O CCIR deve estar atualizado e em sintonia com os dados da matrícula do imóvel
Registro de Imóveis – Escritura Pública de inventário e partilha – Ofensa aos princípios da legalidade e da especialidade objetiva – CCIR com dados desatualizados, em desacordo com o resultado de retificação averbada na matrícula do bem imóvel há mais de quatro anos – Exigência de atualização pertinente – Erros pretéritos não justificam outros – Reconhecimento do desacerto das exigências ligadas ao ITR – Desnecessidade de exibição de certidões negativas de débitos relativas a tributos despegados do ato registral intencionado – Dúvida procedente – Recurso desprovido, com observação.
Nota da redação:
O Certificado de Cadastro de Imóvel Rural – CCIR, é o documento expedido pelo Incra que comprova a regularidade cadastral do imóvel rural. Ele contém informações sobre o titular, a área, a localização, a exploração e a classificação fundiária do imóvel rural. Os dados são declaratórios e exclusivamente cadastrais, não legitimando direito de domínio ou posse.
Frise-se que o CCIR é indispensável para legalizar em cartório a transferência, o arrendamento, a hipoteca, o desmembramento, o remembramento e a partilha de qualquer imóvel rural. É essencial também para a concessão de crédito agrícola pois é exigido por bancos e agentes financeiros.
Apelação nº 0000063-04.2016.8.26.0539
Número: 0000063-04.2016.8.26.0539
Comarca: SANTA CRUZ DO RIO PARDO
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
Apelação nº 0000063-04.2016.8.26.0539
Registro: 2017.0000217642
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 0000063-04.2016.8.26.0539, da Comarca de Santa Cruz do Rio Pardo, em que são partes são apelantes MARIA AUGUSTA DA COSTA CINTRA, LUCIANE DA COSTA CINTRA ALVES, ANA PAULA CINTRA e JOÃO PAULO CINTRA, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE SANTA CRUZ DO RIO PARDO.
ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento à Apelação, com observação, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PAULO DIMAS MASCARETTI (Presidente), ADEMIR BENEDITO, XAVIER DE AQUINO, LUIZ ANTONIO DE GODOY, RICARDO DIP (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E SALLES ABREU.
São Paulo, 23 de março de 2017.
MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS
Corregedor Geral da Justiça e Relator
Apelação nº 0000063-04.2016.8.26.0539
Apelantes: Maria Augusta da Costa Cintra, Luciane da Costa Cintra Alves, Ana Paula Cintra e João Paulo Cintra
Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Santa Cruz do Rio Pardo
VOTO Nº 29.739
Registro de Imóveis – Escritura Pública de inventário e partilha – Ofensa aos princípios da legalidade e da especialidade objetiva – CCIR com dados desatualizados, em desacordo com o resultado de retificação averbada na matrícula do bem imóvel há mais de quatro anos – Exigência de atualização pertinente – Erros pretéritos não justificam outros – Reconhecimento do desacerto das exigências ligadas ao ITR – Desnecessidade de exibição de certidões negativas de débitos relativas a tributos despegados do ato registral intencionado – Dúvida procedente – Recurso desprovido, com observação.
Ao suscitar dúvida, o Oficial de Registro justificou a necessidade da exibição de Certificado de Cadastro de Imóvel Rural – CCIR atualizado, de declaração atualizada do Imposto sobre propriedade Territorial Rural (ITR) e do comprovante de pagamento do ITR. [1]
As exigências, então impugnadas pelos interessados, foram confirmadas pelo MM Juiz Corregedor Permanente, que julgou a dúvida procedente[2], mediante r. sentença depois questionada por meio de apelação, interposta com vistas ao registro da escritura de inventário e partilha dos bens deixados por João Cintra[3].
Enviados os autos ao C. CSM[4], a Procuradoria Geral da Justiça opinou pelo desprovimento do recurso[5].
É o relatório.
O dissenso versa sobre a registrabilidade da escritura pública de inventário e partilha dos bens deixados por João Cintra[6]. Seu ingresso no fólio real foi recusado pelo Oficial, que o condicionou à atualização tanto dos dados lançados no CCIR como da declaração do ITR, bem como à comprovação do pagamento do ITR[7].
A respeito da exigência atinente ao CCIR, a cada imóvel, em atenção ao princípio da unitariedade, deve corresponder uma única matrícula. E a identificação do imóvel, por força do princípio da especialidade objetiva e, especialmente, da regra do art. 176, II, 3, a, da Lei n.º 6.015/1973, supõe os dados constantes do CCIR.
Esse, portanto, o Certificado de Cadastro de Imóvel Rural, deve referir-se, entre outros dados do bem imóvel, e de modo a singularizá-lo, a sua área total, a sua denominação e ao número de sua matrícula na serventia predial, informações essas, entretanto, que, in concreto, encontram-se desatualizadas.
Em especial, o CCIR está em descompasso com o resultado da retificação registral averbada, há anos, no dia 3 de junho de 2011, na mat. n.º 2.477 do RI de Santa Cruz do Rio Pardo[8]: além de identificar incorretamente a matrícula do bem imóvel, com alusão ao n.º 342477, denomina-o Sítio Água São Domingos ao invés de Sítio Nossa Senhora Aparecida , e indica que sua área soma 140,9 ha, enquanto, na verdade, totaliza 145,126244 ha[9].
Logo, não procede, nesse ponto, a irresignação dos recorrentes. A propósito, a exigência de exibição do CCIR expedido pelo INCRA, previsto no Estatuto da Terra (Lei n.º 4.504/1964[10]), não é nova: consta do art. 22 da Lei n.º 4.947/1966 e do art. 1.º do Decreto n.º 4.449/2002, que regulamentou a Lei n.º 10.267/2001, diploma legal que, entre outras, promoveu alterações no art. 176 da Lei n.º 6.015/1973 para fazer constar a necessidade da identificação do imóvel rural contemplar seu código e os dados constantes do CCIR.
Ou seja, a deficiente identificação do imóvel rural, presa ao CCIR, está a impedir a inscrição perseguida, porquanto em desconformidade com os princípios da legalidade e da especialidade objetiva[11], conforme, aliás, recente deliberação deste C. CSM[12].
No mais, quanto aos afirmados anteriores registros de títulos realizados em contradição com a exigência sob exame[13], é de rigor recordar, e reafirmar, a jurisprudência administrativa desta Corte, segundo a qual erros pretéritos não autorizam nem legitimam outros; não se prestam a respaldar o ato registral pretendido[14].
Agora, não se justifica, por variadas e diferentes causas, a exibição de CNDs (certidões negativas de débitos tributários e previdenciários), seja porque sem relação com o registro pretendido, seja diante da atual compreensão do C. CSM, iluminada por diretriz fixada pela Corte Suprema[15], a dispensá-la, pois, mantida fosse a exigência[16], prestigiaria vedada sanção política[17].
A confirmação dessa exigência importaria restrição indevida ao acesso de títulos à tábua registral, imposta então como forma oblíqua, instrumentalizada para, ao arrepio e distante do devido processo legal, desatrelada da inscrição visada e contrária à eficiência e segurança jurídica ínsitas ao sistema registral, forçar, constranger o contribuinte ao pagamento de tributo[18].
Levaria a restrição de interesses privados em aberto desacordo com a orientação do E. STF, a qual se alinhou este C. CSM; incompatível com limitações inerentes ao devido processo legal, porque mascararia uma cobrança por quem não é a autoridade competente, longe do procedimento adequado à defesa dos direitos do contribuinte, em atividade administrativa estranha à fiscalização que lhe foi cometida, ao seu fundamento e fins legais, dado que a obrigação tributária em foco não decorre do ato registral intencionado.
Conforme Humberto Ávila, “a cobrança de tributos é atividade vinculada procedimentalmente pelo devido processo legal, passando a importar quem pratica o ato administrativo, como e dentro de que limites o faz, mesmo que e isto é essencial não haja regra expressa ou a que seja prevista estabeleça o contrário.” [19]
Na mesma trilha, sob inspiração desses precedentes, escudado, assim, no ideal de protetividade dos direitos do contribuinte, na eficácia e na função bloqueadora próprios do princípio do devido processo legal[20], segue o subitem 119.1. do Cap. XX das NSCGJ, in verbis: “com exceção do recolhimento do imposto de transmissão e prova de recolhimento do laudêmio, quando devidos, nenhuma exigência relativa à quitação de débitos para com a Fazenda Pública, inclusive quitação de débitos previdenciários, fará o oficial, para o registro de títulos particulares, notariais ou judiciais.”
Com essas considerações, suficientes para afastar toda e qualquer exigência ligada à comprovação de pagamento ou inexistência de débitos fiscais despegados dos registros idealizados, é de rigor concluir, particularmente no tocante ao ITR (Imposto sobre propriedade Territorial Rural), e nada obstante o comando do art. 21, caput, da Lei n.º 9.393/1966[21], pela desnecessidade de demonstração de seu pagamento, a ser fiscalizado e perseguido pela União, Fazenda Pública Federal ou, então, consoante o art. 153, § 4.º, III, da CF[22], pelos Municípios. Dela (da comprovação), por isso, independe o registro.
À dispensa afirmada, ademais, conduz a intelecção do par. único do art. 21 da Lei n.º 9.393/1966[23], que, ao fazer remissão à regra do art. 134 do CTN, condicionou a responsabilidade solidária (e subsidiária) dos tabeliães e registradores pelas obrigações não cumpridas pelo contribuinte à existência de um vínculo entre o tributo não pago e o ato praticado, ausente, em se tratando do ITR, cujo fato gerador, sendo a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel rural, é alheio ao registro visado.
Nessa trilha, o registro, inviabilizado por razão outra, independe de certidões negativas de débitos e Documento de Informação e Apuração do ITR DIAT e demonstração de quitação desse tributo. Prescinde, ademais, é lógico, da atualização da declaração do ITR.
Em arremate, constata-se, à vista da matrícula n.º 2.477 do RI de Santa Cruz do Rio Pardo[24], a ocorrência de diversas alienações de partes ideais com metragens certas, então indicativas de parcelamento irregular do solo. Trata-se de situação que reclama apuração pelo MM Juiz Corregedor Permanente, a quem caberá, em expediente próprio, cuja abertura deverá ser informada à E. CGJ, apurar a necessidade de regularização e do acautelatório bloqueio da matrícula.
Isto posto, pelo meu voto, nego provimento à apelação, com observação.
MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS
Corregedor Geral da Justiça e Relator
Notas:
[1] Fls. 67.
[2] Fls. 110-111.
[3] Fls. 119-128.
[4] Fls. 133 e 138.
[5] Fls. 142-144.
[6] Fls. 6-13.
[7] Fls. 60 e 67.
[8] Cf. av. 59, fls. 55-56.
[9] Fls. 22, 23 e 34.
[10] Cf. art. 46.
[11] Cf., ainda, itens 59, II, e 59.1, do Cap. XX das NSCGJ.
[12] Apelação n.º 9000002-83.2015.8.26.0099, de minha relatoria, j. 9.6.2016.
[13] R. 61, r. 63 e r. 64 da mat. n.º 2.477 do RI de Santa Cruz do Rio Pardo, fls. 56-57.
[14] Apelação Cível n.º 20.603-0/9, rel. Des. Antônio Carlos Alves Braga, j. 9.12.1994; Apelação Cível n.º 19.492-0/8, rel. Des. Antônio Carlos Alves Braga, j. 17.02.95; e Apelação Cível n.º 024606-0/1, rel. Des. Antônio Carlos Alves Braga, j. 30.10.1995.
[15] ADI n.º 173/DF e ADI n.º 394/DF, rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 25.9.2008.
[16] Fls. 100, itens 3 e 2, e 101-102, itens I e II.
[17] Apelação Cível n.º 0013759-77.2012.8.26.0562, rel. Des. Renato Nalini, j. 17.1.2013; Apelação Cível n.º 0021311-24.2012.8.26.0100, rel. Des. Renato Nalini, j. 17.1.2013; Apelação Cível n.º 0013693-47.2012.8.26.0320, rel. Des. Renato Nalini, j. 18.4.2013; Apelação Cível n.º 9000004-83.2011.8.26.0296, rel. Des. Renato Nalini, j. 26.9.2013; e Apelação Cível n.º 0002289-35.2013.8.26.0426, rel. Des. Hamilton Elliot Akel, j. 26.8.2014.
[18] A respeito da proscrição das sanções políticas, cf. Hugo de Brito Machado, in Curso de Direito Tributário. 32.ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 509-511.
[19] Sistema constitucional tributário. 5.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 173.
[20] A propósito dessa estrutura do princípio do devido processual legal, cf. Humberto Ávila, op. cit., p. 173-176.
[21] Art. 21. É obrigatória a comprovação do pagamento do ITR, referente aos cinco últimos exercícios, para serem praticados quaisquer dos atos previstos nos arts. 167 e 168 da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (Lei dos Registros Públicos), observada a ressalva prevista no caput do artigo anterior, in fine.
[22] Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: VI propriedade territorial rural;
§ 4.º O imposto previsto no inciso VI do caput:
III será fiscalizado e cobrado pelos Municípios que assim optarem, na forma da lei, desde que não implique redução do imposto ou qualquer outra forma de renúncia fiscal.
[23] Art. 21. (…)
Parágrafo único. São solidariamente responsáveis pelo imposto e pelos acréscimos legais, nos termos do art. 134 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 Sistema Tributário Nacional, os serventuários do registro de imóveis que descumprirem o disposto neste artigo, sem prejuízo de outras sanções legais.
[24] Fls. 43-58.
(DJe de 21/06/2017 – SP)