TJSP – Usufruto exclusivo para um dos cônjuges

TJSP – 1ª VRP – DÚVIDA REGISTRARIA – USUFRUTO DA TOTALIDADE DO IMÓVEL EXCLUSIVAMENTE PARA UM DOS CÔNJUGES – NECESSIDADE DE RECOLHIMENTO DO ITCMD (ENTRE OS CÔNJUGES) SE O CASO – DÚVIDA PARCIALMENTE PROCEDENTE – APRESENTAÇÃO DA DECLARAÇÃO SEFAZ “ISENTA”.

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… Embora não haja expressa instituição de usufruto da parte de P. em favor de B., é perfeitamente possível extrair que ele cedeu gratuitamente o exercício do usufruto que reservou para B., que exercerá tal direito com exclusividade.

Vistos.

Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 14º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de B. G. T. em virtude da recusa de registro de escritura pública de doação com reserva de usufruto relativa ao imóvel da matrícula nº xxxx daquela serventia (prenotação nº yyyy).

A negativa se deu sob o argumento de a doadora somente poder reservar o usufruto sobre a metade ideal do imóvel, que foi adquirido pelos doadores enquanto casados pelo regime da comunhão parcial de bens, pelo que se exigiu retificação do título para inclusão de previsão expressa da instituição, em seu favor, do usufruto relativo a outra metade ideal que pertence ao cônjuge doador, com recolhimento do respectivo ITCMD.

O Oficial entende que a doadora B. reservou para si a totalidade do usufruto do imóvel, sendo que a escritura não menciona que o doador P. também tem direito ao usufruto nem esclarece de que forma B. ficou com a totalidade do usufruto ou se P. instituiu usufruto de 50% em seu favor.

Documentos vieram às fls. 04/35.

Ao requerer a suscitação da dúvida, a parte manifestou seu inconformismo com as exigências baseada em precedente do Conselho Superior da Magistratura que tratou de caso similar (fls. 08/12). Porém, nestes autos não houve impugnação (fl. 36)

O Ministério Público opinou pela improcedência (fls. 40/42).

É o relatório

Fundamento e decido.

De início, vale ressaltar que o Oficial dispõe de autonomia e independência no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (Art. 28 da Lei nº 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.

Em outras palavras, o Oficial, quando da qualificação, perfaz exame dos elementos extrínsecos do título à luz dos princípios e normas do sistema jurídico (aspectos formais), devendo obstar o ingresso daqueles que não se atenham aos limites da lei.

Esta conclusão se reforça pelo fato de que vigora, para os registradores, ordem de controle rigoroso do recolhimento do imposto por ocasião do registro do título, sob pena de responsabilidade pessoal (Artigo 289 da Lei nº 6.015/1973; Artigo 134, VI, do CTN e Artigo 30, XI, da Lei 8.935/1994), bem como pelo disposto pelo item 117 do Cap. XX das Normas de Serviço:

“Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais”.

No mérito, porém, a dúvida é procedente apenas em parte. Vejamos os motivos.

O título apresentado consiste em escritura de doação de bem imóvel com reserva de usufruto, por meio da qual os proprietários tabulares, P. e B., doaram a nua propriedade do imóvel objeto da matrícula nº xxxx do 14º Registro de Imóveis da Capital para o seu filho R., reservando usufruto vitalício a ser exercido exclusivamente pela doadora B., com cláusulas de impenhorabilidade e incomunicabilidade extensivas aos frutos e rendimentos (fls. 13/16).

Para efeitos fiscais e de registro foi atribuído ao imóvel o valor de R$282.305,00, sendo uma terça parte, ou R$94.101,66, correspondente ao usufruto e duas terças partes, ou R$188.203,34, correspondentes à nua propriedade. Houve declaração e recolhimento do ITCMD correspondente à doação da nua-propriedade (fls. 17/21).

Não há qualquer óbice relativo à doação da nua-propriedade, mas o Oficial entende necessária rerratificação do título para esclarecimento quanto às disposições relativas ao usufruto.

Conforme disposto na escritura, os proprietários outorgantes P. e B. declararam ter adquirido o imóvel em 2013, que está livre e desembaraçado, e que:

“(…)
3) Possuindo outros bens e meios necessários à própria subsistência, de livre vontade, sem qualquer induzimento ou coação, por esta escritura e melhor forma de direito e de comum acordo, reservando o usufruto tão somente a ela outorgante, B. (…), como adiante se declara, de sua parte disponível DOAM ao “outorgado”, seu filho, a nua propriedade do imóvel antes mencionado, inteiramente livre de hipotecas, ônus reais e outros encargos, mesmo fiscais. (…) 5) Entretanto, o usufruto vitalício do aludido imóvel é reservado tão somente por ela outorgante B. (…); os outorgantes impõem ainda, as cláusulas vitalícias de impenhorabilidade e incomunicabilidade, extensivas aos frutos e rendimentos” (fl. 14, destaques no original).

Não resta dúvida de que ambos os doadores transmitiram a nua propriedade do bem para o seu filho, reservando o usufruto integral e, embora não haja expressa instituição de usufruto da parte de P. em favor de B., é perfeitamente possível extrair que ele cedeu gratuitamente o exercício do usufruto que reservou para B., que exercerá tal direito com exclusividade.

Note-se B. não reservou, por si, a totalidade do usufruto, mas contou com a participação de P. no ato.

Nos termos do Artigo 1.393 do Código Civil, “não se pode transferir o usufruto por alienação; mas o seu exercício pode ceder-se por título gratuito ou oneroso”.

Nesse contexto, a única interpretação possível para o exercício exclusivo do usufruto por B. decorre da cessão feita por P., sem estipulação de contraprestação, o que está implícito no título e pode ser compreendido sem necessidade de retificação.

A primeira exigência da nota de conferência de fl. 30, portanto, pode ser afastada.

Por outro lado, constatada transmissão de direito real por doação, verifica-se hipótese de incidência do ITCMD (Artigo 1º, II, do Regulamento do ITCMD, aprovado pelo Decreto 46.655/2002).

Importante destacar que, diante do valor atribuído ao usufruto (R$94.101,66) e considerando que a cessão de P. corresponde somente à metade do usufruto sobre o imóvel (a outra metade não foi transmitida, mas simplesmente reservada pela doadora), o
direito transmitido por doação fica isento do imposto, nos termos do Artigo 6º, II, “a”, do Regulamento do ITCMD, pois o valor correspondente à metade do usufruto (R$47.050,83) não ultrapassa as 2.500 UFESPs: o valor da UFESP para o exercício de 2022 era de R$31,97, sendo tributáveis apenas operações de valor superior a R$79.925,00. Para o exercício 2023, o valor é de R$34,26, sendo tributáveis operações de valor superior a R$85.650,00.

Assim, comprovante do recolhimento não pode ser exigido.

Vale anotar que a doação implícita do exercício do usufruto envolve fato gerador distinto da doação da nua-propriedade, que foi objeto de declaração e recolhimento (fls. 17/21).

Em que pese a isenção do imposto afastar seu recolhimento, a obrigação acessória da declaração relativa à doação isenta não pode ser dispensada e deve ser exigida nos termos do Artigo 6º, §3º, do Regulamento do ITCMD. Neste ponto, fica mantida a exigência formulada na nota de devolução de fl. 30.

Diante do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a dúvida suscitada para afastar os óbices relativos à rerratificação da escritura e ao recolhimento do ITCMD sobre a cessão gratuita dos direitos ao usufruto reservado por P., mantendo apenas a exigência pela apresentação da declaração relativa à doação isenta.

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.

Oportunamente, remetam-se os autos ao arquivo.

P.R.I.C.

São Paulo, 17 de abril de 2023.

Drª Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad, Juíza de Direito


N.E.: O presente texto não substitui o publicado no DJe em 17/04/2023. Processo digital nº 1032061-82.2023.8.26.0100.

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