Súmula 377 do STF: o esforço comum não pode ser presumido

PELA RELEITURA DA ANTIGA SÚMULA 377 DO STF, A COMPREENSÃO É DE QUE O ESFORÇO COMUM NÃO PODE SER PRESUMIDO.

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Juíza de Direito: Drª Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Vistos.

Trata-se de pedido de providências formulado pelo Oficial do xxº Registro de Imóveis da Capital a requerimento do espólio de M. B. F. de M. N., visando averbação de escritura pública na qual F. J. F. de M. N. declara que se casou com M. B. F. de M. N. pelo regime da separação obrigatória de bens em 07 de julho de 2012 e que sua mulher adquiriu o imóvel objeto da matrícula nº 131.974 do xxº RI com recursos exclusivamente provenientes da venda de outro imóvel próprio, de modo que não se comunica com o patrimônio conjugal (prenotação nº 634.352).

O Oficial informa que o título foi qualificado negativamente por entender necessária declaração judicial para afastar a comunicabilidade presumida por força da Súmula nº 377 do STF; que não desconhece o atual entendimento desta Corregedoria e a alteração da interpretação da referida súmula pelo STJ no julgamento do EREsp nº 1.623.858-MG, mas a declaração de F. foi unilateral e não contou com a participação de qualquer interessado; que o imóvel foi adquirido de forma onerosa na vigência do casamento, sem que tenha sido feita menção à origem do valor utilizado para pagamento; que a declaração busca modificar por via oblíqua a escritura de 31 de outubro de 2012, sendo necessária a rerratificação do ato com assinatura das partes e dos demais participantes (item 55, Cap. XIV, das NSCGJ); que F. e M. faleceram, deixando um único filho cada, os quais não são comuns ao casal e figuram no processo de inventário de F., um na qualidade de requerente e outro na condição de interessado, mas não há esclarecimento se há discussão acerca da titularidade do imóvel, pelo que não haveria óbice se o herdeiro legítimo de F. manifestasse anuência com os termos da escritura ou se a análise da questão no inventário restasse demonstrada.

Documentos vieram às fls.07/58.

A parte interessada defendeu a possibilidade de ingresso diante da declaração do cônjuge perante o Oficial (fls. 10/27). Em juízo, apenas juntou traslado da escritura de declaração com o de acordo do único filho do declarante, sem oferecer impugnação (fl. 59/61).

Constatada a ausência de prenotação válida, determinou-se a reapresentação do requerimento à serventia extrajudicial (fl. 55).

O Ministério Público opinou pelo afastamento do óbice (fls. 64/66).

É o relatório.

Fundamento e decido.

De início, vale ressaltar que não é possível, no curso de dúvida e de pedido de providências, alterar o título apresentado visando atendimento de exigência formulada (itens 39.5.1 e 39.7, Cap. XX, das NSCGJ).

Fica prejudicada, portanto, a análise do documento de fls. 60/61.

No mérito, o óbice deve ser afastado. Vejamos os motivos.

Conforme consta no Registro nº 06 e na Averbação nº 07 da matrícula nº 131.974, o imóvel foi transmitido por venda para M. B. F. de M. N. via escritura lavrada em 31 de outubro de 2012, época em que ela estava casada pelo regime da separação obrigatória de bens com F. J. F. de M. N. (fls. 41/42).

O título agora apresentado para averbação na referida matrícula é uma escritura declaratória lavrada em 30 de março de 2015 perante o Cartório do xxº Ofício de Petrópolis/RJ, na qual F. J. F. de M. N. declara que sua mulher M. adquiriu aquele bem com recursos próprios, oriundos da venda de outro apartamento que ela já possuía desde 2005, bem antes do casamento, e esclarece que, embora casados na época da aquisição, não fez qualquer contribuição financeira para a compra, pelo que não possui qualquer direito sobre o imóvel (37/38).

F. faleceu em 07 de outubro de 2021, deixando como único herdeiro descendente seu filho, testamenteiro e inventariante, A. L. A. A. N. (fls. 45/54).

M. faleceu posteriormente, em 25 de outubro de 2021, deixando como único herdeiro descendente seu filho e inventariante, F. B. de S. (fls. 28/35).

Ocorre que, ao contrário do que entende o Oficial registrador, o título que se busca averbar não altera elemento essencial do registro anterior, mas somente esclarece a origem dos recursos utilizados na aquisição do bem, confirmando a incomunicabilidade já informada na matrícula, a qual se deduz do regime da separação obrigatória de bens que vigorava no casamento por ocasião da aquisição (Artigo 1.687 do Código Civil).

Observe-se que, nos casos em que o regime da separação de bens é obrigatório, a atual orientação firmada pelo Superior Tribunal de Justiça nos Embargos de Divergência nº 1.623.858/MG é pela releitura da antiga Súmula 377 do STF, com compreensão de que o esforço comum não pode ser presumido:

“EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO DE FAMÍLIA. UNIÃO ESTÁVEL. CASAMENTO CONTRAÍDO SOB CAUSA SUSPENSIVA. SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS (CC/1916, ART. 258, II; CC/2002, ART. 1.641, II). PARTILHA. BENS ADQUIRIDOS ONEROSAMENTE. NECESSIDADE DE PROVA DO ESFORÇO COMUM. PRESSUPOSTO DA PRETENSÃO. MODERNA COMPREENSÃO DA SÚMULA 377/STF. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA PROVIDOS.

  1. Nos moldes do Art. 1.641, II, do Código Civil de 2002, ao casamento contraído sob causa suspensiva, impõe-se o regime da separação obrigatória de bens.
  2. No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento, desde que comprovado o esforço comum para sua aquisição.
  3. Releitura da antiga Súmula 377/STF (No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento), editada com o intuito de interpretar o Art. 259 do CC/1916, ainda na época em que cabia à Suprema Corte decidir em última instância acerca da interpretação da legislação federal, mister que hoje cabe ao Superior Tribunal de Justiça.
  4. Embargos de divergência conhecidos e providos, para dar provimento ao recurso especial” (EREsp 1.623.858/MG, Rel. Ministro LÁZARO GUIMARÃES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO), SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 23/05/2018, DJe 30/05/2018).

Assim, diante do regime da separação de bens, a lógica aplicável é inversa, incumbindo a eventual interessado prejudicado buscar na via jurisdicional o reconhecimento da comunicabilidade do bem, cuja declaração alterará o conteúdo do registro aquisitivo.

Aliás, visando afastar a possibilidade de confusão, com retrato da real situação do bem, é que a averbação se torna importante para noticiar que o imóvel foi adquirido com capital exclusivo de M. e se trata de bem particular, notadamente diante da concordância expressa do cônjuge.

Justamente porque há consenso entre o casal, a via jurisdicional é totalmente prescindível.

Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido de providências formulado pelo Oficial do xxº Registro de Imóveis da Capital para determinar a averbação do título objeto da prenotação nº 634.352.

Deste procedimento, não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.

Oportunamente, ao arquivo com as cautelas de praxe.

P.R.I.C.

São Paulo, 20 de janeiro de 2023.

Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Juíza de Direito


O presente texto não substitui o publicado no DOE, 1ª VRP/SP – Processo eletrônico nº 1140359-08.2022.8.26.0100.

Nota do editor: Nos termos da ementa do  EREsp nº 1.623.858-MG a interpretação da Súmula nº 377/STF é mister que hoje cabe ao STJ.

4 comments

  • Ruy José da Silva

    “No regime de separação obrigatória de bens, os bens adquiridos durante a união é partilhado, segundo a súmula 377 do STF”.
    – Essa súmula é aplicada nos dias de hoje?? No aguardo, tenham um bom dia!

    • Eme Nucalis

      Prezado Dr. Ruy Silva,
      Saudações!
      Parece-nos que a resposta à sua indagação esteja no texto ora apontado, de cuja leitura detalhada extraímos que:
      “Nos casos em que o regime da separação de bens é obrigatório, a atual orientação firmada pelo STJ é pela releitura da antiga Súmula 377 do STF, com compreensão de que o esforço comum não pode ser presumido; portanto, diante do regime da separação de bens, a lógica aplicável é inversa, incumbindo a eventual interessado prejudicado buscar na via jurisdicional o reconhecimento da comunicabilidade do bem”.
      Atenciosamente

  • Me casei pelo Regime de Separação Legal. Tenho bens adquiridos antes do casamento. Em caso de meu falecimento meus 2 filhos terão que dividir estes bens com o padrasto e a filha dele. Não adquirimos nenhum bem após o casamento.

    • Eme Nucalis

      Prezada Senhora,
      Saudações!
      O que a senhora quis dizer e/ou entende por regime de “separação legal” ?
      De acordo com os Tribunais Superiores:

      1- Se o regime do casamento for o da “separação total de bens” com prévia escritura de pacto antenupcial, firmada e escolhida pelos nubentes: SIM, o cônjuge sobrevivente concorrerá à herança nos Bens Particulares deixados pela senhora; dividindo os bens com os seus dois filhos.

      – Observe que a filha do seu marido, não é sua herdeira (da senhora); então, ela nada receberá da sua herança.

      2- Se o regime do casamento for o da “separação obrigatória de bens”, por força da lei: NÃO, o cônjuge sobrevivente não concorrerá à herança nos seus Bens Particulares.

      Veja os detalhes nesse quadro comparativo sobre regime de bens e sucessão.

      Para que a senhora possa deixar uma parte maior para os seus dois filhos, pense na possibilidade de fazer um Testamento; pois toda pessoa (quando tem herdeiros necessários) pode dispor de metade do seu patrimônio. Então, com o testamento: metade (parte disponível) de tudo que a senhora tem irá para seus dois filhos; e a outra parte será dividida entre os filhos e o cônjuge sobrevivente – conforme o “item 1” acima.

      Se esse site está sendo útil pense na possibilidade de deixar seu apoio.
      Atenciosamente

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