Testamento Internacional
Testamento internacional e herança de bens no exterior: bicho de sete cabeças?
por Julian Henrique Dias Rodrigues
Ainda são poucos os operadores do direito que observam que diante da crescente mobilidade internacional, têm sido frequentes as sucessões com bens e ativos espalhados por variados países.
A discussão sobre o assunto ganhou algum destaque na mídia por conta do fatídico caso envolvendo o apresentador Augusto Liberato, o Gugu, e expôs o pouco conhecimento sobre o tema por parte da maioria dos bacharéis em direito brasileiros.
Será este, realmente, um “bicho de sete cabeças”?
Na minha prática profissional enquanto advogado em Portugal, me deparei com inúmeras situações de inventário e partilha – por sucessão ou mesmo extinção de vínculo matrimonial – envolvendo bens de brasileiros ou duplo-nacionais na Europa e bens de europeus espalhados pelo mundo, com sucessores brasileiros.
Na maioria dos casos, o viés contencioso do processo surgia quando da análise da lei a ser aplicável.
A confusão se torna maior quando está em causa um testamento.
Pra resolver estes problemas surge em 1976 a Convenção de Washington relativa a uma lei uniforme sobre a forma de um testamento internacional, ratificada por boa parte dos países europeus.
Segundo os Arts. 2º e 5º da Convenção, “um testamento será válido quanto à forma, independentemente do lugar em que for feito, da localização dos bens e da nacionalidade, domicílio ou residência do testador, se elaborado nos moldes do testamento internacional“.
A Convenção busca facilitar o inventário e partilha transnacional, dispensando a averiguação sobre a lei a se aplicar.
O problema é que o Brasil não a ratificou, restando-nos o comando do Art. 23, II, do CPC:
“Compete à autoridade judiciária brasileira, com exclusão de qualquer outra, em matéria de sucessão hereditária, proceder à confirmação de testamento particular e ao inventário e à partilha de bens situados no Brasil, ainda que o autor da herança seja de nacionalidade estrangeira ou tenha domicílio fora do território nacional”.
Na jurisprudência temos como exemplo de aplicação do Art. 23, inciso II, o Acórdão no processo nº 0300593-53.2017.8.21.7000, da 8.ª Câmara Cível do TJRS, que analisou testamento particular feito em Hong Kong, beneficiando filha brasileira com imóveis situados no Brasil.
O que se exigiu naquele caso, para a validade do testamento no Brasil, foi a observância dos requisitos formais da lei de Hong Kong.
O que diz a LINDB?
A maior complexidade nos processos que envolvem sucessões transnacionais reside nas situações onde prevalece o conflito positivo de jurisdições. Ou seja, há mais de um ordenamento jurídico a dizer que o seu direito é o aplicável.
Segundo a Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei n.º 4.657/1942, profundamente alterado em 2010), a sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país em que domiciliado o defunto ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens (Art. 10).
Significa dizer que, como regra geral, prevalece a lei do domicílio do de cujus.
Trata-se da teoria da lei domiciliar do autor da herança na sucessão causa mortis.
Quanto aos bens situados no Brasil, de propriedade de estrangeiros, diz a LINDB que a sucessão será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do de cujus (§1.º).
Eis o motivo pelo qual, no subtítulo deste artigo, destaco que a atuação nesse segmento do direito poderá exigir do advogado conhecimentos de direito estrangeiro: sem se conhecer a lei do domicílio do de cujus (lei estrangeira), não será possível saber se a lei brasileira é mais favorável.
Assim, em que pese a relativa complexidade que naturalmente envolve os elementos de conexão internacional, o quebra-cabeças começa a se encaixar a partir do exame apurado do domicílio do de cujus, da localização dos bens e da observância dos requisitos formais do testamento.
N.E.: Consulte registros de testamentos na Europa
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