Opinião: Crítica ao Provimento CNJ nº 197/2025
A Agressão ao Estado de Direito: Crítica ao Provimento CNJ nº 197/2025.
Salvo melhor juízo, o Provimento CNJ nº 197/2025 emerge como uma afronta à ordem jurídica consolidada no Brasil, atropelando a separação de competências e invadindo de maneira flagrante a esfera de atuação dos advogados, assegurada tanto pela Constituição Federal quanto por legislação específica, como a Lei nº 8.935/1994 (Lei dos Notários e Registradores) e o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei nº 8.906/1994). Promulgado sob o pretexto de modernizar e otimizar os serviços extrajudiciais, este provimento não apenas compromete a função constitucional da advocacia, mas também viola princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito.
1. O Papel Definido dos Tabeliães de Notas
A Lei nº 8.935/1994 estabelece de forma clara e inequívoca o escopo da atuação dos Tabeliães de Notas, limitando suas atribuições à autenticação, formalização e instrumentalização de atos e negócios jurídicos. Essa função é essencial e instransponível, consistindo na garantia de segurança, publicidade e eficácia dos atos jurídicos. Não obstante a relevância deste serviço público, cabe ao tabelião agir como um agente imparcial, que certifica a vontade das partes, sem adentrar no mérito de aconselhamento jurídico ou interpretação normativa – funções que são exclusivas dos advogados.
Dessa forma, ao ampliar indevidamente as prerrogativas dos tabeliães para abarcar atribuições típicas da advocacia, como a consultoria e análise jurídica de questões complexas, o Provimento CNJ nº 197/2025 distorce os limites impostos pela legislação e subverte o arcabouço jurídico existente.
2. A Exclusividade da Advocacia na Defesa do Direito
A Lei nº 8.906/1994, em seu artigo 1º, é categórica ao conferir aos advogados o monopólio para a postulação em juízo e para o exercício de consultoria, assessoria e direção jurídicas. Isso não é mera reserva de mercado, mas uma medida indispensável para assegurar a qualidade, a técnica e o compromisso ético na interpretação e aplicação do Direito.
Ao permitir que Tabeliães de Notas desempenhem atribuições jurídicas que demandam interpretação normativa, o provimento em questão configura uma ruptura com a proteção garantida pelo legislador aos cidadãos que, ao buscar o suporte jurídico, têm direito de recorrer a profissionais devidamente habilitados pela Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. Trata-se de um desrespeito não apenas à advocacia, mas às garantias individuais que protegem os cidadãos contra aconselhamentos deficientes ou parciais.
3. O Provimento CNJ 197/2025: Um Perigo à Sociedade
A implementação do Provimento CNJ nº 197/2025 representa um terreno fértil para a precarização e banalização da atividade jurídica. Se os tabeliães, apesar de sua formação jurídica especializada e de seu rigor técnico exigido pela prática do Direito, forem autorizados a prestar serviços advocatícios, os riscos para a sociedade serão múltiplos:
Conflito de Interesses: Os tabeliães, ao acumularem a função de conselheiros jurídicos, estarão inevitavelmente comprometendo sua imparcialidade como agentes notariais, já que poderão ter interesse direto nos negócios ou nas consultas por eles analisadas.
Prejuízo ao Cidadão: A ausência de qualificação técnica específica (como a tramitação de ações nos tribunais de justiça) pode levar a erros crassos na orientação e na condução de negócios que, em última análise, impactam os direitos fundamentais dos cidadãos.
Desvalorização da Advocacia: Ao alocar indevidamente aos tabeliães funções que são atribuídas por lei aos advogados, o provimento mina e enfraquece uma classe essencial para a manutenção da justiça e da democracia.
4. Inconstitucionalidade e Usurpação de Competência
Além de gerar insegurança jurídica, o provimento configura violação à separação de poderes e à hierarquia legislativa. Ao regulamentar indevidamente áreas que extrapolam a competência administrativa do Conselho Nacional de Justiça, o CNJ invade a esfera de atribuições próprias do Congresso Nacional, que é o único órgão investido de legitimidade democrática para disciplinar as profissões regulamentadas no país.
O Provimento CNJ nº 197/2025 é, portanto, um exemplo claro de desvio de finalidade e usurpação de competência legislativa, devendo ser declarado nulo. Não cabe a um órgão administrativo, por mais respeitável que seja, alterar os marcos legais impostos por leis federais devidamente aprovadas pelo Poder Legislativo e sancionadas pelo Executivo.
5. A Defesa da Ordem Jurídica
Diante desse cenário alarmante, é essencial que as instituições brasileiras se levantem para defender os pilares do Estado de Direito. A OAB já demonstrou ao longo de sua história ser uma voz firme na proteção da Constituição e das prerrogativas de seus membros. É urgente que a Ordem tome medidas enérgicas contra o Provimento CNJ nº 197/2025, utilizando todos os meios legais à sua disposição, incluindo a proposição de ações que questionem a constitucionalidade da norma no Supremo Tribunal Federal.
Da mesma forma, a sociedade não pode se omitir diante desta grave tentativa de deslegitimação do ordenamento jurídico. A luta pela preservação da função da advocacia e pela manutenção das garantias asseguradas pelas leis nacionais é essencial para assegurar que o sistema de justiça continue funcionando de maneira equilibrada, técnica e ética.
Conclusão
O Provimento CNJ nº 197/2025 não é apenas equivocado; ele é perigoso. Trata-se de um ataque direto às prerrogativas dos advogados, à segurança jurídica da população e à própria Constituição Federal. Permitir que tal norma perdure é abrir as portas para um retrocesso que colocará em risco o equilíbrio do sistema jurídico brasileiro. É hora de resistir, de exigir respeito às competências definidas por lei e de reafirmar, com veemência, que no Brasil não há espaço para o arbítrio, a insegurança ou a banalização da Justiça.