Venda de imóvel de sociedade com sócio incapaz

O SÓCIO INCAPAZ (CC, ART. 974, § 3º)

Advertência do editor: Quando você recebe a documentação para preparar uma escritura de V/C de PJ como vendedora, você analisa o contrato social, o conjunto e qualificação dos sócios, o capital social e tempo de duração da sociedade? Ou não se pré ocupa com nada disso? Fique atento!

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Mesmo que o registro do ato societário não fique condicionado à apresentação de autorização judicial, esta continua a ser autêntico requisito de validade a ser atendido quando o negócio ultrapassar os limites da administração ordinária.

1. Introdução

Em 1º de abril de 2011, azada coincidência, foi promulgada a Lei nº 12.399 que pretendeu disciplinar o registro de contratos e alterações contratuais de sociedades de que participem incapazes e, para isso, acrescentou novo parágrafo (§ 3º) ao art. 974 do Código Civil. Ao fazê-lo, porém, interferiu na disciplina de instituto que, após longo e paulatino desenvolvimento, e malgrado a ausência de expressa regra legal, tinha a sua inteligência sedimentada na doutrina, na jurisprudência e até perante os órgãos de registros públicos, para o bem ou para o mal. Receia-se, diante do imperfeito texto legal, que exegeses novidadeiras, como as que soem despontar juntamente com leis novas, possam turbar a compreensão do instituto, sensível para as relações societárias. Julgamos oportuno, por isso, tecer nesta altura algumas breves considerações.

3.5. Poderes de representação e autorização judicial

Para que o contrato social ou a alteração contratual sejam aceitos a registro, o art. 974, § 3º, III, do Código Civil, exige apenas, do ponto de vista da representação, que o sócio relativamente incapaz esteja assistido e o absolutamente incapaz representado por seus representantes legais. Essa regra, predominantemente registrária, não define os poderes dos representantes legais nem delimita os pressupostos de validade dos atos por eles praticados no exercício da função; portanto, também não especifica se e quando a autorização judicial se faz necessária. Tais temas, na realidade, eram – e ainda hoje continuam a ser – regulados pelas regras protetivas do direito de família (CC, arts. 1.691, 1.747, I e III, 1.748, IV, e 1.781), as quais não foram revogadas pelo novo § 3º do art. 974 do Código Civil. Assim, os pais, os curadores e os tutores não podem, sem autorização judicial, contrair em nome do filho, do curatelado ou do tutelado, obrigações que ultrapassem os limites da simples administração (administração ordinária) – sendo que, para os dois últimos, a autorização judicial é necessária até mesmo para a venda de bens móveis, o mesmo não se exigindo dos pais.

A dificuldade está em que a definição do que seja ato de simples administração não consegue enclausurar em quadrantes cartesianos a rica fenomenologia da sempre cambiante realidade dos fatos e, justamente por isso, não pode prescindir da análise em concreto de cada situação.

Nesta linha, não é difícil compreender que, tendo disponibilidades financeiras, o pai possa adquirir ações em nome do filho, visando assim diversificar os seus investimentos, obter melhores rendimentos e não concentrar os riscos numa só aplicação. Também é plenamente concebível que, sendo o menor quotista de uma sociedade constituída pelos falecidos pais para melhor e mais racionalmente administrar o patrimônio imobiliário (p. ex, tributar as rendas locativas pelo regime de lucro presumido), venha o tutor a subscrever alteração contratual em nome do tutelado, e assim por diante.

O mesmo já não pode ser dito da conduta do pai que subscreve em nome do filho o contrato social (constitutivo) de sociedade empresária. Ou daquele que, em nome do menor, adquire quotas de sociedade contratual já existente, empresária ou não. Seria este sempre um ato de administração ordinária? É razoável prescindir de qualquer autorização judicial? Note-se: o que está aqui em jogo não é propriamente o valor destinado para o empreendimento (que, eventualmente, poderá até ter sido fornecido pelo pai, como doação); muito mais, o que merece reflexão são as graves responsabilidades que poderão advir para o incapaz (sobretudo porque a Justiça do Trabalho insiste em não reconhecer a limitação de responsabilidade dos simples sócios de sociedades limitadas), sem que lhe redunde necessariamente qualquer proveito. A bem da verdade, a admissão de sócio incapaz em sociedade raramente é feita em seu proveito e no seu interesse; é antes forma desviada de se procurar garantir o benefício da limitação de responsabilidade para o outro sócio, empreendedor, que dela sozinho não disporia como verdadeiro empresário individual que é, e eventualmente não dispõe (ou, o que é mais grave, não quer dispor…) do capital social mínimo para constituir autêntica empresa individual de responsabilidade limitada (CC, art. 980-A, caput). Logo, simulação de sociedade, desvio de finalidade e abusos no exercício do poder continuam a poder ser questionados pelos prejudicados legitimados.

Logo, simulação de sociedade, desvio de finalidade e abusos no exercício do poder continuam a poder ser questionados pelos prejudicados legitimados.

Em suma, ainda quando se entenda que o novo § 3º do art. 974 do Código Civil veio a consagrar no texto da lei a possibilidade de incapazes participarem como sócios de responsabilidade limitada, julgamos que o seu inc. III tem conteúdo eminentemente registrário e não revogou as regras do Código Civil disciplinadoras da atuação dos seus representantes legais que, sem autorização judicial, têm a sua atuação restrita a atos de administração ordinária. Portanto, mesmo que o registro do ato societário não fique condicionado à apresentação de autorização judicial, esta continua a ser autêntico requisito de validade a ser atendido quando o negócio ultrapassar os limites da administração ordinária – como será na maioria dos casos (mas não necessariamente em todos), a constituição em nome de incapaz de sociedade voltada à exploração de atividade econômica ou a aquisição de quotas por ato inter vivos, e não causa mortis ou como investimento em mercado de capitais. Talvez melhor teria andado o legislador se, na linha de outros sistemas jurídicos, tivesse preventivamente exigido a autorização judicial para o ingresso de menor em sociedades tout court. Quem conhece a realidade e a violência com que sócios de sociedades de responsabilidade limitada são chamados a responder por débitos trabalhistas, dificilmente discordará dessa inferência.


Erasmo Valladão A. E N. França é Professor Doutor do Departamento de Direito Comercial da Faculdade de Direito da USP. Doutor e Mestre em Direito Comercial pela Faculdade de Direito da USP. Advogado em São Paulo.

Marcelo Vieira von Adamek é Doutor e Mestre em Direito Comercial pela Faculdade de Direito da USP. Pós-graduado pelo IBRE/EASP-FGV. Advogado em São Paulo.

Nota: Seleção do excerto e grifos do editor, cujo original foi publicado por: Edisciplinas.usp.br

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