Tabelião Público da Inglaterra pode emitir procuração em português para uso no Brasil
Um tabelião registrado na Inglaterra e País de Gales pode emitir documentos diretamente em português para uso no Brasil?
A resposta é sim – não só é permitido, como, muitas vezes, é necessário.
Para entender a razão, precisa-se analisar tanto a lei brasileira como a lei inglesa.
Da Lei Brasileira
Da legalização
O Brasil, desde 14 de agosto de 2016, é parte da Convenção sobre a Eliminação da Exigência de Legalização dos Documentos Públicos Estrangeiros, também conhecida como “Convenção da Apostila”, celebrada na Haia, em 5 de outubro de 1961. A Convenção da Apostila foi formalmente internalizada no ordenamento jurídico pelo Decreto Legislativo nº 148/2015 e promulgada pelo Decreto nº 8.660/2016.
Essa deixou claro que para produzir efeitos legais no Brasil, os documentos emitidos em países estrangeiros devem ser legalizados, por Apostila (se membros da Convenção) ou por Consulado (se não).
Também deixou claro que não poderão as autoridades brasileiras, quando confrontadas com um documento estrangeiro devidamente apostilado por autoridade estrangeira, deixar de reconhecer-lhe efetividade.
A Convenção também relembra que o que vale em termos de documentos estrangeiros é o princípio de locus regit actum, que determina que a lei aplicável para analisar os aspectos formais de documentos e atos jurídicos é a do local onde o ato foi lavrado. Quanto a sua aplicação no Brasil, é preciso lembrar que a forma de um documento, diz o Código Civil, é aquela prescrita ou não defesa em lei. Se não houver prescrição de reconhecimento ou se houver proibição de que uma formalidade específica seja reconhecida, por hipótese, o documento poderá ou deverá ser reconhecido.
O antigo processo de legalização consular foi substituído pela emissão da ´Apostila da Haia´, que é anexada ao documento público pelas autoridades competentes do país em que for emitido, tornando-o válido no território de todos os demais Estados partes da Convenção.
Na prática, a aposição de apostila é a formalidade pela qual se atesta a autenticidade da assinatura, da função ou do cargo exercido pelo signatário do documento e, quando cabível, a autenticidade do selo ou do carimbo nele aposto. O procedimento é semelhante a um reconhecimento de firma no âmbito internacional.
O processo substituiu o procedimento de legalização adotado anteriormente e envolve uma parte física e outra digital. A física é uma espécie de selo, a apostila, que é colada no documento apostilado. Já a parte digital é o registro em um sistema utilizado pelas autoridades signatárias da Convenção de Haia para consultar as apostilas emitidas em cada país. A consulta de uma apostila emitida pelo Reino Unido é feita por meio de um código alfanumérico incluídos na apostila, consultado nesse site.
Da tradução juramentada
O antigo Código Civil (sic-vide) dizia no seu Artigo 18:
“Nenhum livro, documento ou papel de qualquer natureza que for exarado em idioma estrangeiro, produzirá efeito em repartições da União dos Estados e dos municípios, em qualquer instância, Juízo ou Tribunal ou entidades mantidas, fiscalizadas ou orientadas pelos poderes públicos, sem ser acompanhado da respectiva tradução feita na conformidade deste regulamento.”
O novo Código Civil nada mudou nesse sentido:
“Art. 224. Os documentos redigidos em língua estrangeira serão traduzidos para o português para ter efeitos legais no País.“
A lei brasileira então não exige tradução para documentos vindos do estrangeiro, mas para documentos em língua estrangeira.
Da Lei Inglesa
O Reino Unido e feito de três diversos sistemas jurídicos – Inglaterra e País de Gales, Escócia e Irlanda do Norte.
Tabeliães qualificados na Inglaterra e País de Gales são o ramo mais antigo da profissão de advogado, que na Inglaterra e Gales é dividida em oito ramos. Eles são regulamentados pelo Gabinete da Faculdades do Arcebispo de Canterbury, um dos mais antigos órgãos judiciais da Inglaterra. Na maioria dos casos, não há necessidade nem previsão para a necessidade de um tabelião no regulamento jurídico interno inglês. Um tabelião existe só para facilitar transações de privados ou pessoas jurídicas em âmbito internacional, e assim elabora, atesta ou certifica documentos destinados ao exterior.
As Regras de Prática vigentes que governam tabeliães diz o seguinte, sobre documentos em idioma estrangeiro:
“12.2 Um tabelião pode, mediante solicitação ou em circunstâncias apropriadas, preparar um ato notarial em outro idioma que não o inglês, se tiver conhecimento suficiente do idioma em questão.”
Todas os tabeliães da Inglaterra e Gales, assim, declaram os idiomas nos quais têm conhecimento suficiente – a busca deles e seus idiomas pode ser feito no próprio site do regulador.
No sistema jurídico inglês também não há conceito de “instrumento público”, já que só é necessário para uso no exterior. Assim, é de praxe considerar a lavratura de instrumento público uma circunstância apropriada para redação do documento diretamente na língua da jurisdição que o receberá. O tabelião tem o mesmo ônus de se assegurar da identidade de quaisquer partes ao ato, vontade, compreensão de seus efeitos, e que as formalidades tanto da jurisdição recebedora quanto da Inglaterra sejam cumpridas.
É também considerado falha de nosso dever de tabelião efetuar uma tradução de um ato brasileiro do português para o inglês quando o comparecente é brasileiro, visto que o brasileiro mais facilmente entenderá o documento em sua língua nativa, e que é contra nossas regras causar gastos desnecessários aos nossos clientes (como ulteriores traduções de volta para o português).
Já para outros documentos, é de praxe solicitar que todos os documentos a serem usados no exterior sejam, na medida do possível, emitidos no idioma que mais ajudará na sua compreensão por aqueles que os recebem.
Artigo publicado por Larianae Notaries, Tabelião multilíngue em Londres