Renúncia de imóvel por Fundação
1ª Vara de Registros Públicos de São Paulo – Dúvida – Registro de Imóveis – 17º Oficial de Registro de Imóveis – Fundação Mary Harriet Speers – Dúvida – registro de escritura de renúncia de imóvel por Fundação – autorização expressa do Ministério Público – desnecessidade de Alvará Judicial – dúvida improcedente.
Velar pelas fundações, conforme conclui a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, “significa exercer toda a atividade fiscalizadora, de modo efetivo e eficiente, em ação contínua e constante, a fim de verificar se realizam os seus órgãos dirigentes proveitosa gerência da fundação de modo a alcançar, de forma mais completa, a vontade do instituidor”.
Vistos. Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 17º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Fundação Mary Harriet Speers, tendo em vista a negativa em se proceder ao registro da escritura pública de renúncia de propriedade, autorizada pelo Promotor de Justiça Airton Grazzioli, referente aos imóveis matriculados sob nºs 30.856, 30.851, 30.861, 2.408 e 30.852. O óbice registrário refere-se à ausência de autorização judicial, consubstanciada na expedição de Alvará, necessário na hipótese de alienação de imóveis de propriedade de fundações, sendo aplicada norma por analogia aos casos de renúncia no entendimento do Registrador (artigo 69 do Código Civil). Juntou documentos (fls. 05/55).
A suscitada, em sua impugnação (fls. 59/63), alega que no presente caso não se trata de alienação de bens, mas de renúncia, podendo ser levada a efeito somente com autorização do Curador de Fundações. Informa que a Serventia Extrajudicial tratou a questão como se fosse uma Fundação na iminência de extinção, todavia a suscitada está em plena atividade, com a regular realização de seus projetos sociais. Ressalta que os Acórdãos e documentos juntados pelo Registrador datam de aproximadamente vinte anos, ou seja, quando a realidade era totalmente diversa da atual, bem como, ao contrário do que faz crer o Oficial, a suscitada não detém a posse dos bens há anos e não há como reivindicá-los judicialmente, por ter se operado a prescrição aquisitiva em favor dos posseiros. O Ministério Público das Fundações e de Registros Públicos opinaram pela improcedência da dúvida (fls.176/275 e 279).
É o relatório. Passo a fundamentar e a decidir.
Pretende a suscitada o registro da escritura de renúncia dos imóveis matriculados sob nºs 30.856, 30.851, 30.861, 2.408 e 30.852, junto ao 17º Registro de Imóveis da Capital. Verifico que o óbice referente à necessidade de expedição de Alvará Judicial para proceder ao ato registrário não merece prosperar.
De acordo com o Artigo 1.275 do Código Civil, perde-se a propriedade:
“I – por alienação; II – pela renúncia; III – por abandono; IV – por perecimento da coisa; V – por desapropriação”.
Ao contrário do que alega o Registrador, a presente hipótese envolve renúncia ao direito de propriedade e não de alienação dos bens imóveis. Assim, há que se ressaltar que não existe norma expressa no nosso ordenamento jurídico dispondo que para haver renuncia dos bens por parte de Fundações deve ser expedido alvará judicial, ficando a cargo do intérprete valer-se dos princípios inerentes ao direito para suprir a lacuna apontada. Alienação e renúncia são institutos jurídicos distintos.
Como é sabido, a alienação consiste na retirada de um bem da esfera de patrimônio de um sujeito e a incorporação do mesmo bem ao patrimônio de outro sujeito. Geralmente ocorre por negócio jurídico entre vivos. Pode ser a título oneroso ou gratuito, formalizando-se, por exemplo, pela venda e compra ou pela doação, e poderá ocorrer por decisão judicial, quando houver a expedição de carta de adjudicação em favor de determinada pessoa.
Sobre a alienação, ensina Luciano de Camargo Penteado: “A primeira modalidade de perda da propriedade é a alienação. A alienação consiste em ato dispositivo, que pode ser praticado por negócio entre vivos ou ainda por decisão judicial. A alienação consiste no fato de tornar um bem objeto do direito de propriedade de outro sujeito de direitos. Deste modo, aliena quem doa, quem vende e compra, o juiz quando assina um auto de arrematação”. (PENTEADO, Luciano Camargo. Direito das Coisas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008).
A renuncia, diferentemente da alienação, não depende de transferência de patrimônio para concretizar-se. É ato jurídico unilateral, no qual uma pessoa abre mão da propriedade de determinado bem. A renúncia de bens móveis aperfeiçoa-se com a declaração inequívoca de vontade de determinada pessoa em não mais querer exercer o domínio sobre bem seu, não dependendo neste caso de alvará judicial, já que representa a vontade unilateral de não mais querer o domínio dos imóveis.
De acordo com o Art. 66 do Código Civil, cabe ao Ministério Público velar pelos atos praticados pelas Fundações, desde a sua constituição até extinção. Velar pelas fundações, conforme conclui a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, “significa exercer toda a atividade fiscalizadora, de modo efetivo e eficiente, em ação contínua e constante, a fim de verificar se realizam os seus órgãos dirigentes proveitosa gerência da fundação de modo a alcançar, de forma mais completa, a vontade do instituidor”.
Daí conclui-se que, as fundações só podem ser levadas a registro com a aprovação dos seus estatutos pelo Ministério Público, o qual autorizará, por escrito, a lavratura da escritura definitiva em Tabelião de Notas de livre escolha do instituidor que, contando com a indispensável presença do Promotor de Justiça – Curador de Fundações como interveniente, fará nascer a nova entidade fundacional, razão pela qual o promotor de justiça detendo poderes para autorização de escritura de constituição da fundação, por certo também os detém para renunciar ao direito de propriedade, não sendo necessária a intervenção judicial para o ato.
Assim, ressalvados os direitos de terceiros e respeitados os requisitos necessários para a lavratura da escritura pública de renúncia, dentre os quais, os princípios relativos à qualificação, especialidade subjetiva e objetiva e continuidade, é apta ao registro a escritura pública que tenha por objeto renunciar o direito de propriedade do bem imóvel, firmada pelo Ministério Público das Fundações, representado pelos Promotores de Justiça.
Neste contexto, como bem explanado pelos Drsº Airton Grazzioli e Edson José Rafael, na obra: “Fundações Privadas – doutrina e prática”: “ A Fundação poderá requerer, diretamente ao Curador de Fundações do Ministério Público a autorização para alienar determinado bem, pela via administrativa, pois não se olvida que as atribuições deste órgão abranjam desde a autorização para a instituição da fundação, aprovação ou rejeição de contas, abertura ou fechamento de livros, até a eventual extinção da fundação, além de possuir outros poderes inerentes ao exercício do velamento das fundações”.
Ademais, verifica-se na presente caso que os lotes se localizam na Favela Funerária, no Parque Novo Mundo, tendo sido incorporados ao patrimônio da Fundação por legado da falecida instituidora, sendo que atualmente tais imóveis encontram-se invadidos e não há medida judicial cabível para reavê-los, uma vez que pelo prazo prescricional operou-se o instituo da usucapião em favor dos invasores.
O fato de figurar a Fundação como proprietária dos bens está gerando elevados gastos financeiros, em seu prejuízo. Os bens não estão mais sendo utilizados para a consecução dos seus fins sociais, constituindo, consequentemente, ônus com os elevados custos para pagamento de impostos, dentre outros encargos, sendo que o patrimônio de uma fundação é destinado a atingir a finalidade de sua criação, e não constituir um gravame.
Por fim, conforme os documentos de fls. 199/242, é prática comum nas Serventias Extrajudiciais o registro da escrituras públicas de aquisição, alienação ou renúncia de bens imóveis de Fundações, administrativamente, somente com autorização expressa do Ministério Público, sem alvará judicial. Diante do exposto, julgo improcedente a dúvida suscitada pelo Oficial do 17º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Fundação Mary Harriet Speers, e determino o registro do instrumento apresentado. Não há custas, despesas processuais, nem honorários advocatícios decorrentes deste procedimento. Oportunamente, arquivem-se os autos com as cautelas de praxe.
P.R.I.C. –
São Paulo, 25 de abril de 2015.
Drª Tania Mara Ahualii, Juíza de Direito
Processo 1010235-78.2015.8.26.0100 – Adv. Edith Aparecida Bento (OAB 84.737/SP)
(DJe de 27/05/2015-SP)