Tudo sobre a Convenção de Haia, por quem conhece a matéria

Brasil assina a convenção de Haia – O que devemos esperar

Por FABIO BARBIERO

19/08/2015

Ciao a tutti

Recentemente o Brasil passou a fazer parte dos países membros da famosa Convenção de Haia no que diz respeito a eliminação da exigência da legalização consular (até porque o Brasil já faz parte de outras Convenções).

Isso aconteceu através da aprovação do decreto 148/2015 e publicado no Diário Oficial da União em 7/7/2015.

Claro que esta notícia tem sido o tema central das conversas relacionadas com o nosso tema, afinal de contas é provável que não precisaremos mais legalizar os documentos no consulado italiano!

Será mesmo que vai ser assim, mais fácil?

O QUE É A CONVENÇÃO DE HAIA

A Convenção de Haia tema deste artigo, é um acordo entre diversos países que permite a estes países a apresentação de documentos estrangeiros para a utilização no exterior sem que estes sejam previamente legalizados pelas representações consulares no país onde eles foram emitidos.

Como acontece por exemplo no nosso caso: hoje todas as certidões de nascimento, casamento, óbito + a CNN devem ser legalizadas por um Consulado Geral da Italia no Brasil. Quando um país adere a esta Convenção, esta legalização pode ser substituída por outro processo, tecnicamente mais simples, que veremos mais adiante.

ETAPAS PARA A EFETIVA IMPLEMENTAÇÃO DA CONVENÇÃO

Como eu recebi centenas de emails de leitores com a ideia de vir já pra cá sem legalizar os documentos, não tive escolha a não ser escrever este artigo, pois muitos estão confundindo a adesão do Brasil com “não existe mais a necessidade de legalizar no consulado”, o que não é nem de longe, verdade!

O que existirá – e ninguém pode dizer quando e como ainda, conforme explico a seguir – é a substituição de um dos processos: ao invés de legalizar no consulado, será possível apostillar os documentos – mas de forma alguma existe ou existirá a ideia que estão ventilando de que “não será mais necessário fazer nada com os documentos, só pedir aos cartórios, traduzir e ir pra Italia”.

Quem fizer isso dará com os burros n´água, perdendo tempo e dinheiro.

Portanto é preciso entender quais os passos burocráticos necessários para que efetivamente possamos bradar que não é mais necessária a legalização dos documentos nos consulados.

Vejamos quais são:

1 – A Holanda, através dos órgãos competentes, efetuará uma espécie de notificação a todos os países que já fazem parte do acordo, explicando que houve a adesão por parte do Brasil.

2 – Estes países terão 6 meses a contar da data desta notificação (que ainda não aconteceu) para dizer se aceitarão ou não que o Brasil deixe de utilizar os seus órgãos consulares para legalizar documentos.

Aqui existe um porém: qualquer país membro pode se opor, rejeitando que este novo integrante deixe de utilizar os serviços da sua embaixada ou do seu consulado. Caso isso aconteça, o acordo valerá somente com os outros países que não se opuseram e as relações burocráticas entre estes dois países permanecem como são.

3 – Após este período, serão contados outros 60 dias para que o acordo entre em vigor.

4 – Aqui existe uma etapa que poucos conhecem: caso tudo dê certo e a Italia não se oponha (a única motivação seria o medo do aumento das falsificações, que a meu ver é infundado), ainda será necessário um último passo: a emanação de uma circolare ministeriale por parte do governo italiano, endereçada aos órgãos territoriais (prefetturas, comunes, questuras, etc), explicando sobre a adesão e informando sobre os procedimentos e o formato que será utilizado em relação a apostille, que é o nosso próximo tema.

Nos links abaixo compartilho com vocês algumas destas circulares, emitidas ao longo dos últimos anos e que servirá como base para aquela relacionada ao Brasil:

Circular sobre a entrada do Uruguai
Circular sobre o formato da apostille na Bulgária
Circular explicando os trâmites em relação a Moldávia
Circular sobre o funcionamento do sistema na Colômbia (que é online, sensacional!)

O QUE É APOSTILLE

Ao aderir a Convenção de Haia, os países passam a adotar a chamada “Apostille” (embora chamada no Brasil de Apostila, aqui ela é conhecida pelo termo francês).

Podemos equipará-la a uma espécie de reconhecimento de firma, onde um órgão que deverá ser definido pelo Governo Brasileiro (poderá ser o Ministério das Relações Exteriores ou até mesmo a rede de cartórios) fará mais ou menos o que o MRE já faz: aplicará um carimbo cujo modelo padrão poderá ser visto na página do autor desta matéria
Independente do formato escolhido pelo país membro, é necessário que a palavra APOSTILLE esteja grafada no início do documento e abaixo dela, a escrita em francês:

Convention de la Haye du 5 octobre 1961

COMO É FEITO EM OUTROS PAÍSES

Enquanto não podemos saber como será feito no Brasil, quero compartihar com vocês alguns métodos que são utilizados ao redor do mundo, para que possam começar a se familiarizar com o assunto, visto que ele foi aprovado, e portanto é uma questão de tempo até começar a vigorar.

Não podemos dizer quando ou como, mas sabemos que ora ou outra receberemos a notícia!

No site oficial de Haia, é possível ver a tabela referente a cada país membro e qual a autoridade responsável pela apostille em cada um deles. Para ver a tabela basta clicar aqui.

Lá é possível perceber que a escolha comum é a utilização do Ministério das Relações Exteriores, do Ministério da Justiça e órgãos ligados a Procuradoria Geral da República.

COMO ISSO PODE NOS AFETAR

Em tempos onde o agendamento consular parece uma loteria, uma notícia como esta anima qualquer pessoa. Porém é importante lembrar que já passamos por momentos de euforia em outros tempos, e isso nem sempre acabou bem, vejamos alguns deles:

Em 2007 as legalizações estavam fechadas, e depois de muita briga, os consulados reabriram para novos pedidos. O agendamento era o mesmo que utilizamos hoje: através do agendamento no próprio site do consulado. Não demorou muito para que os agendamentos ultrapassassem os 10 anos de espera!

Isso mesmo querido leitor: se você coneçou há pouco tempo no “mundo da cidadania”, em 2008 você entrava no site do consulado, preenchia os dados e depois recebia um email com a data e hora de comparecimento.

Muitos receberam naquele ano datas para 2018, 2019, 2020, chegando até 2022 – 14 anos de espera para legalizar os documentos (valia a pena entrar na fila, pois o reconhecimento direto no consulado demorava menos do que o tempo para legalizar os documentos para vir a Italia)

Em 2012 nova mudança: as legalizações passaram a ser feitas sem agendamento prévio: todos os dias o consulado legalizaria os documentos das primeiras 10 pessoas que comparecessem lá (consulado de SP). Não demorou muito para que as pessoas começassem a dormir na porta do consulado, muitos tendo que pagar por um lugar na fila. Também não funcionou.

Em 2013 tudo mudou novamente: os consulados adotaram uma empresa terceirizada, a VSF Global, que passaria a ser responsável pelos agendamentos. Todos ficaram eufóricos mais uma vez, e pouco tempo depois o pesadelo retornou, pois além da falta de experiência e até mesmo de conhecimento técnico sobre os processos, a empresa se tornou mais um problema do que uma solução.

E por fim, neste ano de 2015, tudo voltou como era lá em meados de 2007 com uma significativa mudança: ao invés de receber um email automático do sistema com a data e hora, o usuário deve fazer mandinga e jogar água benta no teclado para encontrar uma data disponível no calendário, pois as vagas são limitadas pelo consulado, para evitar novas ondas de denúncias como as que receberam em 2011 e que fizeram o sistema ser desativado.

Devido a todos este histórico de idas e vindas, não há como saber o que esperar. Rimos ou choramos? Comemoramos ou ficamos com medo de que as mudanças podem piorar o que já é ruim?

Confesso que o meu maior medo é em relação às traduções.

Explico:

Atualmente, a maioria dos consulados italianos não exigem que a tradução para fins de reconhecimento seja juramentada. Isso significa que muitos podem traduzir os seus documentos pagando valores entre 35 e 50 reais por uma tradução simples (feita por exemplo por um patronato italiano).

Já em relação a apostille, obrigatoriamente todas as traduções passarão a ser juramentadas. Aqui já temos um aumento considerável, pois eu tenho recebido feedbacks de clientes e leitores que estão pagando valores entre 150 e até 300 reais por documento (principalmente fora do eixo Rio – SP – Paraná).

Se pensarmos que cada requerente tem entre 8 e 10 documentos para a prática, podemos estabelecer que:

10 documentos com tradução simples: de 350 a 500 reais
10 documentos com a tradução juramentada: de 1500 a 3000 reais.
Além disso, temos outra questão tão complicada quanto a acima: a legalização das traduções!

A apostille será feita junto aos documentos originais brasileiros, e ainda que exista a possibilidade remota em apostillar também as traduções (isso seria feito como se fosse a autenticação da firma do tradutor juramentado, que exatamente por ser juramentado, tem a sua firma depositada nos órgãos competentes), é mais provável que os requerentes tenham que fazer uma das seguintes opções:

Legalizar as traduções junto ao consulado italiano
Trazer os documentos brasileiros apostillados para que sejam traduzidos aqui na Italia
Na primeira hipótese, o que é ruim vai ficar ainda pior: pois ao contrário de hoje serão duas filas: uma para a legalização junto ao MRE ou aos cartórios (se for pelo cartório, não quero nem pensar no valor de cada apostilla) e a fila para legalização no consulado vai continuar exatamente como é: todos terão que continuar torcendo para encontrar uma data verde no calendário e depois terá que ser mais rápido do que o The Flash para conseguir confirmar esta data no sistema.

A segunda hipótese é ainda pior: levando em consideração que as últimas traduções que efetuamos aqui na Italia custaram em torno de 100 euros (aqui se paga o honorário do tradutor + marca da bollo de 16 euros pela autenticação da firma dele no Tribunale), se considerarmos os mesmos 10 documentos, a tradução aqui custaria 1000 euros, que dependendo do câmbio girará em torno de 3000 a 4000 reais.

Vejam que estamos falando de custos relacionados única e exclusivamente com a tradução dos documentos!

A única hipótese que nos ajudaria (e muito!) seria aquela onde a tradução juramentada também pudesse ser apostillada diretamente no Brasil, pois desta forma pagaríamos apenas um único valor e finalmente todos dariam o merecido valor que o Intérprete Comercial e Tradutor Público no Brasil merece!

Porém o meu medo é que a Italia não se oponha a apostilla dos documentos brasileiros, porém mantenha a obrigatoriedade das traduções junto ao consulado, pois ao contrário dos outros países que normalmente utilizam a apostilla para outros fins, os nossos documentos servem para comprovar uma ligação história, que nos possibilita ter o reconhecimento da nacionalidade italiana – e por isso não vejo muita flexibilidade dos órgãos e do governo italiano.

Sem contar que ninguém gosta de perder dinheiro: imagino que a maior fonte de renda dos consulados no Brasil ainda seja através das taxas consulares relacionadas a legalização dos documentos.

Porém este é um medo meu, e em nenhum momento isso foi dito por algum funcionário ou autoridade, é apenas a minha opinião sobre alguns cenários – que repito: ao contrário da onde de boatos recentes sobre a tal mudança da lei (que inclusive já foi apresentado o texto a ser discutido em setembro, mas é assunto para outro artigo), a adesão do Brasil não é boato, pelo contrário, já existe e é uma questão de tempo para começar a vigorar.

CONCLUSÃO

Mudanças sempre são bem-vindas em nossas vidas, especialmente se elas trazem coisas positivas. Porém é preciso ter pé no chão, planejar, organizar e filtrar tudo que recebemos.

Hoje com a internet, somos bombardeados de notícias e informação o tempo todo. Quando eu era garoto, para fazer um trabalho escolar, tinha duas opções:

Ir a uma biblioteca pública
Pesquisar na enciclopédia que os meus pais tinham em casa.
Não existia internet nas casas e por isso a informação não chegava até a gente. Nós é que tínhamos que correr atrás dela. E para otimizar o tempo, utilizávamos alguns filtros para saber o que pesquisar. Acredito que hoje muita gente tenha perdido um pouco estes “filtros” e saem desesperadamente pela rede virtual caçando informações, sem ao menos entender o que elas significam.

Recentemente fiz uma pesquisa com os inscritos no blog, pedindo a eles sugestões de melhoria, e dentre mais de 500 respostas recebidas (obrigado a todos vocês!) duas delas me chamaram atenção.

A primeira delas sugeria uma reorganização total do blog, com os artigos divididos por temas, claros e precisos.

O leitor completou: – Fabio, podemos utilizar o campo de pesquisa para procurar as informações? Claro que sim! Porém quem está chegando agora no mundo da cidadania sequer sabe o que está procurando!

Esta colocação dele é simplesmente genial! Como podemos procurar algo que ainda não sabemos como funciona.

Outra leitora sugeriu que eu desse conselhos aos leitores, explicando a eles que muitas vezes é necessário dar um passo pra trás, no meio de tanta informação. Exatamente pelo bombardeio e quantidade de dados disponíveis, é muito fácil perder o rumo, ou segundo as palavras dela, até mesmo a sanidade mental em muitos casos.

Conhecimento é a chave para o sucesso de qualquer pessoa.

E o objetivo deste humilde blog é transmiti-lo ao maior número de pessoas.

Porque ao adquirir conhecimento, somos mais fortes e menos propícios a cometer erros.

Conhecimento vale ouro, e nada serve se não for compartilhado. Este é o espírito, sempre!

Um grande abraço a todos e até o próximo post 😉

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Este texto foi reduzido e para saber mais, inclusive as fontes de pesquisa mencionadas,

vá para a página do seu autor, clicando aqui!

ATUALIZAÇÕES:

Dezembro de 2015

O Brasil finalmente depositou em Haia os documentos necessários para a tramitação. O tempo médio de conclusão, após esta entrega, é de 6 meses.

Janeiro de 2016

Foi anunciado que o CNJ – Conselho Nacional de Justiça será o órgão brasileiro responsável pela regulamentação e aplicação da Convenção.
O modelo utilizado no Brasil, será o mesmo adotado no México, que permite a leitura dos documentos apostilados através de um código QR.
Serão os cartórios brasileiros que farão a apostilagem dos documentos.
Até o presente momento, a Embaixada da Italia no Brasil não se pronunciou a respeito.

Fevereiro de 2016

Governo publica o decreto 8.660/2016, que entre outras coisas cita: “Considerando que a Convenção sobre a Eliminação da Exigência de Legalização de Documentos Públicos Estrangeiros entrará em vigor para a República Federativa do Brasil, no plano jurídico externo, em 14 de agosto de 2016“.

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