça, foram juntadas informações às fls. 88/90. Destaca que não há tratado específico de cooperação entre Brasil e Alemanha que regule a matéria, sendo que a tramitação dos pedidos de cooperação ocorreram com base em reciprocidade, pela via diplomática. Salienta que o artigo 7º da Portaria Interministerial nº 501/2012 do Ministério da Justiça e do Ministério das Relações Exteriores contém os requisitos para a elaboração da carta rogatória, bem como a tradução oficial ou juramentada deve ser providenciada pelas partes interessadas. Foram apresentados documentos às fls. 91/95.

Acerca das informações do Departamento de Cooperação Jurídica Internacional da Secretaria Nacional de Justiça, a suscitada manifestou-se às fls. 102/104. Salienta que diante da regulamentação específica ditada pela Coordenação Geral de Cooperação Jurídica Internacional, o registrador é competente para a realização das notificações dos titulares de domínio, zelando pela segurança jurídica do procedimento da usucapião extrajudicial afastando qualquer causa de nulidade da declaração de domínio.

Por fim, afirma que em conformidade com o artigo 11 do Provimento CNJ 65, de 14/12/2017, se as notificações resultarem infrutíferas em razão dos notificando estarem em local incerto, não sábio ou inacessível, o registrador certificará o ocorrido e promoverá a notificação por edital.

Manifestação do registrador à fl. 121, corroborando os argumentos expostos na inicial.

O Ministério Público opinou pela procedência da dúvida, devendo a notificação ocorrer pela via judicial (fls. 99 e 125).

É o relatório.

Passo a fundamentar e a decidir.

O óbice registrário deve ser mantido.

Nos termos do Provimento nº 65/2017 é requisito essencial para o prosseguimento do pedido extrajudicial a intimação dos titulares de domínio ou de seus herdeiros, não sendo qualquer justificativa suficiente para afastar tal exigência.

A presente hipótese trata de questão peculiar, uma vez que os coproprietários que devem ser notificados residem em outro país.

De acordo com as informações prestadas pelo Departamento de Cooperação Jurídica Internacional da Secretaria Nacional de Justiça (DRCI/SNJ), inexiste tratado específico de cooperação entre Brasil e Alemanha que regule a matéria, sendo a questão regulada pela Portaria Interministerial nº 501 de 21/03/2012 do Ministério da Justiça, especificamente pelos artigos 7º e 8º, que regula o procedimento a ser observado na tramitação de cartas rogatórias e pedido de auxílio direito, ativos e passivos, em matéria penal e civil.

Como bem explanado pelo Registrador, a expedição de carta com AR é um modelo adotado pelos correios do Brasil, caracterizando como uma citação ficta, o que revela-se temerário, ante o risco de nulidade absoluta, tendo em vista que não há como se afirmar que notificação foi recebida pelos notificandos, devendo a tradução juramentada ser de responsabilidade da interessada.

Entendo que na presente hipótese deve ser aplicado subsidiariamente o artigo 40 do CPC:

“Art. 40. A cooperação jurídica internacional para execução de decisão estrangeira dar-se-á por meio de carta rogatória ou de ação de homologação de sentença estrangeira, de acordo com o art. 960”

Ressalte-se que na via extrajudicial é impossível a expedição da carta rogatória, bem como não é a hipótese da notificação por edital, já que não preenchidos os requisitos do artigo 257 do CPC, dispondo os coproprietários e endereço certo. Alternativamente, poderá a suscitada apresentar carta de anuência com firmas reconhecidas e tradução juramentada.

Diante do exposto, julgo procedente a dúvida suscitada pelo Oficial do 1º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de E. C., consequentemente mantenho o óbice, devendo a suscitada buscar a resolução do impasse nas vias judiciais.

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais e honorários advocatícios.

Oportunamente remetam-se os autos ao arquivo.

P.R.I.C.

São Paulo, 07 de fevereiro de 2019.

Drª Tania Mara Ahualli, Juíza de Direito


Processo Digital nº: 1095411-20.2018.8.26.0100

Este texto não substitui o publicado no DOE-SP em 13/02/2019

One comment

  • Excelente Artigo! Importante lembrar que o usucapião por abandono de lar conjugal, requisito do ‘abandono do lar’ deve ser interpretado na ótica do instituto da usucapião familiar como abandono voluntário da posse do imóvel, somando à ausência da tutela da família, não importando em averiguação da culpa pelo fim do casamento ou união estável.

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