Tutela, curatela e tomada de decisão apoiada
Do Direito Pessoal à Tutela e Curatela, excluso União Estável e Tomada de Decisão Apoiada.
INTRODUÇÃO
Atualmente, vemos claramente, como atestam informações sustentadas por dados sociais extraídos pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ, que em geral, a busca pela conectividade das relações familiares, pelo primado das relações de afetividade, tem se mostrado evidente e efetiva, conforme apontam os números abaixo estipulados:
“Os números mostram que existem 12.836 pretendentes a pais, enquanto são apenas 1.887 crianças e adolescentes aptos à adoção”.[1]
A realidade atual do cenário da instituição familiar pode então ser considerada de relevante interesse, uma vez que os filhos serão os adultos que amanhã constituirão novas famílias, sustentando-se assim o tecido que constitui a sociedade, objeto de proteção do Estado, e por esta razão são sujeitos de direito identificados no âmbito das relações familiares. Deste modo, são protegidos, resguardados e garantidos pelo ordenamento jurídico, estendendo-se o tratamento desde que inicialmente nascituro até a consumação de seu óbito, encarregando-se, o mesmo, de tratar de toda a desconstituição patrimonial que é dada no momento sucessório.
Embasando-se em princípios constitucionais tais como o princípio da afetividade, do melhor interesse da criança e do adolescente, da proteção da dignidade da pessoa humana, e o princípio da boa-fé objetiva, o direito de família vem tratar de um tema relevante para a constituição de toda a sociedade intima ou simbioticamente ligada à concepção constitucional de família.
Tendo em vista a importância das relações familiares para a subsistência da sociedade, o direito vem então regular os indivíduos no que tange suas relações de modo a dirimir, pelo viés dos princípios anteriormente citados, a promoção da decisão mais justa aplicável às lides de conjectura das relações humanas consideradas familiares.
No presente aborda-se 3 (três) títulos constantes no livro IV (do direito de família) do Código Civil de 2002, com início no título I (do direito pessoal) e término no título IV (da tutela e curatela, não se abordando a Tomada de Decisão Apoiada), não abordando-se o título III (da união estável).
Conforme estabelece o Art. 226 da Constituição Federal de 1988, “a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”.
Fomentada pelo instituto do casamento, a família, todavia não se resume ao mesmo, sendo possível o reconhecimento da entidade monoparental nos moldes do §4º do Art. 226 da CF88, qual estipula que “entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”.
Não obstante também o reconhecimento jurídico da união estável como situação de fato passível de equiparação ao estado de casado, porém, não se confundindo aquele com este em termos legais de legislação ordinária.
Em relação aos objetivos, traçamos duas espécies de objetivos cruciais para nortear o procedimento e a metodologia empregada na confecção do presente.
Como objetivo geral deste temos a averiguação do tratamento legal dado pela legislação ordinária em relação aos vínculos entre pessoas no cerne da concepção constitucional de família, abordando-se o viés do direito pessoal; direito patrimonial; e, não obstante, a tutela e a curatela.
Como objetivos específicos do presente, elencam-se 34 (trinta e quatro) tópicos de interesse, que serão abordados, tanto pelo viés doutrinário, quanto pelo positivo legal, abaixo enumerados: 1. Título I – Do Direito Pessoal; 2. Subtítulo I – Do Casamento; 3. Capítulo XI – Da proteção da pessoa dos filhos; 4. Subtítulo II – Das relações de parentesco; 5. Capítulo II – Da filiação; 6. Capítulo III –Do reconhecimento dos filhos; 7. Capítulo IV – Da adoção; 8. Capítulo V – Do Poder Familiar; 9. Sessão I – Disposições Gerais; 10. Sessão II – Do Exercício do Poder Familiar; 11. Título II – Do Direito Patrimonial; 12. Subtítulo I – Do Regime de Bens entre os Cônjuges; 13. Capítulo I – Disposições Gerais; 14. Capítulo II – Do Pacto Antenupcial; 15. Capítulo III – Do Regime de Comunhão Parcial; 16. Capítulo IV – Do Regime de Comunhão Universal; 17. Capítulo V – Do Regime de Participação Final nos Aquestos; 18. Capítulo VI – Do Regime de Separação de Bens; 19. Subtítulo II – Do usufrutuário e da Administração dos Bens de Filhos Menores; 20. Subtítulo III – Dos alimentos; 21. Subtítulo IV – Do bem de família; 22. Título IV – Da Tutela e Curatela; 23. Capítulo I – Da Tutela; 24. Sessão I – Dos Tutores; 25. Sessão II – Dos Incapazes de Exercer a Tutela; 26. Sessão III – Da Escusa dos Tutores; 27. Sessão IV – Do Exercício da Tutela; 28. Sessão V – Dos Bens do Tutelado; 29. Sessão VI – Da Prestação de Contas; 30. Sessão VII – Da Cessação da Tutela; 31. Capítulo II – Da Curatela; 32. Sessão I -Dos Interditos; 33. Sessão II – Da Curatela do Nascituro e do Enfermo ou Portador de Deficiência Física; 34. Sessão III – Do Exercício da Curatela;
2 – DO DIREITO PESSOAL
Direito Pessoal, pelo entendimento doutrinário pode ser resumido ao direito que uma pessoa tem de exigir que outra dê, faça ou não faça alguma coisa. Assim, vemos que, em sede de direito pessoal tratamos da prerrogativa conferida a pessoa para que esta exija, por meio de provocação, ao Estado, que este faça cumprir seu direito quando de lides correlatas, principalmente na esfera civil, de modo a reafirmar o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional porquanto a lei não exclui apreciação, por parte do Judiciário, de lesão ou ameaça a direito.
Além do mais, por direito pessoal temos que os sujeitos são, em regra, definidos quando da constituição da obrigação. O direito pessoal tem por objeto uma prestação, podendo ser positiva ou negativa. As normas reguladoras do direito obrigacional facultam às partes determinada forma, de modo que as mesmas possam regulamentar os seus interesses.
Não obstante predominam as normas dispositivas, os direitos obrigacionais não admitem a usucapião, e, por fim, são transitórios ou temporários, logo, podem ser extintos.
2.1 – DO CASAMENTO
O casamento, negócio jurídico celebrado entre duas partes denominadas nubentes, reconhecido como instituto civil de maior solenidade no ordenamento jurídico pátrio resulta em diversas observâncias aos casados, de modo que, estes, de fato, passam a ser reconhecidos como participantes de uma sociedade conjugal.
Uma das observâncias a ser levada em consideração pelos cônjuges é a da disposição em relação ao seu relacionamento para com os filhos, de modo que, estes devem ser protegidos em razão de serem reconhecidos como sujeitos em desenvolvimento, oportunidade em que os genitores acabam representando seus filhos até a idade de 16 anos, sendo que, após, os mesmos, até os 18 anos, passam a assistir tais.
Desta forma, a proteção dos interesses dos filhos obrigatoriamente deve seguir as disposições legais correlatas, a fim de que se constitua válida a relação entre o genitor e o gerado.
2.1.1 – DA PROTEÇÃO DA PESSOA DOS FILHOS
O Capítulo XI (Da Proteção da Pessoa dos Filhos), constante no Livro IV (Do Direito de Família), abordado no Subtítulo I – Do Casamento; do Título I – Do Direito Pessoal, tem o total 7 (sete) artigos, os quais deliberam inicialmente sobre a configuração jurídica da guarda dos filhos, instituto jurídico civil primário e essencial à proteção da pessoa dos filhos, porquanto estabelece as obrigações de fomento material, moral e educacional, resguardando assim os filhos enquanto sujeitos de direito na relação familiar.
Conforme elucida Tartuce:
A filiação pode ser conceituada como sendo a relação jurídica decorrente do parentesco por consanguinidade ou outra origem, estabelecida particularmente entre os ascendentes e descendentes de primeiro grau.[2]
Tratando inicialmente do tema, o Art. 1.596 do CC/02 estabelece que “os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”.
Desta forma, podemos ver que “filhos” pelo disposto legal está conceituado em um sentido amplo, no qual, incluem-se os obtidos no casamento, fora dele, ou mesmo por adoção.
Destarte, o códex civili vem regular, em um primeiro momento, a proteção das pessoas dos filhos, bem como, reconhecer seus direitos na constância da entidade familiar, em virtude da existência de relação de parentesco identificada por consanguinidade, de primeiro grau em linha reta, ou de outra ordem considerando-se as relações de afetividade, bem como, o princípio norteador das normas de mesma alcunha.
Iniciando o referido capítulo, temos a configuração jurídica do instituto da guarda. Com base no Art. 33 do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, é efeito jurídico da guarda a relação de obrigação. Dentre as obrigações, a principal é a assistência material, moral e educacional à criança ou ao adolescente, o que acaba por conferir ao detentor o direito de oposição a terceiros, inclusive os pais. O objetivo da guarda é a regularização da posse de fato, que pode ser deferida liminar ou incidentalmente, nos procedimentos de tutela, exceto no de adoção por estrangeiros (§1º, 33, CC/02). Outro efeito da guarda a ser considerado é que esta confere à criança ou adolescente a condição de dependente, para todos os fins e efeitos de direito, inclusive previdenciários (§3º, Art. 33, CC/02).
Com base no exposto, e servindo-se de uma interpretação extensiva entre o Código Civil e o Estatuto da Criança e do Adolescente, pode-se deduzir que enquanto a lei específica trata do âmbito da proteção pelo viés individual do menor para com toda a sociedade de uma maneira geral; o Código Civil trata de resguardar interesses do menor para com a família, enquanto filho, ou seja, o indivíduo dentro de uma relação familiar, situação de relação civil, tratada, por tanto, pelas vias do direito privado.
Pelo caput do Art. 1.583 do CC/02 depreende-se a configuração jurídica da guarda, podendo ela ser unilateral ou compartilhada.
Conceituando o instituto da guarda unilateral, o parágrafo primeiro do Art. 1.583 estabelece que guarda unilateral é aquela que é atribuída pelo magistrado à apenas um dos genitores, ou alguém que os substitua nos moldes de aplicação de medidas, constituídas pela observância de consideração, em preferência, do grau de parentesco e as relações de afinidade e afetividade.
Já, em relação à guarda compartilhada, trata o parágrafo segundo que para sua configuração o tempo de convívio dos filhos deve ser dividido de forma equilibrada, com a mãe e com o pai, levando-se em consideração sempre as condições fáticas e os interesses dos filhos.
Em relação ao procedimento de guarda, esta poderá ser requerida, à consenso ou não, pelos genitores, por meio de ação autônoma de separação, de divórcio, de dissolução da união estável ou em medida cautelar. A guarda é decretada pelo magistrado, observando as necessidades específicas do filho, e, tratando-se de guarda compartilhada, também a razão de distribuição de tempo necessário ao convívio do sujeito de direito (filhos) para com os genitores.
No momento da audiência de instrução, incompatível a conciliação, o magistrado dá ciência do significado da guarda, caso compartilhada, observando sua importância, similitude de deveres, e sua condição de aplicação, ressalvado o caso em que um dos genitores declare não desejar a guarda do menor. Não havendo conciliação e encontrando-se ambos os genitores aptos ao exercício do poder familiar, é considerada válida a proposição da guarda compartilhada, tendo em vista o cumprimento do melhor interesse do menor, de modo que, a guarda unilateral é cogitada apenas em segundo plano.
Para assessorar o posicionamento do magistrado este poderá basear-se em orientação técnico-profissional ou deliberação de equipe multidisciplinar, os quais para a propositura da assessoria jurídica visem à divisão equilibrada do tempo com o pai e com a mãe. Assim, na guarda compartilhada, o magistrado, buscando suprir princípios norteadores do direito de família, tem a faculdade de se valer dos citados na sentença para que construa a medida mais justa que perfaça à divisão equilibrada do tempo de convívio, momento em que, para tal, também estabelece atribuições para os genitores.
As atribuições dos pais estabelecidas pelo magistrado deverão ser observadas de maneira obrigatória, sob pena de redução. Por redução , entende-se que seja a consequência da ocasião em que os mesmos venham promover alterações no tratado não autorizadas ou a consequência do descumprimento imotivado do estabelecido em cláusula de guarda, seja a compartilhada, seja a unilateral.
Caso o magistrado venha verificar que o filho não deve permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, a guarda é concedida à pessoa que revele compatibilidade, ocasião em que se considera a preferência proporcionada pelo grau de parentesco e as relações de afinidade e afetividade.
O Código Civil protege ainda o direito de acesso à informação dos filhos, de modo que, por tal, estes possam promover a proteção dos filhos, sendo que, determina o sexto parágrafo do Art. 1.584 que:
Qualquer estabelecimento público ou privado é obrigado a prestar informações a qualquer dos genitores sobre os filhos destes, sob pena de multa de R$200,00 (duzentos reais) a R$500,00 (quinhentos reais) por dia pelo não atendimento da solicitação.
Em sede de medida cautelar, seja de separação de corpos, de guarda ou de fixação de liminar de guarda, a decisão sobre guarda de filhos, mesmo que provisória, é proferida, preferencialmente após a oitiva de ambas as partes na presença física do magistrado, ressalvados os casos em que a proteção do interesse dos filhos venha exigir que haja concessão de liminar sem a oitiva da outra parte.
A existência de motivos graves, considerados pelo magistrado, em qualquer dos casos, a bem dos filhos, possibilita que o mesmo regule de maneira distinta das disposições normativas anteriores a guarda, de modo que o melhor interesse do menor deve se fazer presente na motivação da aplicação da medida (1.586, CC/02).
Adiante, caso haja invalidação do casamento, e, deste, provenientes filhos comuns, também serão observadas as medidas acima descritas (1.584 e 1.586, CC/02). É válido ressalvar também que o pai ou a mãe que acabem contraindo novas núpcias, não perdem o direito de ter seus filhos consigo, os quais, são apenas retirados por mandado judicial, em casos que estes não estejam sendo tratados convenientemente.
O genitor que não for detentor da guarda, em caso de guarda unilateral, tem assegurada a visitação e o direito de ter os filhos em sua companhia, conforme acordo estabelecido com o outro genitor, ou pelo o que fixar o magistrado, não obstante o exercício de fiscalização da manutenção e da educação do menor. Aos avós também se estende o exercício de visitação, conforme decida o magistrado, sendo que, este, na decisão, deverá se valer do melhor interesse do menor.
Concluindo o capítulo XI, estipula o Art. 1.590 do CC/02 que “as disposições relativas à guarda e prestação de alimentos aos filhos menores estendem-se aos maiores incapazes”.
2.2 – DAS RELAÇÕES DE PARENTESCO
O parentesco, sem dúvidas, dentre as mais variadas espécies de relações humanas, é a de maior concretude e ligação, tanto nas relações jurídicas comerciais, como na vida social de uma maneira geral. Por sua importância, tal é classificado de formas distintas, em planos a serem observados.
No primeiro plano, observa-se a consanguinidade. A relação de parentesco com base no “sangue” pode ser vista como sendo aquela que vincula a pessoa à outras, de modo que se configurem como ascendentes ou descendentes em relação ao vinculado.
No segundo plano, encontramos a afinidade. As relações afins são as que aproximam cônjuges, sendo, por estas, celebrado o casamento, de modo a constituição da estrutura hierárquica da família, que mais à frente poderão vir a gerar filhos, se tais já não tiverem sido gerados antes da celebração do casamento.
Após, num terceiro plano, identificamos a adoção. Pelo viés adotivo, o parentesco se dá entre o adotante e o filho adotivo, relação esta a ser gerida e regula pelo tratamento especial da lei nº 8.069 de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA – no que se correlacionar com os menores de 18 anos. Introduzida a lei nº 12.010 de 2009, manteve-se a exigência de, em caso de adoção de maiores de 18 anos, o Poder Público assistir de maneira efetiva, aplicando, no que couber, as regras do ECA, de maneira que com isto o legislador ordinário buscou unificar todo o sistema de adoção.
Por fim, no quarto e último plano, destacamos que antigamente, no Direito Romano, eram válidas as relações de parentesco provenientes da agnação – agnatio – a qual se configurava pelo parentesco exclusivamente de linha masculina, condicionando a apresentação do filho ao altar doméstico, para que este seja reconhecido como continuador do culto dos deuses lares. Em oposição a este parâmetro, o parentesco consanguíneo tornou-se o padrão no direito brasileiro.
Por tal, determina o Código Civil, na altura do seu artigo 1.591 que “são parentes em linha reta as pessoas que estão uma para com as outras na relação de ascendente e descendentes“.
Assim, em generalidade, entende-se que a linha reta, qual se constitui por relações de ancestralidades é a primeira a ser identificada quando tratamos das relações de parentesco.
Não obstante, num segundo momento, considera-se também a linha colateral ou transversal.
Com base no artigo 1.592 do códex, “são parentes em linha colateral ou transversal, até o quarto grau, as pessoas provenientes de um só tronco, sem descenderem uma da outra”.
Logo, após a compreensão da conjuntura da linha reta, aqui descrita como “tronco”, evidencia-se também a existência da linha colateral, até o limite do quarto grau, como também constituidora das relações de parentesco.
O parentesco é reconhecido pela lei como sendo natural (cravado principalmente pelo nascimento) ou civil, conforme estabelecem as relações de consanguinidade e as de outra origem (1.593, CC/02).
Adiante, o Código determina como são feitos os cômputos de graus nas relações de parentesco, de modo que, a cada movimentação dentro da respectiva linha computa-se o acréscimo ou a diminuição de grau na relação, sendo que, na contagem da linha reta, o cômputo estará em conformidade com o grau das gerações, e, na linha colateral ou transversal, o cômputo se dá pelo número de existência de gerações, conforme o artigo 1.594 dispõe:
Contam-se, na linha reta, os graus de parentesco pelo número de gerações, e na colateral, também pelo número delas, subindo de um dos parentes até ao ascendente comum, e descende até encontrar o outro parente.
O vínculo de afinidade é decisivo para estabelecer a relação de parentesco entre o sujeito e os parentes de primeiro grau de linha reta ou colateral do cônjuge, limitando-se o vínculo de afinidade entre os ascendentes e descendentes, não obstante os irmãos deste, incluso à definição também o companheiro, ressaltando-se que, com a dissolução do casamento ou da união estável o vínculo de afinidade, na linha reta, não se extingue (1.595, CC/02).
2.2.1 – DA FILIAÇÃO
Os filhos atualmente, não importando a sua origem, aos olhos da lei têm os mesmos direitos e qualificações de modo que discriminações com relação ao vínculo são expressamente vedadas. Este é o entendimento que temos ao analisar o artigo inicial que trata do tema pelo Código Civil de 2002, qual estabelece, pelo artigo 1.596 que “os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”.
Em relação à presunção da concepção e o instituto civil do casamento, presumem-se concebidos na constância deste: I – os nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal; II – os nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, seja por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento; III – os havidos por fecundação homóloga, mesmo que falecido o marido; IV – os havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários (embriões que não foram implantados no útero materno), decorrentes de concepção artificial homóloga; e, por fim, V – os havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido (1.597, CC/02).
Excetuando-se o acolhimento de prova em contrário, caso antes de decorrido o prazo de dez meses após a identificação da viuvez ou da dissolução da sociedade conjugal, a mulher que venha a contrair novas núpcias e der a luz à algum filho, presumir-se-á que este seja do primeiro marido; e, presumir-se-á que seja do segundo marido caso o nascimento venha a ocorrer após este período, vencido o prazo de cento e oitenta dias (6 meses de gestação) citado anteriormente (1.598, CC/02). Tratamos aqui então da referência à presunção da paternidade.
Avançando o tratamento, dispõe o códex que caso se prove a impotência para gerar filhos, à época da concepção, será ilidida a presunção da paternidade, não se aplicando, portanto, o disposto no parágrafo anterior, hipótese em que se dará a exceção prevista.
A legitimidade dos filhos, antigamente, podia ser passível de questionamento de modo que, no Código Civil de 1916, encontramos o instituto da filiação legítima, qual em seu artigo 337 estabelecia que eram “legítimos os filhos concebidos na constância do casamento, ainda que anulado (Art. 217, CC/16), ou mesmo nulo, se se contraiu de boa fé”.
Assim, antigamente, os filhos concebidos durante o casamento, anulado ou mesmo nulo, contraídos de má-fé eram reconhecidos como ilegítimos.
Tal entendimento não vigora mais no tratamento atual da matéria, o qual rechaçou a classificação existente antigamente entre filho natural, filho adulterino e filho incestuoso, uma vez que o próprio §6º do artigo 227 da CF88 estabelece que “os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações”.
Reproduzindo o conteúdo de 1916, o Código Civil de 2002 dispõe que “não basta o adultério da mulher, ainda que confessado, para ilidir a presunção da paternidade”. Em consonância com o disposto no artigo 1.602, que crava a confissão materna como insuficiente para a exclusão da paternidade, vemos que a presunção da paternidade recebe reforço normativo, amparada em diversos momentos.
Somente o marido é detentor do direito de contestação da paternidade dos filhos nascidos de sua mulher, de modo que, a ação para a contestação é imprescritível. Cumpre lembrar ainda que, caso a filiação seja contestada e o contestador vier a óbito, prosseguirão na impugnação os herdeiros (parágrafo único, 1.601, CC/02).
A prova da filiação é dada pela certidão do termo de nascimento que é registrada no Registro Civil, de modo que, ninguém pode vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento, ressalvados os casos em que se prove erro ou falsidade do registro (1.603 e 1.604, CC/02).
Caso o termo venha a faltar ou mesmo este esteja eivado de defeito, a prova da filiação poderá ser feita por qualquer modo admissível em direito (1.605).
Destaca-se ainda que, quando houver começo de prova por escrito, proveniente dos pais, conjunta ou separadamente; ou ainda, quando existirem veementes presunções resultantes de fatos já certos, poderá a filiação estar provada não se necessitando para tanto a apresentação da certidão de registro do termo de nascimento.
A ação que prova filiação compete ao filho, enquanto viver, passando aos herdeiros, se ele morrer menor ou incapaz (1.606, CC/02). Caso a ação seja iniciada pelo filho, os herdeiros poderão continuá-la, exceto se o processo for julgado como extinto.
2.2.2 – DO RECONHECIMENTO DOS FILHOS
Os filhos havidos fora do casamento poderão ser reconhecidos pelos pais, de forma conjunta ou separadamente (1.607, CC/02). Quando a maternidade constar do termo do nascimento do filho, a mãe só poderá contestá-la, provando a falsidade do termo, ou das declarações nele contidas (1.608, CC/02).
Portanto, iniciando o tratamento do terceiro capítulo, que trata do reconhecimento dos filhos, estabelece a lei que os filhos, mesmo sendo estes havidos fora do casamento, poderão ser reconhecidos pelos pais, seja conjunta ou separadamente, e que, a maternidade só poderá ser contestada se provada a falsidade do termo de registro do nascimento ou das declarações nele contidas.
Em relação ao aspecto procedimental, o reconhecimento do filho será feito: a) no registro do nascimento; b) por escritura pública ou escrito particular, que será arquivado em cartório; c) por testamento, mesmo que incidentalmente manifestado; e por fim, d) por manifestação direta e expressa perante o juiz, ainda que o reconhecimento não haja sido o objeto único e principal do ato que o contém.
O reconhecimento pode ser anterior ao nascimento do filho ou mesmo posterior ao seu falecimento, caso ele deixe descendentes (parágrafo único, 1.609, CC/02). Asseverando a questão da proteção da pessoa dos filhos, estabelece após o códex civili que “o reconhecimento não pode ser revogado, nem mesmo quando feito em testamento”, deixando claro que a filiação é resguardada de todas as maneiras pelo melhor interesse do filiado, de forma que esta não poderá ser revogada, incluso quando ocorrente em testamento.
Caso o cônjuge possua filhos de outro casamento, este não poderá residir no lar conjugal sem que o outro cônjuge autorize por seu consentimento (1.611, CC/02). Reconhecido enquanto menor, o filho ficará sob a guarda do genitor que o reconheceu, e, se ambos os reconheceram e não houver acordo, a guarda recairá sob quem melhor atender os interesses do menor (1.612, CC/02).
Termos e condições são ineficazes no ato de reconhecimento do filho (1.613, CC/02) e o filho maior, não poderá ser reconhecido sem o seu consentimento, bem como, o menor poderá impugnar o reconhecimento, nos quatro anos que se seguirem à maioridade, ou mesmo à emancipação (1.614, CC/02).
Demonstrando justo interesse, qualquer pessoa poderá contestar a ação de investigação de paternidade, ou de maternidade (1.615, CC/02). A sentença que julga procedente a ação de investigação produzirá os mesmos efeitos do reconhecimento; contudo, poderá ordenar que o filho se crie e eduque fora da companhia dos pais ou daquele que lhe contestou essa qualidade (1.616, CC/02).
Finalizando o tratamento do reconhecimento dos filhos, o Código deixa claro que “a filiação materna ou paterna pode resultar de casamento declarado nulo, ainda mesmo que sem as condições do putativo”. Por “putativo”, depreende-se que seja o adjetivo que confere aparência de verdade, legalidade e certeza, mas que na realidade não o é (suposto, reputado). Destaca-se nesta altura que o casamento declarado nulo, ainda que não contenha os requisitos da putatividade, é fonte para o reconhecimento do vínculo de filiação materna ou paterna. Em consonância com esta disposição, é válido ressaltar que o disposto no artigo 1.561, §2º, está de encontro com o exposto uma vez que assevera que “se ambos os cônjuges estavam de má-fé ao celebrar o casamento, os seus efeitos civis só aos filhos aproveitarão”, reafirmando assim que, aos filhos, não importando a condição de configuração dos efeitos em relação ao casamento, é assegurado o direito do reconhecimento de filiação.
2.2.3 – DA ADOÇÃO
A adoção é reconhecida pela maioria da Doutrina como sendo um instituto milenar. Desde o seu início, o mesmo tinha por objetivos fundamentais assegurar a transmissão do nome, perpetuar a família e dar continuidade ao culto dos deuses domésticos.
Na atualidade, tal instituto adquiriu outra vertente – colocação de infantes e adolescentes em família substituta. A adoção pode ser reconhecida como um negócio jurídico em que, por ficção, se estabelece o vínculo de parentesco em linha reta, onde figuram como pólos o adotante e o adotado, de modo que o adotado assuma a condição de filho para todos os efeitos legais, com a geração de direitos e obrigações derivados dessa relação, de forma que o filho é desvinculado de seu vínculo de consanguinidade, exceto para o enquadramento de causas de impedimentos matrimoniais.
Sob a perspectiva da psicologia, a adoção é amparada por três elementos fundamentais: a) motivação; b) disponibilidade; e, c) revelação.
Na motivação encontramos o significante das reais intenções dos pais no ato de adoção, justificando os elementos que constituem o desejo de que o adotado seja seu filho, reconhecido no adotante.
Em relação à disponibilidade, esta se resume pela entrega total de corpo e alma pelos pais a uma dedicação afinada com as necessidades materiais e emocionais da criança ou do adolescente, não obstante as educacionais.
Por fim, pela revelação temos configurado o cenário em que os adotantes dão ciência ao adotado de que este é o seu “filho do coração” e não “filho da barriga”, dando reforço à relação entre tais, de modo que não se tolere a constituição do vínculo por mentiras ou subterfúgios que escondam a adoção.
Em relação a matéria, o diploma vigente atualmente é a lei nº 12.010 de 2009 (Lei de Adoção), qual trata especialmente da adoção, ficando ao Código Civil o tratamento não abarcado pela mesma, porquanto a última é lei geral e a primeira, lei especial.
A lei geral, o no início do tratamento do assunto informa que o deferimento da adoção de crianças e adolescentes será dado na forma prevista pelo ECA, porquanto o caput, com redação dado pela lei de adoção, determina.
Conforme já tratado, após, vemos que a adoção de maiores dependerá da assistência efetiva do poder público e de sentença constitutiva, aplicando-se, quando couber, o ECA. Destaca-se aqui, que na estrutura do Código, a lei de adoção revogou os nove artigos subsequentes (1.620 a 1.629, CC/02).
2.2.4 – DO PODER FAMILIAR
A Constituição Federal de 1988 trouxe em seu bojo a equiparação de homem e mulher, em relação à sociedade conjugal, tanto na esfera dos direitos quanto na esfera das obrigações. Conforme estabelece o §5º do artigo 226 da CF88, vemos que “os direitos e deveres à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”.
A obrigação fundamental e conjunta dos pais pode ser resumida como sendo a de garantir à prole condições para o desenvolvimento adequado, qualquer que seja o nível, criando os filhos menores, educando-os e prestando assistência a estes no que for necessário, porquanto “os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade” (229, CF88).
2.2.4.1 – DISPOSIÇÕES GERAIS
De uma forma geral, em relação ao poder familiar, pelo Código Civil vigente temos que os filhos estão sujeitos a este instituto civil, excetuando-se a maioridade.
O poder familiar, durante o casamento ou mesmo na união estável, compete aos pais e, caso haja falta ou impedimento de um deles, o outro exercerá o poder familiar com exclusividade.
Havendo divergência entre os pais quanto ao exercício do poder familiar, é assegurado a qualquer deles recorrer ao magistrado para que este venha a solucionar o desacordo (1.631, CC/02).
A separação judicial, o divórcio e a dissolução da união estável não tem o condão de alterar as relações entre pais e filhos, ressalvada a companhia daqueles em relação a estes, de modo que, na ocorrência de guarda unilateral o direito de companhia, a um dos genitores, restará prejudicado, ao revés do que se priva na guarda compartilhada.
Terminando as disposições gerais, cumpre-se lembrar que “o filho, não reconhecido pelo pai, fica sob poder familiar exclusivo da mãe; se a mãe não for conhecida ou capaz de exercê-lo, dar-se-á tutor ao menor”.
Aqui destacamos que trata-se da tutela, porquanto menor.
A tutela é o encargo atribuído por um magistrado para que determinado capaz venha proteger, zelar e administrar o patrimônio de crianças e adolescentes; a qual se diferencia da curatela, por esta ser um encargo atribuído por um magistrado para que determinado capaz venha zelar, cuidar e gerenciar o patrimônio de pessoa maior, declarada judicialmente incapaz.
Ressalte-se que os institutos da tutela e da curatela serão tratados mais adiante, em seu item de interesse, item quatro deste.
2.2.4.2. – DO EXERCÍCIO DO PODER FAMILIAR
O exercício do poder familiar compete aos pais, qualquer que seja a situação conjugal, de forma plena, consistindo quanto aos filhos: a) lhes dirigir a criação e a educação; b) exercício de guarda unilateral ou compartilhada, conforme descrito no item 2.1.1 – da proteção da pessoa dos filhos; c) consentir ou negar o consentimento para o casamento; d) consentir ou negar consentimento para que os filhos viajem ao exterior; e) consentir ou negar o consentimento para que os filhos mudem residência permanente para outro Município; f) nomear tutor, através de testamento ou documento autêntico, caso outro dos pais não estiver vivo, ou, se vivo não possa exercer o poder familiar; g) representar os filhos judicial ou extrajudicialmente, até os 16 (dezesseis) anos, nos atos civis, como também, assisti-los após essa idade nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento; h) reclamar os filhos de quem ilegalmente os detenha; e, finalmente, i) exigir que os filhos prestem obediência, respeito, bem como o serviços próprios de sua idade e condição.
De todos elementos constitutivos acima descritos, ressalva-se que “serviços próprios” da idade e condição do filho menor são aqueles eivados de restrições, porquanto, a bem da verdade, não se pode exigir o trabalho do jovem, até porque há limitações para tanto.
Verdade se faz que o adolescente só é reconhecido como admissível ao trabalho após os 16 (dezesseis) anos de idade, ressalvada a condição de aprendiz – sendo que nesta condição tal deve ser, obrigatoriamente, maior de 14 (quatorze) anos (XXXIII, Art. 7º, CF88).
Além do mais, o período, a função, o local e o horário relacionados com a realização do trabalho são considerados com a existência de limitações ao exercício. Em relação ao regime de trabalho familiar, aborda o artigo 67 do ECA, o que se segue, in verbis:
Art. 67. Ao adolescente empregado, aprendiz, em regime familiar de trabalho, aluno de escola técnica, assistido em entidade governamental ou não-governamental, é vedado trabalho:
I – noturno, realizado entre as vinte e duas horas de um dia e às cinco horas do dia seguinte;
II – perigoso, insalubre ou penoso;
III – realizado em locais prejudiciais à sua formação e ao seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e social;
IV – realizado em horários e locais que não permitam a frequência à escola.
2.2.4.3 – DA SUSPENSÃO E EXTINÇÃO DO PODER FAMILIAR
O poder familiar extingue-se através de 5 (cinco) formas, a saber: 1) pela morte dos pais ou do filho; 2) pela emancipação; 3) pela maioridade; 4) pela adoção; e por fim, 5) por decisão judicial.
Na altura do artigo 1.636, o Código Civil estabelece que:
“o pai ou a mãe que contrai novas núpcias, ou estabelece união estável, não perde, quanto aos filhos do relacionamento anterior, os direitos ao poder familiar, exercendo-se sem qualquer interferência do novo cônjuge ou companheiro”
O mesmo é evidenciado em relação aos genitores solteiros que vêm a se casarem ou estabelecerem união estável.
Em relação ao controle, temos estipuladas as faltas em que, caso o pai ou a mãe abuse da autoridade conferida pelo poder familiar, faltando aos deveres dele provindos, ou mesmo tais vierem a arruinar os bens dos filhos, caberá ao juiz, a requerimento da parte ou do Ministério Público, a adoção de medidas que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando convenha. Neste diapasão, o pai ou a mãe condenada por sentença irrecorrível, estabelecida para crime cuja a pena exceda a de dois anos de prisão, também terá suspenso o exercício do poder familiar (1.637, CC/02). Embora ocorra a suspensão neste parâmetro, reitera-se que “a condenação criminal do pai ou da mãe não implicará a destituição do poder familiar, exceto na hipótese de condenação por crime doloso, sujeito à pena de reclusão, contra o próprio filho ou filha” (§2º, 23, ECA).
De acordo com o artigo 1.638 do Código, perderá, por ato judicial, o poder familiar, a mãe ou o pai que: a) castigar imoderadamente o filho; b) deixar o filho em abandono; c) praticar atos contrários à moral e aos bons costumes; d) incidir, reiteradamente, nas faltas descritas acima; e, por fim, e) entregar de forma irregular o filho a terceiros para fins de adoção. Esta última condição fora incluída pela lei nº 13.509, de 2017 – qual dispõe sobre adoção, alterando ECA, CLT e CC.
Destaca-se que os pais, apesar de não poderem alegar falta ou carência de recursos materiais quando da sustentação familiar, têm protegido o direito de exercício do poder familiar, mesmo quando dessas circunstâncias, porquanto o artigo 23 do ECA estabelece que “a falta ou a carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou a suspensão do poder familiar”.
Além do mais, é dever dos pais propiciar um lar minimamente adequado para a saúde dos filhos, independentemente da condição econômica da família, de modo que assim estes devem proceder na constituição da família, observando sempre o mais razoável e proporcional à questão.
3 – DO DIREITO PATRIMONIAL
Podendo ser reconhecida como a designação genérica dada à gama de sorte de direitos que assegure prazo ou fruição de um bem patrimonial, o direito patrimonial pode ser identificado como sendo resultado do conjunto de normas que velam uma riqueza ou bem, de modo a determinar seu valor monetário. O direito patrimonial tem por regra, no objeto, o bem, quer esteja em comércio quer seja alienado ou tenha sido gravado de ônus real.
No presente, em relação ao direito patrimonial e o direito de família, observamos o regime jurídico de bens avençado entre os cônjuges de modo a referenciar como se dará a organização do patrimônio de tais dentro da sociedade conjugal. Podendo ser de várias espécies, tais estão abaixo descritos.
3.1 – DO REGIME DE BENS ENTRE OS CÔNJUGES
De escolha dos nubentes, o regime de bens no casamento pode se configurar de acordo com um rol exemplificativo de quatro possibilidades: a) comunhão parcial de bens; b) comunhão universal de bens; c) participação final dos aquestos; e por fim, d) separação de bens.
Tais serão, portanto, abordados a partir de agora, a fim de que se dirima quaisquer eventuais dúvidas com relação ao tratamento do patrimônio no âmbito da sociedade conjugal, não obstante, ainda, a livre regulamentação que não se oponha à dispositivos normativos legais.
Após o tratamento das disposições gerais, tratar-se-á das espécies de regimes estabelecidos. Rememore-se que os nubentes não estão adstritos às mesmas, mas sim, tais são de facultada aplicação.
3.1.1 – DISPOSIÇÕES GERAIS
Inicialmente, nos valendo do Código Civil, identificamos que “é lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver”.
É certo que existem as variedades de regimes de bens estipulados pelo ordenamento jurídico para a escolha dos nubentes antes do casamento. É permitido a tais, caso estes não venham a escolher entre um dos dispostos em lei, a opção por um regime misto, estabelecido sob a égide de cláusulas próprias, contanto que estas não obstem os princípios de ordem pública, porquanto nula é a convenção ou cláusula dela que contravenha disposição absoluta de lei.
Além do mais, os regramentos decorrentes devam estar de acordo com a finalidade da sociedade conjugal. Excetua-se, neste ponto, o caso de separação obrigatória de bens, qual detém base de ordem pública, como veremos adiante.
O regime de bens entre os cônjuges começa a vigorar desde a data do casamento, sendo que, é admissível a alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros.
Em relação a esta proposição tem-se como exemplo a sociedade conjugal que objetiva contratar sociedade entre si que seja configurada pelo regime de comunhão universal de bens (ou separação obrigatória – 977, CC/02), oportunidade em que os interessados deverão, para a concretização de tal intento, proceder com um pedido ao magistrado para que este, por ato judicial, venha a fazer as devidas alterações para que o regime se compatibilize com as disposições de ordem empresarial.
Caso não haja convenção, ou mesmo sendo esta nula ou ineficaz, vigorará, quanto aos bens entre os cônjuges, o regime da comunhão parcial.
Destarte, restando infrutífera a convenção inicialmente avençada pelos cônjuges, determina a lei, que deve ser observado, obrigatoriamente, o regime de comunhão parcial de bens (1.640, CC/02). Neste sentido, em relação à forma, cumpre lembrar que, os nubentes optando pelo regime de comunhão parcial de bens, reduzir-se-á a opção à termo e que, caso estes optem pelas demais escolhas de regimes possíveis, o pacto antenupcial deverá ser procedido por meio de escritura pública.
De acordo com a lei, é considerado obrigatório o regime de separação de bens no casamento nos seguintes casos: a) casamento com inobservância de causas suspensivas da celebração; b) casamento de maior de 70 (setenta) anos; e, c) casamento daqueles que, para casar, dependem de suprimento judicial.
Em relação a esta disposição, é válido ressaltar que o STF se manifestou pela súmula 377, a qual elucida que “no regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento”.
Assim, mesmo o CC/02 não reproduzindo o que dispunha o CC/16 acerca do artigo 259, que rezava que “embora o regime não seja o da comunhão de bens, prevalecerão no silêncio do contrato, os princípios dela, quanto à comunicação dos adquiridos na constância do casamento”, a Súmula 377 se mostra totalmente válida, de modo que, deve o magistrado proceder a uma análise case by case, para que reste provado o nexo da comunicação, atestado o esforço conjunto dos cônjuges para a aquisição, de modo que válida a comunicação desse patrimônio, mesmo sendo o regramento trazido pelo regime de separação de bens.
Não importando qual seja o regime da sociedade conjugal, dispõe o CC/02 que tanto o marido quanto a mulher podem, de forma livre: a) praticar todos os atos de disposição e de administração necessários ao desempenho de sua profissão, exceto alienar ou gravar de ônus real qualquer bem imóvel; b) administrar os bens próprios; c) desobrigar ou reivindicar os imóveis que tenham sido gravados ou alienados sem o seu consentimento ou sem suprimento judicial; d) demandar a rescisão dos contratos de fiança e doação, ou a invalidação do aval, realizados pelo outro cônjuge, visto que, para tanto, é essencial a autorização do primeiro; e) reivindicar os bens comuns, móveis ou imóveis, doados ou transferidos pelo outro cônjuge ao concubino, desde que provado que os bens não foram adquiridos pelo esforço comum destes, se o casal estiver separado de fato por mais de cinco anos; e finalmente, f) praticar todos os atos que não lhes forem vedados expressamente. As ações previstas de demanda, desobrigação e reivindicação competem ao cônjuge prejudicado e a seus herdeiros (1.645, CC/02).
Caso trate-se de ação de desobrigação (alínea c) ou de demanda (alínea d) anteriormente tratadas, o terceiro prejudicado com a sentença favorável ao autor tem o direito regressivo contra o cônjuge, que realizou o negócio jurídico, ou mesmo seus herdeiros (1.646, CC/02). O disposto abre caminho para a reparação do prejuízo sofrido pelo terceiro. Inovou o legislador ao tratar de ambos os cônjuges porquanto o CC/16 estabelecia que o regresso recaía apenas sobre a figura da mulher.
Deixando os efeitos dos regimes e adentrando na independência de autorização conjugal, pode, o cônjuge, sem autorização de vênia conjugal: a) comprar, ainda a crédito, as coisas necessárias à economia doméstica; e, b) obter, por empréstimo, as quantias que a aquisição dessas coisas possa exigir. Em tempo, destaca-se que as dívidas contraídas para os fins aqui citados obrigam solidariamente ambos os cônjuges (1.644, CC/02).
Ao revés do disposto anteriormente, salvo caso em que o magistrado supra a outorga, denegada por cônjuge sem motivo justo ou de impossível concessão (1.648, CC/02), nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, ressalvado o regime da separação absoluta, proceder ao que se segue: a) alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis; b) pleitear, como autor ou réu, acerca de bens imóveis ou direitos a eles referentes (vide Art. 73 do CPC/15); c) prestar fiança ou aval; e por fim; d) fazer doação, não sendo remuneratória, de bens comuns, ou dos que possam integrar futura meação.
Neste tom, são reconhecidas como válidas as doações nupciais feitas aos filhos quando casarem ou estabelecerem economia separada. Logo, mesmo que o cônjuge, sem autorização do outro, proceda a doação nupcial aos filhos, esta será válida, quando de seu casamento ou do estabelecimento de economia própria, separada.
Sendo necessária a autorização do cônjuge, quando não suprida pelo magistrado, a circunstância torna anulável o ato praticado, podendo o outro cônjuge pleitear-lhe a anulação, sob o prazo máximo de 2 (dois) anos após terminada a sociedade conjugal (1.649, CC/02).
Ao revés, a aprovação da vênia conjugal torna válido o ato.
Para tanto, esta deve ser feita preferencialmente por instrumento público. Se feita por instrumento particular, esta deverá ser autenticada.
Sendo o ato praticado inválido, a decretação de invalidade, por ausência de outorga ou sem consentimento do cônjuge, bem como, não conste suprimento judicial, somente poderá ser demandada pelo cônjuge a quem cabia concedê-la, ou por seus herdeiros.
Desta forma, em relação a decretação de invalidade prevista, esta não poderá ser demanda por terceiros, apenas pelo interessado da sociedade conjugal competente do consentimento, inclusos os herdeiros. (1.650, CC/02).
Caso determinado cônjuge não possa exercer a administração dos bens que lhe incumbem, segundo o regime de bens evidenciado, caberá ao outro o exercício de: a) gerir os bens comuns e os do consorte; b) alienar os bens móveis comuns; e, c) alienar os imóveis comuns e os móveis ou imóveis do consorte, mediante autorização judicial. Quando houver alguma impossibilidade de administração dos bens por alguns dos cônjuges o outro exercerá a mesma (1.651, CC/02).
O cônjuge que estiver na posse dos bens particulares do outro, será para com este e seus herdeiros, responsável como usufrutuário, caso o rendimento for comum; e é tido como procurador, se tiver mandato expresso ou tácito para os administrar. Por fim, será tido como depositário, se este não for nem usufrutuário, nem administrador (1.652, CC/02).
Terminada a explanação das disposições gerais em relação ao direito patrimonial no que cabe o regime de bens da sociedade conjugal, passamos a analisar o tratamento do pacto antenupcial, conforme estabelece a lei civil.
3.1.2 – DO PACTO ANTENUPCIAL
O pacto antenupcial é o instrumento que está subordinado a uma conditio legis qual decorre de sua natureza e finalidade, qual seja, seguir-se-lhe o casamento – si nuptiae fuerint secutae. Assim, esta convenção é válida desde que observados os requisitos normativos legais, principalmente os da forma.
Até que o matrimônio seja realizado, o pacto antenupcial fica em estado de quiescência, em qual, não produz efeito algum, de forma que o mesmo caduca sem necessidade de qualquer pronunciamento judicial caso um dos nubentes faleça ou mesmo se case com outra pessoa – si nuptiae non fuerint secutae.
Sem sombra de dúvidas, a natureza jurídica deste pacto é contratual de forma que este deve ser formalizado antes de celebrado o casamento.
Como no CC/16, o CC/02 não fixou prazo para que o casamento seja celebrado, mas sim, apenas o prazo do consórcio porquanto não há prazo para que o casamento siga a cerimônia antenupcial. Em falta de termo expresso, pode qualquer um dos nubentes promover a declaração de nulidade do pactuado arguindo decurso de tempo que seria razoável para que o matrimônio fosse celebrado. Ademais, poderá ser ratificada a escritura antenupcial que seja identificada como anulável.
Inicialmente, em relação ao pacto antenupcial e o Código Civil atualmente vigente, temos que “é nulo o pacto antenupcial se não for feito por escritura pública, e ineficaz se não lhe seguir o casamento” (1.653, CC/02).
Continuando, o códex estipula que “a eficácia do pacto antenupcial, feito por menor, é condicionada do consentimento de seu representante legal, salvo em hipótese de regime obrigatório de separação de bens” (1.654, CC/02). Nesta altura identificasse uma grande inexatidão. O Código Civil de 2002 crava o termo “representante” ao passo que o termo correto seria “assistente” uma vez que, após os 16 (dezesseis) anos o sujeito passa a ser assistido e não representado, e o menor de 16 (dezesseis) anos não pode casar. Outra grande inexatidão se encontra no momento em que se dispensa o assistente caso o regime seja o regime obrigatório de separação de bens, porquanto neste caso o regime é compulsório, e não facultativo, de modo que, para tal, considera-se o suprimento judicial.
Reafirmando a força legal, estabelece também que é nula a convenção ou cláusula dela que contravenha disposição absoluta em lei. Assim quando da feitura do pacto antenupcial os nubentes devem obediência estrita às disposições normativas legais, sob pena de nulidade (1.655, CC/02).
Como o pacto antenupcial é acessório, segue-se, portanto, o principal, aqui, no caso, o casamento. Caso haja nulidade no casamento, nulo também será o pacto; todavia, nulo o pacto, não será presumido nulo o casamento. Em relação a isso elucida Pereira:
O pacto antenupcial vive a sorte do casamento, como acessório deste que é. Anulando-se o matrimônio, invalida-se o pacto, mas, reversamente, se este se anula não atinge a validade do casamento. Se os cônjuges se separem judicialmente, resolve-se o pacto, respeitadas, porém, suas cláusulas, no que couber. Com o divórcio, não prevalecerão as convenções antenupciais, salvo no que disserem respeito à matéria que seja pertinente aos cônjuges como tais.[3]
Quando o regime adotado for o de participação final dos aquestos, poder-se-á convencionar a livre disposição dos bens imóveis, desde que particulares. Logo, os bens comuns ainda observam a obrigatoriedade da vênia conjugal (1.656, CC/02).
Concluindo o tratamento, somente terá efeito perante terceiro a convenção antenupcial que esteja registrada em livro especial pelo oficial do Registro de Imóveis do domicílio dos cônjuges. Portanto, caso esta não esteja registrada no referido livro não será considerada como apta a produzir efeitos perante terceiros (1.657, CC/02).
3.1.3 – DO REGIME DE COMUNHÃO PARCIAL
Em regra, no regime de comunhão parcial, comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal, na constância do casamento, excetuando-se o abaixo tratado.
Excluem-se da comunhão: I – os bens que cada cônjuge possui ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar; II – os adquiridos com valores exclusivamente pertencente a um dos cônjuges em sub-rogação dos bens particulares. Sub-rogação aqui entendida como transferência da qualidade individual ao bem em razão deste ter sido adquirido com valores obtidos de bens alienados que pertenciam ao cônjuge antes do matrimônio, validando, assim, a sub-rogação; III – obrigações anteriores ao casamento; IV – obrigações proveniente de atos ilícitos, salvo reversão em proveito do casal; V – bens de uso pessoal, ou livros e instrumentos de profissão; VI – proventos do trabalho pessoal de cada um; e, finalmente, VII – pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes. Em relação a meio-soldos e aos montepios, tem-se que meio-soldo é o valor pago pelo Estado aos servidores reformados das Forças Armadas; ao passo que montepio é uma espécie de pensão destinada a prover o sustento de um beneficiário tenham o funcionário falecido em atividade ou não, à título de exemplo podemos como montepio a pensão por morte recebida pela viúva. Tais rendas, assim como outras semelhantes, inclusas as pensões, não entram para a comunhão por constituírem bens de caráter estritamente pessoal.
Incluem-se na comunhão: I – bens adquiridos na constância do casamento por título oneroso, ainda que só em nome de um dos cônjuges; II – bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou despesa anterior; III – bens adquiridos por doação, herança ou legado, em favor de ambos os cônjuges; IV – benfeitorias em bens particulares de cada cônjuge; e finalmente, V – frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cada cônjuge, percebidos na constância do casamento, ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão.
Em relação a classificação de bens pendentes, deduz-se que estes são os bens que ainda estão unidos à coisa que o produziu. Tal classificação é uma classificação de estado, sendo que, levando a hermenêutica ao abordado, os bens pendentes reconhecidos antes de cessar o casamento integram a comunhão.
No regime de comunhão parcial de bens, “são incomunicáveis os bens cuja aquisição tiver por título uma causa anterior ao casamento” (1.661, CC/02). Logo, havendo causa que seja título de aquisição de qualquer bem, sendo, contudo, anterior ao casamento, o bem adquirido não adentrará a comunhão porquanto, em razão do título, é considerado incomunicável.
A administração do patrimônio comum é de competência de ambos os cônjuges, de modo que, as dívidas contraídas no exercício da administração da sociedade conjugal obrigam os bens comuns e particulares do cônjuge que os administra, e os do outro na razão do proveito que houver auferido.
A anuência de ambos os cônjuges é necessária para os atos, mesmo que a título gratuito, que impliquem cessão do uso ou gozo dos bens comuns. Tal medida se justifica uma vez que havendo despesas decorrentes do uso e do gozo dos bens comum, ambos os cônjuges suportarão o ônus de modo que a reparação e a manutenção das lesões devem ser promovidas por tais (§2º, 1.663, CC/02). Inclua-se ainda que “em caso de malversação dos bens, o juiz poderá atribuir a administração a apenas um dos cônjuges”. Malversação aqui é definida como má administração; falta ao exercício de um cargo ou na gerência de dinheiro; dilapidação (§3º, 1.663, CC/02).
Os bens da comunhão respondem pelas obrigações contraídas pelo marido ou pela mulher para atender aos encargos da família, às despesas de administração e as decorrentes de imposição legal (1.664, CC/02). Assim, a responsabilidade pela contratação de obrigação por qualquer dos cônjuges recai sobre os bens da comunhão da sociedade conjugal, em sede de regime de comunhão parcial de bens, desde que a obrigação tenha sido avençada a fim de que se atenda aos encargos familiares e às despesas administrativas da referida sociedade tratada.
A administração e a disposição dos bens constitutivos do patrimônio particular competem ao cônjuge proprietário, salvo se maneira diversa tenha sido estabelecida em pacto antenupcial (1.665, CC/02). Logo, por intermédio do pacto antenupcial, podem os cônjuges estabelecer que um administrará ou poderá dispor dos bens particulares do outro, mesmo em se tratando de regime de comunhão parcial de bens, o que não é, de fato, a regra legal, devendo ser manifestada a intenção pelos cônjuges quando da pactuação.
Por fim, “as dívidas, contraídas por qualquer dos cônjuges na administração de seus bens particulares e em benefício destes, não obrigam os bens comuns” (1.666, CC/02). Reafirmando a diferenciação entre bens particulares e bens comuns, aqui o Código convenciona que as dívidas decorrentes dos bens particulares não obrigam os bens comuns da sociedade conjugal.
3.1.4 – DO REGIME DE COMUNHÃO UNIVERSAL
O regime de comunhão universal de bem veio de uma fusão do regime germânico de comunicação dos adquiridos (aquestos), com a ampliação por Portugal a todos os bens.
Este regime teve origem consuetudinária nos primeiros tempos da nação lusitana, consagrada depois nas Ordenações Afonsinas, passando às Manuelinas, às Filipinas. Destarte, estabelece-se que a origem próxima do regime da comunhão universal de bens seja correlacionada ao Código Filipino.
Na vigência do Código de 1916 este regime era a regra, e os demais exceções. Contudo, este colocava a mulher como hipossuficiente perante ao marido porquanto neste os bens adquiridos são inscritos na comunhão, de modo que todo o patrimônio da mulher se desloca para a administração do marido, sem nada receber em troca. Em contraposição a este argumento tem-se a atual igualdade dos cônjuges na sociedade conjugal, rechaçando esta corrente, de modo a sanar a antiga injustiça desvairada. Pelo CC/16 na ausência de estipulação ou pacto antenupcial vigorava ex vi legis a comunhão universal, excetuando-se os casos em que era obrigatória a separação.
De acordo com o tratamento inicial do Código atualmente vigente “o regime de comunhão universal importa a comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e suas dívidas passivas” (1.667, CC/02). Assim vemos que, diferentemente da comunhão parcial tratada anteriormente, na comunhão universal comunicam-se todos os bens presentes; e não somente os que são adquiridos na constância do casamento.
Na comunhão universal de bens, excluem-se da comunhão: I – os bens doados ou herdados com a cláusula de incomunicabilidade e os sub-rogados em seu lugar; II – os bens gravados de fideicomisso e o direito do herdeiro fideicomissário, antes de realizada a condição suspensiva. Em relação a fideicomisso, Machado e Chinellato nos esclarece o conceito:
No direito das sucessões, fideicomisso é o instituto no qual o testador (aqui visto como fideicomitente) estabelece que o fiduciário, a quem caberá inicialmente a herança ou legado, deverá transmitir, por ocasião de sua morte, depois de certo tempo ou cumprida certa condição, o patrimônio ao herdeiro fideicomissário (destinatário final).[4]
Excluem-se, ainda, no regime de comunhão universal de bens: III – as dívidas anteriores ao casamento, salvo se provierem de despesas com seus aprestos, ou reverterem em proveito comum. Assim, somente as dívidas com aprestos (leia-se, apetrechos ou instrumentos necessários à conclusão de determinada ação) do casamento, tais como, aquisição de móveis, enxoval, festa, cerimônia matrimonial, etc. ou as dividas que se revertam em proveito do casal, não estarão excluídas do regime de comunhão universal de bens; IV – doações antenupciais feitas por um dos cônjuges ao outro com a cláusula de incomunicabilidade; e, finalmente, exclui-se do regime de comunhão universal de bens os bens de uso pessoal, livros e instrumentos de profissão, não obstante as pensões, meio-soldos, montepios e outras rendas semelhantes.
A incomunicabilidade listada anteriormente não é estendida aos frutos, seja quando de sua percepção ou quando de seu vencimento durante o casamento (1.669, CC/02). Destarte, embora tais bens se comuniquem, em relação aos seus frutos, encontramos óbice, de modo que tais, constarão da comunhão, como patrimônio da sociedade conjugal.
Em relação à administração dos bens, o regime de comunhão universal observa os mesmos parâmetros do regime de comunhão parcial; haja visto o disposto no Art. 1.670 do CC/02, que assim determina.
Em caso de extinção da comunhão, efetuada a divisão do ativo e do passivo, cessará a responsabilidade de cada um dos cônjuges para com os credores do outro. Portanto, a comunhão, que é dissolvida com a sentença de separação judicial ou divórcio, é a que estipula a responsabilidade solidária entre cônjuges para com credores, de modo que, extinta, extingue também o vínculo de responsabilidade do cônjuge para com o credor do outro (1.671, CC/02).
3.1.5 – DO REGIME DE PARTICIPAÇÃO FINAL NOS AQUESTOS
Machado apud Freitas leciona que aquestos são “bens que cada um dos cônjuges ou ambos adquirem na constância do casamento por qualquer título que não seja o de doação, herança ou legado”[5].
De acordo com Silmara Juny de Abreu Chinellato, em relação a este regime, induz-se que “permanece cada bem sob a propriedade exclusiva do cônjuge que o tenha adquirido e surge para o outro um direito de participação no seu valor”.
Conforme Rolf Madaleno, a visão sob este regime é de que:
“cuida-se, em realidade, de um regime de separação de bens, no qual cada consorte tem a livre e independente administração do seu patrimônio pessoal, dele podendo dispor quando for bem móvel e necessitando da outorga conjugal se imóvel. Apenas na hipótese de ocorrer a separação judicial é que serão apurados os bens de cada cônjuge separando, tocando a cada um deles a metade dos bens adquiridos pelo casal, a título oneroso, na constância do casamento”.[6]
Iniciando o tratamento legal, dispõe o artigo 1.672 que “no regime de participação final nos aquestos, cada cônjuge possui patrimônio próprio (…) e lhe cabe, à época da dissolução da sociedade conjugal, direito à metade dos bens adquiridos pelo casal, a título oneroso, na constância do casamento”.
Difere-se do regime de comunhão parcial porquanto a participação no valor patrimonial só ocorre quando do fim da sociedade conjugal, sendo que, enquanto esta vigora, o cônjuge não tem direito ao exercício da administração dos bens que pertencerem ao outro, visto que tal, possui patrimônio próprio, não se evidenciando, de início a figura do patrimônio comum.
Este regime, evidenciado como semelhante ao regime legal na Alemanha, é pouco celebrado no nosso ordenamento jurídico pátrio, sendo que, de todos, é o que se encontra mais obscuro na doutrina, ao passo que, o entendimento com relação ao mesmo provém de maior porcentagem da jurisprudência, não encontrando, portanto, amparo em nossas tradições.
A origem deste regime é vinculada ao direito húngaro, conforme Pereira apud Veloso informa:
Informa Zeno Veloso que sua origem está no direito costumeiro húngaro, tendo sido adotado pelos países escandinavos: Suécia, Finlândia, Dinamarca e Noruega, embora com denominações diferentes. Na Suécia é o regime legal desde 1920 e é regime supletivo legal, na Alemanha, desde 1957. Foi introduzido no Código Civil francês em 1965 “a título experimental”, inspirando-se no modelo alemão que, por sua vez, afastou-se, em muitos aspectos, da lei sueca.[7]
Na constância do casamento, por este regime, o casal vive sob o império da separação de bens. Ocorrendo a dissolução da sociedade conjugal, será reconstituído contabilmente uma comunhão de aquestos. Com esta, levanta-se o acréscimo do patrimônio de cada cônjuge identificado na constância do casamento, e, após, efetua-se uma espécie de balanço, e, aquele que houver se enriquecido menos em relação ao outro, terá direito à metade do saldo encontrado.
Este regime, tido como novo, se configura como misto entre comunhão e separação. De modo que, na constância, evidencia-se a separação e, quando da dissolução, com fins de equilibrar o patrimônio, identifica-se a comunhão.
Conforme assevera o artigo 1.673, “integram o patrimônio próprio os bens que cada cônjuge possuía ao casar e os por ele adquiridos, a qualquer título, na constância do casamento”, sendo que, a administração destes bens é adstrita ao cônjuge proprietário, que os poderá livremente alienar, se forem móveis. Lembrando que, sendo imóvel o objeto do negócio, obriga-se a vênia conjugal.
Como com a dissolução apuram-se o montante dos aquestos, não integram a soma dos patrimônios próprios: a) bens anteriores ao casamento e os que em seu lugar se sub-rogaram; b) os que sobrevieram a cada cônjuge por sucessão ou liberalidade; e, c) as dívidas relativas a esses bens. Presumir-se-á, adquiridos na constância do casamento os bens móveis, ressalvada prova em contrário. Doações e legados, feitos para o cônjuge não aproveitam ao outro no momento da divisão patrimonial, salvo se o doador ou o testador houver contemplado ambos os cônjuges à título gratuito.
Na determinação do montante dos aquestos, computam-se o valor das doações feitas por um dos cônjuges, sem a necessária autorização do outro. Nesta linha, havendo prejuízo, pode o cônjuge prejudicado, ou seus herdeiros, reivindicar o valor do bem pela época em que houver se dado a dissolução (1.675, CC/02). Embora não fique claro no texto legal, entende a doutrina que esta disposição é referente à doação de bens comuns, porquanto tal pode ser interpretada como ato dilapidatório a fim de que se reduza a meação. Com o escopo de assegurar o patrimônio comum, o prejudicado pode agir com medidas cautelares para que se garanta a paridade no processo de divisão de bens (exemplo: arrolamento de bens ou bloqueio de bens imóveis, automóveis, valores, entre outros).
O valor dos bens alienados em detrimento da meação, incorporam-se ao monte, se não houver preferência do cônjuge lesado, ou de seus herdeiros, de o reivindicar (1.676, CC/02). Vemos aqui uma situação na qual poderá o cônjuge escolher se o bem alienado em detrimento da meação integrará ao monte partilhável, ou se será reivindicado por este.
O cônjuge que fundar dívida posterior ao casamento responderá, sozinho, por tal, ressalvados os casos em que a dívida se reverteu, parcial ou totalmente, em benefício do outro cônjuge (1.677, CC/02). A liberdade dos cônjuges de comprar, ainda a crédito, as coisas necessárias à economia doméstica, bem como, obter, por empréstimo, as quantias que a aquisição dessa coisa possa exigir, é uma das pilastras que se opõe a este dispositivo, qual confere liberalidade da outorga conjugal (1.643 e 1.644, CC/02), se aplicando, nestes casos, a responsabilidade solidária, exceto no caso em que ficar evidenciado que não houve beneficiamento do consorte.
No caso em que um dos cônjuges solva a dívida do outro, utilizando o seu patrimônio, o valor do pagamento deve ser atualizado e imputado, na data da dissolução, à meação do outro cônjuge. Aqui a lei obsta o indevido locupletamento por um dos cônjuges através do patrimônio do outro (1.678, CC/02). Havendo aquisição pelo trabalho conjunto dos cônjuges, reconhece-se a existência de condomínio, ou crédito por tal modo estabelecido. Caso a circunstância para a aquisição de bens seja o trabalho em conjunto, cada um dos cônjuges terá uma quota igual no condomínio ou no crédito por aquele modo estabelecido (1.679, CC/02).
Se as coisas forem móveis, em relação a terceiros, presumir-se-á como sendo de domínio do cônjuge devedor, ressalvados os casos em que o bem seja de uso pessoal do outro (1.680, CC/02). Assim, quando se consideram os terceiros, os bens móveis serão de propriedade do devedor, não importando quem o devedor seja, de modo que aqui evidencia-se comunhão, onde era vista separação, exceto no caso em que a coisa seja de uso pessoal do outro cônjuge (roupas, sapatos, adornos, etc.).
Já, os bens imóveis, serão de propriedade do cônjuge cujo o nome consta do registro imobiliários. Caso em relação a esta haja impugnação, o ônus da prova será do cônjuge proprietário, que deverá provar aquisição regular do bem (1.681, CC/02).
É irrenunciável o direito à meação, nem mesmo é cessível ou penhorável, desde que na vigência do regime matrimonial. Aqui, estabelecido o pacto antenupcial pelo regime de participação final nos aquestos, origina-se, por consequência, o direito à meação no líquido dos aquestos, como sendo um direito indisponível na constância conjugal, não sendo lícito, portanto, a nenhum dos cônjuges aliená-lo, onerosa ou gratuitamente, por antecipação. Não obstante, é insuscetível de penhora (1.682, CC/02). Todavia, havendo a dissolução da sociedade conjugal, o direito à meação será suscetível de ser utilizado em um negócio jurídico, ou de ser executado, de forma livre, vez que, quando da dissolução da sociedade, obrigatoriamente far-se-á a apuração do montante dos aquestos, nos moldes do Art. 1.674 do CC/02.
Havendo a dissolução do regime pela separação judicial ou pelo divórcio, o montante dos aquestos será verificado pela data em que cessar a convivência (1.683, CC/02). Assim, mesmo declarada a dissolução, ainda sim persistir a convivência, o montante dos aquestos será igual à quantia em que for identificada quando do término da convivência, e não da data da dissolução, visto que aqui, tal só operará efeitos jurídicos quando cessado o convívio.
Não sendo possível ou conveniente dividir todos os bens em natureza, calcula-se o valor de alguns ou de todos para reposição em dinheiro ao cônjuge não-proprietário e, não sendo possível realizar a reposição em dinheiro, os bens serão avaliados e, com autorização judicial, serão alienados tantos bens quantos bastarem para suprir o valor (1.684, CC/02). O caso de divisão dos bens em natureza é o caso de indivisibilidade física ou de depreciação dos bens, cujo valor será maior se não houver a divisão. Assim, identificasse a propriedade de um dos cônjuges, sendo, o outro, ressarcido em dinheiro pela quota qual faria jus.
Caso a dissolução da sociedade conjugal se dê por evento morte, será verificada a meação do cônjuge sobrevivente, conforme o tratado até o momento, liberando a herança na forma tratada pelo Código Civil, caso em que será observado o tratamento dado pelo Art. 1.829, I, CC/02 (1.685, CC/02).
Concluindo o tratamento legal do regime de participação final nos aquestos, havendo dívidas e, sendo as dívidas superiores à quota da meação do cônjuge, estas não obrigarão o outro, ou seus herdeiros (1.686, CC/02). Aqui é feito um paralelo com a responsabilidade sucessória intra vires hereditatis, caso em que a herança responde pelo pagamento das dívidas do falecido (1.997, CC/02), sem que se atinja o patrimônio pessoal dos herdeiros, porquanto tais apenas respondem, cada qual, em proporção da parte que na herança lhe caiba. No mesmo sentido, em se tratando de dívidas de um dos cônjuges, nem o outro, nem seus herdeiros, terão seu patrimônio atingido.
3.1.6 – DO REGIME DE SEPARAÇÃO DE BENS
Conforme já tratado anteriormente, o regime de separação de bens poderá ser convencionado (pelo pacto) ou obrigatório (1.641, CC/02).
Neste tipo de regime, como regra obrigatória temos que não há comunicação de qualquer bem, seja posterior ou anterior à união. A administração dos bens caberá, de forma exclusiva, a cada um dos cônjuges, motivo pelo qual, cada um dos cônjuges poderá alienar ou gravar de ônus real os seus bens, mesmo sendo imóveis, nas hipóteses em que a separação fora estabelecida.
Destarte o nome, induz que este seja o regime em que haja separação pura dos bens, porquanto o de separação mitigada (comunhão parcial) está disposto anteriormente.
De acordo com Machado apud Rodrigues:
“Na conceituação de Silvio Rodrigues, o ‘regime de separação de bens é aquele em que os cônjuges conservam não apenas o domínio e a administração de seus bens presentes e futuros, como também a responsabilidade pelas dívidas anteriores e posteriores ao casamento’. Por esse regime, embora os nubentes se unam para construir uma vida em comum, construindo uma família, durante essa união cada um continua tendo para si seus bens, administrando-os exclusivamente e livremente dispondo deles.”[8]
Assim, iniciando o tratamento legal, dispõe o Código Civil que estipulada a separação de bens, estes permanecerão sob a administração exclusiva de cada um dos cônjuges, que os poderá livremente alienar ou gravar de ônus real (1.687, CC/02).
Em segundo momento, prevê o códex que “ambos os cônjuges são obrigados a contribuir para as despesas do casal na proporção dos rendimentos de seu trabalho e de seus bens, salvo estipulação em contrário no pacto antenupcial” (1.688, CC/02).
Assim, mesmo os cônjuges vivendo sob o regime de separação, estes estão obrigados em relação às despesas da sociedade conjugal, de modo que, observado os rendimentos profissionais e o montante de seus bens, pode-se evidenciar o quantum cada qual é responsável pelas despesas. Proveniente de preceito do §5º, Art. 226 da CF88, identifica-se o dever dos cônjuges de sustentar a família, independentemente do regime configurado na união. Pela exceção, tem-se o estipulado em pacto antenupcial (estudado anteriormente), oportunidade em que, neste, podem os nubentes atribuir, por exemplo, exclusivamente a um dos cônjuges a responsabilidade pelos gastos do lar.
3.2 – DO USUFRUTUÁRIO E DA ADMINISTRAÇÃO DOS BENS DE FILHOS MENORES
Em relação ao usufrutuário e a administração dos bens dos filhos menores, determina o Código Civil que o pai e a mãe, enquanto no exercício do poder familiar são usufrutuários dos bens dos filhos e, têm a administração dos bens dos filhos menores que estejam sob sua autoridade (1.689, CC/02). Sendo assim, caso o filho seja maior, desde que identificado o exercício do poder familiar, tais serão apenas usufrutuários e não administradores.
É de competência dos pais e, na ausência de um deles, exclusivamente ao outro, representar os filhos menores de 16 (dezesseis) anos, bem como assisti-los até completarem a maioridade ou serem emancipados. Cabe-se ressaltar que, a representação e a assistência se darão com base no exercício do poder familiar, não sendo possível a identificação de tais caso estes não exerçam tal instituto. Aos pais, espera-se que estes decidam em comum questões relativas aos filhos e seus bens, todavia, havendo divergência, qualquer um deles poderá recorrer ao juiz para que seja dada a solução necessária (1.690, CC/02).
Os pais não podem alienar, ou gravar de ônus real os imóveis dos filhos, tão pouco contrair, em nome deles, obrigações que ultrapassem os limites da simples administração, exceto caso de necessidade ou evidente interesse da prole, casos quais são precedidos de autorização do juiz. Em relação a tais atos, podem os filhos, os herdeiros e o representante legal, pleitearem a declaração de nulidade dos mesmos, sendo estes, partes competentes para a requisição ao magistrado. Logo, mesmo sendo possível ultrapassar o limite da simples administração com base nas duas circunstâncias anteriormente citadas, não obstante, poderá o ato ser decretado nulo, caso os interessados assim resolvam proceder (1.691, CC/02).
Caso no exercício do poder familiar se manifeste divergência, colidindo o interesse dos pais com o do filho, tal poderá requerer ao juiz, sendo também competente para o requerimento o Ministério Público, que seja dado a si curador especial (1.692, CC/02). A atuação do curador aqui prevista é transitória, de modo que vigorará até que o conflito específico seja sanado. Tal nomeação busca atender o interesse do menor, diferindo-se da nomeação do tutor, haja visto que tal possui papel mais amplo porquanto administra os bens do menor até a maioridade, não sendo, portanto, o que ocorre com o curador especial, que buscar sanar o conflito entre o filho menor e os pais. Em relação a tutela e curatela, tais serão abordadas mais adiante em tópico correlato.
Não integram o usufruto, tão pouco a administração dos pais: a) os bens adquiridos pelo filho havido fora do casamento, antes do reconhecimento; b) os valores auferidos pelo filho maior de 16 (dezesseis) anos, no exercício de atividade profissional e os bens com tais recursos adquiridos; c) os bens deixados ou doados ao filho, sob a condição de não serem usufruídos, ou administrados, pelos pais; d) os bens que aos filhos couberem na herança, quando os pais forem excluídos da sucessão. Assim, listamos as 4 (quatro) condições que excluem o usufruto e a administração dos pais, buscando proteger o filho ante provável ganância paterna.
3.3 – DOS ALIMENTOS
O tratamento da prestação alimentícia, no Código Civil de 2002 ocorre de maneira diversa da que ocorria no antigo Código de 1916, de modo que o tema é tratado uniformemente, ou, nas exceções, de forma contígua, não se desvinculando de maneira evidente da uniformidade. Assim, o tema é tratado de forma sistemática e única, regulamentando tanto os alimentos devidos em razão do parentesco como os decorrentes do término de uma relação afetiva preexistente (casamento ou união estável).
Em relação à conceituação jurídica dos “alimentos”, compreende-se, em sentido amplo, que tais representem, pelo valor semântico do vocábulo, uma abrangência maior, incluindo-se, além da acepção fisiológica, tudo mais necessário à manutenção individual, tal como: sustento, habitação, vestuário e tratamento.
Todos têm direito à subsistência que, inicialmente, é provida pelo trabalho, sendo o seu exercício livre, assegurado constitucionalmente. Quando o indivíduo não detém meios de prover sua própria subsistência, o mesmo não é deixado à sorte, de modo que a sociedade há de propiciar a tal a sobrevivência, por meio de órgãos estatais ou mesmo entidades particulares. Compete ao Poder Público desenvolver a assistência social, estimular o seguro e tomar medidas defensivas adequadas.
Pelo Art. 1.694 do CC/02 podemos identificar que os parentes os cônjuges ou companheiros podem pedir aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação. O magistrado fixará os alimentos na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada e, serão apenas os indispensáveis à subsistência, quando a situação de necessidade resultar de culpa de quem os pleiteia. Não se integram no segundo caso os filhos incapazes, porquanto tais gozam do direito de ser sustentado, guardado e educado por seus genitores; tão pouco o matriculado em curso superior de tempo integral que desagrade os pais. O caso aqui abrangido é para aqueles que tenham comportamento irascível, e por tal, encontram dificuldade de inserção no mercado de trabalho, incluso também os viciados em jogos ilícitos, os toxicômanos, alcoólatras, desde que afastada a impossibilidade de determinação. Não se tratando mais de alimentos civis ou côngruos, que se dá em razão da condição pessoal do alimentado; mas sim, de fixação de alimentos naturais (necessarium vitae), que são fixados unicamente para a manutenção da vida.
Os alimentos são devidos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem podem prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele, de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento (1.695, CC/02). Aqui vemos que só é identificada a possibilidade da fixação quando impossível o provimento pelo próprio requerente, e possível o fornecimento pelo reclamado, desde que o vínculo de obrigatoriedade não obste o sustento deste.
É recíproco o direito à prestação de alimentos entre pais e filhos, bem como, extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros (1.696, CC/02). A expressão “uns em falta de outros” nos remete a condição de que, quando demandado os alimentos, precipuamente observar-se-á os mais próximos em grau, sendo que, na falta destes, estende-se o vínculo aos parentes mais distantes, podendo aqui, ser encaixados avós e bisavós, por exemplo.
Com a falta dos ascendentes, cabe a obrigação aos descendentes, guardada a ordem de sucessão e, faltando estes, aos irmãos, assim germanos como unilaterais (1.697, CC/02). Aqui o código discrimina o tratamento entre os parentes. Na falta de ascendentes que possam prover os alimentos, poderá o reclamante pleitear aos descendentes, respeitada a ordem de sucessão (filho, neto, bisneto,…), e, na falta destes, pleitear aos irmãos, sejam de mesmo pai e mãe, ou de mesmo pai ou mesma mãe, não importando a ordem, o que evidencia a diferença no tratamento em relação aos de linha reta.
Se o parente que primariamente deve alimentos não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, chamar-se-á à concorrência, os de grau imediato. Caso várias pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas elas deverão concorrer na proporção dos seus respectivos recursos, e, intentada ação contra uma delas, as demais poderão ser chamadas a integrar a lide (1.698, CC/02).
Caso haja modificação na situação financeira, seja de quem supra ou de quem receba, após a fixação dos alimentos, pode o interessado reclamar ao juiz, conforme a circunstância, pela exoneração, pela redução ou pela majoração do encargo (1.699, CC/02).
A obrigação de prestar alimentos é transmitida aos herdeiros do devedor, observado o art. 1.694 do CC/02. O obrigado na prestação pode pensionar o alimentando, ou dar-lhe hospedagem e sustento, sem prejuízo do dever de prestar o necessário à sua educação, enquanto menor. Neste sentido, compete ao magistrado, caso as circunstâncias exijam, fixar a forma de cumprimento da prestação (1.701, CC/02).
Sendo caso de separação judicial litigiosa, sendo um dos cônjuges inocente e desprovido de recursos, prestar-lhe-á o outro a pensão alimentícia que o magistrado fixar, obedecidos os critérios estabelecidos no Art. 1.694 do CC/02, anteriormente citado (1.702, CC/02). Além disso, os cônjuges separados judicialmente contribuirão na proporção de seus recursos para a manutenção dos filhos. Cumpre-se destacar que, quando da dissolução da sociedade conjugal, sendo caso de guarda unilateral, aquele que a detém se encontra com o dever de sustento, enquanto que o não guardião estará com o dever de prestar os alimentos necessários. Vemos aqui uma clara transfiguração da natureza jurídica do dever de sustentabilidade dos filhos, que é evidenciada na constância do casamento ou da união estável. Havendo a separação ou o divórcio, divide-se os encargos na proporção dos recursos de cada cônjuge (1.703, CC/02).
Caso um dos cônjuges separados judicialmente venha a requerer alimentos, será o outro obrigado a prestá-los mediante pensão a ser fixada pelo juiz, caso não tenha sido declarado culpado na ação de separação judicial. Nesta mesma linha, se o cônjuge culpado vier a necessitar de alimentos, e não tiver parentes em condições de prestá-los, nem aptidão para o trabalho, o outro cônjuge será obrigado a assegurá-los, oportunidade em que o magistrado deverá fixar alimentos necessários (1.704, CC/02).
O filho havido fora do casamento, com escopo de obtenção de alimentos, pode acionar o genitor, facultado ao magistrado determinar, diante de pedido de qualquer das partes, que a ação seja processada em segredo de justiça (1.705, CC/02).
Os alimentos provisionais são fixados pelo juiz, com base nos termos da lei processual (1.706, CC/02). Estes alimentos são fixados em razão da necessidade premente do alimentando que não pode restar desamparado até o final da decisão judicial. Aqui vemos a oportunidade em que os alimentos são reclamados desde o início da ação de alimentos, à título de tutela de urgência ou de tutela antecipada em caráter antecedente, haja visto que, a primeira é concedida quando há elementos que evidenciem o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo, de modo que, o pedido poderá ser concedido liminarmente ou após justificação prévia (300, CPC/15) e, a segunda, nos casos em que a urgência for contemporânea à propositura da ação, sendo que a petição inicial poderá limitar-se ao seu requerimento, com indicação do pedido de tutela final, exposição da lide, do direito que se busca realizar, e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo (303, CPC/15).
Apesar de ao credor ser facultado renunciar ao exercício de direito à alimentos, lhe é vedado renunciar ao direito de tais, porquanto tal é insuscetível de cessão, compensação ou penhora (1.707, CC/02).
Caso o credor venha a contrair casamento, união estável ou mesmo concubinato, cessa-se o dever de prestação dos alimentos. No ensejo, cessa-se também o direito a alimentos, caso seja identificado procedimento indigno em relação ao devedor (1.708, CC/02). Por procedimento indigno entende-se que seja de natureza grave, não se resumindo apenas à má-fé, embora tal não deixe de ser observada. À título de exemplo de procedimentos indignos podemos ter os motivos que excluem da sucessão os herdeiros ou legatários, como no caso em que tal seja autor, coautor ou partícipe de homicídio doloso, ou de tentativa, contra pessoa de cuja a sucessão se trata, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente (I, 1.814, CC/02).
Caso o devedor de alimentos venha contrair novo casamento, não estará livre da obrigação constante da sentença de divórcio (1.709, CC/02). Assim o alimentante não estará desobrigado caso venha contrair matrimônio, oportunidade em que tal poderá proceder à revisão do valor devido, desde que provada a alteração na condição financeira, ou a impossibilidade de cumprimento obrigacional. A constituição de nova família pelo devedor não acarreta, por si só, revisão da quantia estabelecida, sendo que, deverá ser comprovada a diminuição da capacidade financeira do devedor, em decorrência da formação do novo núcleo familiar.
As prestações alimentícias devem ser atualizadas de acordo com o índice oficial regularmente estabelecido, não importando a natureza da prestação (1.710, CC/02). Contudo, havendo imprevisão ou onerosidade excessiva, não há óbice de que o alimentante pode proceder à revisão da prestação, a fim de que se resguarde os critérios adotados pelo art. 1.694, de razoabilidade e proporcionalidade entre alimentante e alimentado.
3.4 – DO BEM DE FAMÍLIA
Do 1.711 ao 1.722 do Código Civil de 2002, encontramos a regulamentação do bem de família que assim seja instituído voluntariamente pelos cônjuges. Cuida-se, portanto, da espécie voluntária, e não da legal, porquanto a legal é disciplinada pela lei nº 8.009 de 1990, qual dispõe da impenhorabilidade do bem de família como sendo o imóvel que serve de residência para o núcleo familiar.
Neste norte, inicia o tratamento o artigo 1.711 do CC/02, dispondo que:
Podem os cônjuges, ou a entidade familiar, mediante escritura pública ou testamento, destinar parte de seu patrimônio para instituir bem de família, desde que não ultrapasse um terço do patrimônio líquido existente ao tempo da instituição, mantidas as regras sobre a impenhorabilidade do imóvel residencial estabelecida em lei especial.
Assim, em primeiro momento, podemos ver que o bem de família pode ser constituído pelos cônjuges ou pela entidade familiar. Como abrangido pelo conceito de entidade familiar, rememore-se que um único indivíduo pode ser reconhecido como tal, vez que a lei não determina como a família deve se constituir, e sim o povo, através de seus costumes. Para que seja instituído o bem de família, exige a lei que o instituidor seja proprietário do objeto da instituição e que o mesmo se encontre em estado de solvência no momento em que o constitui. Complementando, o terceiro também pode, igualmente, instituir bem de família por testamento ou doação, sendo que a eficácia fica em dependência da aceitação expressa de ambos os cônjuges beneficiados ou da entidade familiar beneficiada.
Desta forma a instituição do bem de família é solene e formal, de modo que, para os cônjuges e conviventes demanda-se a escritura pública ou testamento, para o terceiro, que seja mediante doação ou testamento, operando-se apenas com a aceitação expressa do beneficiado.
Caso haja instituição testamentária, identifica-se o negócio jurídico causa mortis, sendo que, havendo credores do falecido, tais poderão se habilitar para o recebimento do crédito caso este tenha se originado antes da instituição, o que na maioria das vezes resta evidenciado.
Continuando no tratamento, o bem de família deve se consistir em prédio residencial urbano ou rural, inclusos pertenças e acessórios, destinando-se em ambos os casos a domicílio familiar, e pode abranger valores mobiliários, cuja renda deve ser aplicada na conservação do imóvel e no sustento da família (1.712, CC/02). Aqui vemos que a instituição não se limita puramente à construção, mas sim, a toda a sua dependência, de modo que jardins, pomares, ou qualquer outro espaço físico utilizado pela entidade familiar como moradia, acaba que integrado ao bem, não importando se rural ou urbano. Evidencia-se também que as pertenças, os acessórios e os bens móveis, são considerados como agregados, apesar da obrigatoriedade de o bem principal ser imóvel. Os valores mobiliários instituídos como bens de família não existem isoladamente uma vez que tais devem seguir a destinação de sustento e conservação do imóvel.
Ainda em relação aos valores mobiliárias, trata a lei que tais não poderão exceder o valor do prédio instituído em bem de família, à época de sua instituição.
São duas as limitações dos valores mobiliários: a) não podem ultrapassar o valor do bem instituído; e, b) computando-se o valor do imóvel, não pode ultrapassar um terço do valor do patrimônio do instituidor.
Desta forma, entende-se que seja impossível a instituição de um bem de família móvel que não esteja atrelado a um imóvel. Os valores mobiliários são obrigatoriamente individualizados no instrumento de instituição. Tratando-se de títulos nominativos, sua instituição como bem de família deve constar do respectivo livro de registro.
O instituidor pode determinar que a administração dos valores mobiliários seja confiada a instituição financeira, bem como, também pode disciplinar a forma de pagamento da respectiva renda aos beneficiários, oportunidade em que a responsabilidade dos administradores deve obedecer às regras do contrato de depósito (1.713, CC/02).
Além de ser constituído pelo registro de seu título no Registro de Imóveis – quer seja pelos cônjuges, quer seja por terceiros – (1.714, CC/02), o bem de família é isento de execução por dívidas posteriores à sua instituição, salvo em relação às dívidas que provierem de tributos relativos ao prédio, ou em relação a despesas de condomínio. Assim, em caso de execução pelas dívidas citadas, o saldo existente é aplicado em outro prédio, como bem de família, ou em títulos da dívida pública, para sustento familiar, exceto os casos em que motivos relevantes aconselharem outra solução, sendo a decisão pelo critério do magistrado (1.715, CC/02).
A isenção de execução tratada anteriormente dura enquanto viver um dos cônjuges, sendo que, na falta destes, até que os filhos completem a maioridade (1.716, CC/02).
Não pode haver desvio de destinação do prédio ou dos valores mobiliários, conforme previsto no artigo 1.712 anteriormente citado, ou ainda, tais serem alienados sem o consentimento dos interessados e seus representantes legais, ouvido o Ministério Público (1.717, CC/02).
Qualquer forma de liquidação da empresa administradora é inócua em relação aos valores pertencentes a beneficiários, conforme o § 3º do art. 1.713. Tais valores são transferidos a outra entidade semelhante por decisão judicial.
Existem duas formas de liquidação a saber: 1) liquidação; e, 2) falência.
Aqui vemos que o artigo 1.718 visa proteger o bem de família, mesmo diante da falência, liquidação ou concurso de credores da entidade financeira. O legislador visou, independentemente da higidez da situação financeira da administradora ou do administrador individual, que o bem não fosse atingido. Desta forma, não importando a espécie da liquidação, tal não atinge os valores confiados à entidade financeira, oportunidade em que o juiz ordenará a transferência dos valores para outra instituição semelhante, observando, em caso de falência, a disposição sobre pedido de restituição (1.718, CC/02).
Sendo certa a impossibilidade da manutenção do bem de família nas condições em que fora instituído, pode o juiz, a requerimento dos interessados, extingui-lo ou autorizar a sub-rogação dos bens que o constituem em outros, ouvidos o instituidor e o Ministério Público (1.719, CC/02).
Aqui vemos uma inovação em comparação ao antigo Código Civil. O legislador foi sensível ao fato de que a manutenção de determinado imóvel, instituído como bem de família, acabe por se tornar tão onerosa que desvirtue a finalidade, qual seja, a manutenção da célula familiar e o seu sustento. Assim, podem os interessados requerer em juízo a extinção ou a sub-rogação nestes casos.
Ressalvadas as disposições em contrário no ato de instituição, a administração do bem de família compete a ambos os cônjuges. Caso haja divergência na administração, cabe ao juiz proferir a solução. Na mesma linha, havendo falecimento dos cônjuges, a administração do bem de família é passada ao filho mais velho caso seja maior e, sendo menor, ao seu tutor (1.720, CC/02).
O bem de família não é extinto caso seja dissolvida a sociedade conjugal. Caso um dos cônjuges vier a falecer, o cônjuge sobrevivente pode pedir a extinção do bem de família, caso este seja o único bem do casal (1.721, CC/02).
Por fim, extingue-se o bem de família com a morte de ambos os cônjuges e a maioridade dos filhos, desde que não estejam sujeitos a curatela (1.722, CC/02). Aqui vemos a possibilidade de restituição dos bens ao acervo. A morte, por si só, não causa a extinção do instituto, afinal, para que haja a extinção, necessita-se da maioridade de todos os filhos menores e que nenhum deles tenha alguma incapacidade que acabe por sujeitá-lo a curatela.
4 – DA TUTELA E CURATELA
Tutela e Curatela, por serem de grande parecença à primeira vista, podem acabar por serem confundidos aos olhos do leigo, situação que não procede ao evidenciarmos um correto estudo sobre tais institutos.
Com o falecimento de um dos pais, o poder familiar acaba se concentrando no sobrevivente, mesmo que este venha a contrair novas núpcias. Contudo, caso haja falecimento de ambos, declarados ausentes ou destituídos do poder familiar, tem-se duas possibilidades em vista. A primeira é a de que, sendo o filho menor, estaremos diante da tutela e, a segunda possibilidade, a de que, sendo maior e incapaz, estaremos diante da curatela.
Com escopo de diferenciação e correta identificação de como cada um desses institutos se dão em nosso ordenamento, procede-se a partir de então, ao estudo da tutela e da curatela.
4.1 – DA TUTELA
Com base no respeito à dignidade da pessoa humana estabelecido constitucionalmente, o instituto da tutela recebe especial tratamento no que se correlaciona com o seu sentido e o seu alcance.
Com a morte, ausência dos pais ou mesmo a destituição do poder familiar, a criança e/ou o adolescente são submetidos a exposição.
Visando a proteção em face da natureza assistencial conferida pela lei, temos então a figura do tutor. O tutor deve zelar pelo respeito à pessoa do tutelado. A proteção da pessoa, neste sentido, estende-se aos seus bens. Assim, sob a égide civil-constitucional, o instituto da tutela é tido como sucedâneo do poder familiar, sendo tal definido como “encargo ou múnus conferido a alguém para que dirija pessoa e administre os bens de menores de idade que não incide no poder familiar do pai ou da mãe”.[9]
De acordo com o artigo 36 do ECA, “a tutela será deferida, nos termos da lei civil, a pessoa de até 18 (dezoito) anos incompletos”.
Isso quer dizer que o tutelado, quando completados 18 anos, passará a arcar com suas responsabilidades pessoais e patrimoniais, podendo, no ensejo, promover ação de prestação de contas contra o tutor, se tal não apresentar as mesmas por ato volitivo.
Em relação as espécies, são três a serem consideradas: 1) tutela testamentária; 2) tutela legítima; e, 3) tutela dativa.
Tutela testamentária é aquela feita em testamento, codicilo ou outro documento autêntico.
Tutela legítima é aquela em que, na ausência de tutor testamentário, é incumbida aos parentes consanguíneos do menor, observada ordem legal para sua instituição.
Por fim, tutela dativa é aquela em que o juiz nomeia o tutor, caso em que se identifica a falta de tutor testamentário ou legítimo.
4.1.1 – DOS TUTORES
Conforme abordado anteriormente e iniciando as observações quanto a lei civil, os filhos menores são postos em tutela em duas circunstâncias: a) falecimento dos pais, ou sendo estes ausentes; e, b) decaimento do poder familiar (1.728, CC/02).
Inicialmente, o direito de nomear tutor compete aos pais em conjunto. Tal nomeação deve constar de testamento ou de qualquer outro documento autêntico (1.729, CC/02). Aqui vemos uma evolução legislativa, no sentido em que, à época do antigo Código Civil, dava-se maior proteção ao patrimônio que à pessoa. Além do mais, o direito à nomeação de tutor no Código de 1916 apresentava-se conforme a ordem de sucessão: pai, mãe, avô paterno e, por último, avô materno (407, CC/16), o que já não procede nos dias atuais.
Para que seja feita a nomeação do tutor pela tutela testamentária, o pai ou a mãe, ao tempo de morte, devem estar amparados pelo poder familiar, de modo que, não havendo amparo tal nomeação é nula (1.730, CC/02).
Não havendo tutor nomeado pelos pais, a tutela incumbe aos parentes consanguíneos do menor, na seguinte ordem: 1) ascendentes, com preferência dos graus mais próximos; e, 2) colaterais até o terceiro grau, com preferência dos graus mais próximos, e, sendo de mesmo grau, a preferência é dada aos mais velhos, sendo que, em ambos os casos, o juiz escolherá o mais apto a exercer a tutela em benefício do menor (1.731, CC/02).
Quando da nomeação, o juiz deve observar que o tutor seja idôneo e que resida no mesmo domicílio que o menor, nos casos em que: 1) falte tutor testamentário ou legítimo; 2) houver exclusão ou escusa do tutor testamentário ou legítimo; e, 3) sejam tais (testamentário ou legítimo) não idôneos, oportunidade em que são removidos (1.732, CC/02).
Em se tratando de irmãos órfãos, obrigatoriamente, dar-se-á um só tutor. Nesta linha, havendo testamento que disponha em contrário, sem indicação de precedência, entende-se que a tutela seja conferida de fato ao primeiro, e que os demais sucedem pela ordem de nomeação caso ocorra morte, incapacidade, escusa ou qualquer outro impedimento de tal.
Havendo indicação de precedência, esta deverá ser observada. Além do mais, instituído um menor herdeiro, ou legatário, quem houver procedido à instituição poderá nomear curador especial para os bens deixados, mesmo que o beneficiário se encontre sob o poder familiar, ou tutela (1.733, CC/02).
Caso os pais forem desconhecidos, falecidos ou tiverem suspenso ou forem destituídos do poder familiar, as crianças e os adolescentes terão tutores nomeados pelo juiz ou serão incluídos em programa de colocação familiar, observado o ECA (1.734, CC/02). Nestes moldes, valendo-se do Art. 33 c/c 36 do ECA, depreende-se que os menores colocados em tutela, se pressupõe a prévia decretação da guarda, momento em que passa a valer todas as condições de dependência, inclusive as de fins previdenciários.
4.1.2 – DOS INCAPAZES DE EXERCER A TUTELA
Não podem ser tutores e serão exonerados da tutela, caso a exerçam, aqueles que: a) não tiverem a livre administração de seus bens; b) se acharem constituídos, no momento do deferimento, em obrigação para com o menor, ou tiverem que fazer valer direitos contra estes, e os que cujos pais, filhos ou cônjuges tiverem demanda contra o menor; c) forem inimigos do menor, ou de seus pais, ou tiverem sido por estes expressamente excluídos da tutela; d) forem condenados por crime de furto, roubo, estelionato, falsidade, crime contra a família ou os costumes, mesmo que cumprida a pena; e) forem considerados como pessoas de mau procedimento, de falhas em probidade, e as culpadas de abusos em tutorias anteriores; e finalmente, f) exerçam função pública incompatível com a boa administração da tutela (1.735, CC/02).
4.1.3 – DA ESCUSA DOS TUTORES
As mulheres casadas, os maiores de sessenta anos, aqueles que tiverem sob a sua autoridade mais de três filhos, os impossibilitados por enfermidades, os que habitem longe do lugar onde se deva exercer a tutela, os que já exerçam tutela ou curatela e os militares em serviço podem se escusar da tutela (1.736, CC/02).
Aquele que não for parente do menor não pode ser obrigado a aceitar a tutela, caso haja no lugar parente idôneo, consanguíneo ou afim, que tenha condições de exercício da mesma (1.737, CC/02).
A escusa deve ser apresentada nos 10 (dez) dias subsequentes à designação, sob pena de entender-se pela renúncia do direito de alegá-la. Caso o motivo da escusa ocorra depois de aceita a tutela, o prazo começa a correr a partir do momento em que tal motivo sobrevenha (1.738, CC/02).
O juiz deve admitir a escusa para que esta seja válida. Não sendo admitida, o nomeado estará obrigado ao exercício, até o momento em que se dê o provimento ao recurso interposto em sentido contrário, de modo que, o nomeado responderá, desde logo, pelas perdas e danos que o menor venha a sofrer neste período (1.739, CC/02).
4.1.4 – DO EXERCÍCIO DA TUTELA
Validada a tutela, incumbe ao tutor, quanto à pessoa do menor, as seguintes prerrogativas: a) dirigir-lhe a educação, defendê-lo e prestar-lhe alimentos, conforme haveres e condição; b) reclamar do juiz que providencie, como houver por bem, quando o menor haja mister correção – situação em que o menor apresente desvio de conduta ou mau comportamento que o tutor não consiga corrigir; momento em que deve recorrer ao juiz para que este se encarregue da correção, em ordem moral, se suficiente, e aplicação de medidas protetivas, se necessário; e, c) adimplir os demais deveres que normalmente cabem aos pais, ouvida a opinião do menor, se este já contar com doze anos de idade (1.740, CC/02).
Incumbe ao tutor ainda, sob a inspeção do juiz, administrar os bens do tutelado, em proveito deste, cumprindo seus deveres com zelo e boa-fé (1.741, CC/02). Para a fiscalização dos atos do tutor, o juiz pode nomear um protutor. A fiscalização dos atos do tutor é tida como corolário da limitação dos poderes do mesmo, de modo que o juiz, por meio de prudente critério, pode proceder à nomeação de um protutor, a fim de que se fiscalize a tutela. A tutela em si não constitui um ato isolado, praticado em uma única ação.
Desta forma, a tutela pode ser assistida por protutor, desde que apto a garantir os direitos do menor e que ajude o tutor em atividades que o demandem. Ao protutor incumbe noticiar ao magistrado sobre o andamento da tutela e a administração de bens do tutelado (1.742, CC/02).
Caso os bens e os interesses administrativos exijam conhecimentos técnicos, forem complexos, ou realizados em lugares distantes do domicílio do tutor, poderá este, por meio de aprovação judicial, delegar a outras pessoas físicas ou jurídicas o exercício parcial da tutela (1.743, CC/02).
Em relação ao magistrado e a responsabilização do mesmo, temos duas circunstâncias a saber: 1) a responsabilidade será direta e pessoal, quando não tiver nomeado o tutor, ou não houver feito a nomeação oportunamente; e, 2) a responsabilidade será subsidiária quando não tiver exigido garantia legal do tutor, nem o removido na oportunidade em que este se torne suspeito (1.744, CC/02).
Os bens do tutelado somente poderão ser entregues ao tutor mediante termo especificado deles e seus respectivos valores, ainda que os pais o tenham dispensado. Sendo o patrimônio do menor de valor considerável, pode o juiz condicionar o exercício da tutela à prestação de caução bastante, podendo o tutor ser dispensado caso seja de idoneidade reconhecida no meio social. Por “caução bastante”, entende-se que seja aquela em que haja a reunião de tantos bens quantos bastarem para garantir o bom exercício da tutela, ou seja, caução que baste.
Aqui temos que, mesmo com o recém abrandamento conferido pela lei 12.010 de 2009, a qual afastou a antiga obrigação de especificação de hipoteca legal, não identificamos a total liberação dos bens do tutelado ao tutor, mesmo na ocasião em que os pais dispensem o mesmo.
Vemos aqui que a especificação detalhada de cada bem, mediante termo, cujo tutor deve tomar ciência; bem como a exigência de prestação de caução, são condições para que se dê o efetivo exercício da tutela (1.745, CC/02). Não há mais a obrigatoriedade da hipoteca legal dos tutores ou curadores, vez que tais só serão submetidos a termos caso o patrimônio do menor seja de valor considerável. Contudo, o ato de hipoteca legal anteriormente instituído não poder ser modificado porquanto fora constituído à luz da lei vigente anteriormente, coadunando assim em ato jurídico perfeito.
Assim, conclui-se que mesmo nomeado por testamento o tutor não tem “direito líquido e certo” de assunção da tutela, vez que o juiz, antes do deferimento da administração dos bens do pupilo, é obrigado ao reconhecimento da comprovação de que a medida é vantajosa ao tutelando e que não existe outra pessoa em melhores condições para assumir o encargo.
Também identificasse como inovadora a faculdade de o juiz dispensar a prestação de caução ante a reconhecida idoneidade da pessoa, devendo ser identificada pelo magistrado através de seu livre convencimento por meio de fundadas razões.
Identificasse como sendo um motivo relevante para a exigência da caução bastante, por exemplo, o fato de o tutor ser reconhecidamente idôneo, porém, não seja possuidor de bens.
Caso o menor possua bens, este será sustentado e educado às expensas dos mesmos, arbitrando o juiz para tal fim as quantias que lhe pareçam necessárias, considerado o rendimento da fortuna do pupilo quando o pai ou a mãe não as houver fixado. Nesta altura, reconhecesse claramente que, em primeiro momento, o pupilo deve ser sustentado pelos seus bens. À título de exemplo, o tutor somente está obrigado a prestar alimentos ao tutelado caso este não tenha parentes, ou mesmo os tendo, estes não possuam condições de prestá-los. Na mesma linha, sendo o menor proprietário de bens, o tutor se valerá dos mesmos para que seja garantida a manutenção do menor (1.746, CC/02).
Não obstante as demais competências do tutor tratadas anteriormente, compete mais ao tutor: a) representar o menor, até os dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-lo, após essa idade, nos atos em que for parte; b) receber rendas e pensões do menor, e as quantias a ele devidas; c) fazer-lhe as despesas de subsistência e educação, bem como as de administração, conservação e melhoramentos de seus bens; d) alienar os bens do menor destinados a venda; e por fim, e) promover-lhe, mediante preço conveniente, o arrendamento de bens de raiz – bens de raiz aqui são entendidos como sendo os bens imóveis, aqueles representados pelas propriedades territoriais, tais como prédios rústicos ou urbanos.
Amparado por autorização judicial, também compete ao tutor: a) pagar as dívidas do menor; b) aceitar pelo menor herança, legado ou doação, ainda que com encargo; c) transigir – chegar a um acordo por meio de concessões; d) vender-lhe os bens móveis, cuja conservação não convier, e os imóveis nos casos em que for permitido; por último, e) propor em juízo as ações, ou nelas assistir o menor, e promover todas as diligências a bem deste, assim como defende-lo nos pleitos contra ele movidos. Nesta mesma linha, no caso em que houver falta de autorização, a eficácia de ato do tutor depende de ulterior aprovação do juiz (1.748, CC/02).
Mesmo com autorização judicial, é vedado ao tutor, sob pena de nulidade, adquirir por si, ou por pessoa interposta, mediante contrato particular, bens móveis ou imóveis pertencentes ao menor; dispor dos bens do menor a título gratuito; bem como, constituir-se cessionário de crédito ou de direito, contra o menor (1.749, CC/02).
Os imóveis pertencentes aos menores sob tutela somente podem ser vendidos quando houver manifesta vantagem, mediante prévia avaliação judicial e aprovação do juiz (1.750, CC/02).
O tutor deve declarar tudo que o menor lhe deva antes de assumir a tutela, sob pena de não lhe poder cobrar, enquanto exerça a tutoria, salvo provando que não conhecia o débito quando a assumiu (1.751, CC/02).
Em relação à responsabilidade, o tutor responde pelos prejuízos que por culpa ou dolo vier a causar ao tutelado. Vemos aqui, portanto, a responsabilidade aquiliana(*), vez que estas condições devem sempre ser provadas, tendo como excludentes de responsabilidade no caso a força maior e o caso fortuito operando em favor do tutor.
Com relação à indenização e à remuneração, o tutor tem o direito do recebimento proporcional à importância dos bens administrados, bem como, de ser pago pelo que realmente despender no exercício da tutela.
Caso o menor tenha condições financeiras, o tutor não pode ficar a sorte de prejuízos em razão do encargo, ressalvados os casos do menor abandonado, circunstância em que o tutor é obrigado a exercer o cargo à título gratuito, renunciando à compensação das despesas que forem feitas, justificadas e reconhecidamente proveitosas ao menor. A remuneração é fixada pelo magistrado possuindo natureza jurídica de indenizatória, e não de pagamento pelo serviço de administração dos bens prestados.
Em relação ao protutor, incumbindo de fiscalizar o exercício da tutoria, arbitra-se aqui a gratificação módica pela fiscalização proferida, a qual também possui natureza jurídica indenizatória. Este somente recebe caso o menor tenha recursos para tanto, observando-se aqui, também, a regra do menor abandonado.
Ocorrendo prejuízos os protutores são responsáveis solidariamente pelos mesmos, bem como, as pessoas que concorreram para que houvesse o dano (1.752, CC/02).
4.1.5 – DOS BENS DO TUTELADO
Nesta parte, aborda-se o zelo do patrimônio pertencente ao incapaz, sendo que, impõe-se ao tutor uma série de deveres e restrições, dentre os quais, o dever de conservar e administrar com seriedade os bens do pupilo. Todos os dispositivos a seguir, também se aplicam aos bens do curatelado, com exceção do prazo para apresentação de contas, caso em que sendo curatelado pessoa portadora de deficiência, será de um ano o prazo, e não dois, como para o tutor. Ressalta-se também que caso o curatelado seja idoso, além das respectivas sanções civis, temos que caso o curador se aproprie ou desvie proventos ou qualquer outro rendimento do idoso, conferindo-lhes aplicação diversa da de sua finalidade, estaremos diante de um crime, cuja pena é de reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa.
Não podem os tutores conservar em seu poder dinheiro dos tutelados, além do necessário para as despesas ordinárias com o seu sustento, educação e administração dos bens.
Havendo necessidade, objetos de ouro e prata, bem como pedras preciosas e móveis devem ser avaliados por pessoa idônea. Neste caso, a alienação depende de autorização judicial.
Alienados os bens, o produto é convertido em título, obrigação e letra de responsabilidade direta ou indireta da União ou dos Estados, de modo que seja atendida a rentabilidade e haja recolhimento ao estabelecimento bancário oficial ou aplicado, desde que seja o da aquisição de imóveis, conforme a determinação judicial.
Dentre os motivos que podem ser alegados nestes casos temos a administração ou manutenção custosa, a baixa rentabilidade, a depreciação de valor de mercado, a não produção de frutos, dentre outros. Registre-se que o valor afetivo do bem deve ser sempre considerado quando da escolha entre alienação e manutenção.
Nestes moldes o tutor deve requerer autorização judicial perfazendo a comprovação da necessidade de alienação.
Com a autorização, os bens são avaliados e vendidos em leilão. Ocorre, portanto, verdadeira sub-rogação real com o respectivo produto porquanto identificamos a conversão em títulos da dívida pública federal ou estadual.
Além do mais, dispõe o tutor de uma alternativa, a aquisição de bens imóveis em nome do incapaz, medida esta que deve visar a percepção de frutos em benefício do tutelado. Encontra este mesmo destino o dinheiro proveniente de qualquer outra procedência, de modo que o legislador aponta a preferência para que o numerário de propriedade do tutelado seja convertido em outros bens.
Havendo demora na aplicação dos valores aqui referidos, os tutores respondem, devendo serem satisfeitos os juros legais desde o dia em que deveriam dar destinação, fato que não os desobrigam, e que demanda decisão judicial para ser reconhecida como efetiva (1.753, CC/02).
Existindo valores em estabelecimento bancário oficial conforme o tratado anteriormente, tais não poderão ser retirados, senão mediante ordem judicial, a fim de que: a) sejam para as despesas com o sustento e educação do tutelado ou para a administração dos bens; b) haja compra de bens imóveis, bem como títulos, obrigações ou letras, conforme tratado acima; c) sejam empregados em conformidade com o disposto por quem os houver doado, ou deixado; e finalmente, d) sejam entregues aos órfãos emancipados ou maiores, e, na morte destes, aos seus herdeiros.
4.1.6 – DA PRESTAÇÃO DE CONTAS
Apesar de não serem exigidas dos pais, em sede de tutela, a prestação de contas é tida como sendo procedimento de controle judicial de exercício pelo ponto de vista material, com vistas de preservação do patrimônio do pupilo, tratando-se, no limiar no Código de Processo Civil de 2015, de incidente processual tramitando em apenso aos autos do processo de tutela, inventário, suspensão ou destituição do poder familiar, ou ainda, para a interdição dos pais do incapaz. Não sendo visto, portanto, como anteriormente pelo Código de 1973, que identificava ação, e não incidente.
Estabelece o artigo 553 do CPC/15 que “as contas do inventariante, do tutor, do curador, do depositário e de qualquer outro administrador serão prestadas em apenso aos autos do processo em que houver tido sido nomeado”.
Cuidamos de registrar aqui que, de acordo com o referido anteriormente, sendo condenados o inventariante, o tutor, o curador, o depositário, ou qualquer outro administrador de bens, a pagar o saldo, e tais não o fazem dentro do prazo legal, o magistrado poderá proceder à destituição, sequestro de bens, glosa de prêmio ou gratificação que tal teria direito, não obstante, determinar as medidas executivas necessárias à recomposição do prejuízo.
O Código Civil de 2002 determina que a prestação ocorra sucessivamente em dois momentos, sendo que, primeiramente haja apresentação de simples balanços anuais, e, num segundo momento, haja a prestação completa das contas a cada dois anos. Rememore-se que sendo caso de portador de deficiência o prazo é de um ano, conforme determina o art. 84, § 4º do Estatuto da Pessoa com Deficiência.
Adentrando aos termos legais, inicialmente tem-se que, embora desobrigados pelos pais no momento testamentário, os tutores não são livres de prestar as contas de sua administração (1.755, CC/02). No final de cada ano de administração, deve o tutor submeter ao juiz o balanço do respectivo ano, que, depois de aprovado, será anexado aos autos do inventário (1.756, CC/02). Além do mais, os tutores prestarão contas de dois em dois anos, e também quando, por qualquer motivo, deixarem o exercício da tutela ou toda vez que o juiz achar conveniente. Neste caso, as contas são prestadas em juízo e julgadas depois da audiência dos interessados, recolhendo o tutor imediatamente a estabelecimento oficial bancário os saldos, ou adquirindo bens imóveis, ou mesmo títulos, obrigações ou letras (1.757, CC/02).
A emancipação ou a maioridade findam a tutela e, caso haja quitação do menor, tal não produzirá efeitos se houver sido proferida antes de o juiz julgar aprovadas as contas, de modo que, a responsabilidade do tutor subsisti até o posicionamento positivo pelo magistrado (1.758, CC/02). Havendo morte, ausência ou interdição do tutor, as contas serão prestadas por seus herdeiros ou representantes (1.759, CC/02).
Leva-se a crédito do tutor todas as despesas justificadas e reconhecidamente proveitosas ao menor (1.760, CC/02). As despesas com a prestação das contas são pagas pelo tutelado, e não pelo tutor (1.761, CC/02). O alcance do tutor, ou seja, o saldo credor que deverá ser pago pelo pupilo, bem como, o saldo contra o tutelado, são reconhecidos como dívidas de valor e vencem juros desde o julgamento definitivo das contas (1.762, CC/02).
4.1.7 – DA CESSAÇÃO DA TUTELA
A condição de tutela cessa em duas circunstâncias: 1) com a maioridade ou a emancipação do menor; 2) ao cair o menor sob o poder familiar, no caso de reconhecimento ou adoção (1.763, CC/02).
As funções do tutor cessam em três: 1) ao expirar o termo, em que era obrigado a servir; 2) ao sobrevir escusa legítima; e, 3) ao ser removido. Aqui vemos as situações que dizem respeito ao término da tutela pelo tempo de exercício decorrido e por motivos relacionados exclusivamente com a pessoa do tutor e o seu desempenho das atribuições do encargo (1.764, CC/02).
O tutor é obrigado a servir por espaço de dois anos. Neste ínterim, pode o tutor continuar no exercício da tutela, além do prazo previsto, se assim quiser o juiz por julgar conveniente ao menor (1.765, CC/02).
Somente será destituído o tutor quando este for negligente, prevaricador ou incurso em incapacidade. Aqui vemos clara imputação dos três gêneros de má conduta, quais acarretam remoção judicial. A negligência na tutela representa a falta de cuidados, não apenas pessoais, mas também materiais. Pela prevaricação, identificamos a apropriação indébita, como é o caso da sonegação e do desvio de bens pertencentes ao pupilo. Por último, pela incapacidade do tutor, temos aqui os casos em que a incapacidade seja tanto física quanto moral, conforme tratado nas páginas 61 e 62 do presente.
4.2 – DA CURATELA
A curatela é um instituto civil que compõe o sistema assistencial dos que não podem, por si mesmos, reger sua pessoa ou administrar seus bens. Conjuntamente ao poder familiar e a tutela, a curatela é o terceiro dos institutos que cuidam de quem não possuem condições, por si só, de prover seu próprio sustento.
Podemos identificar a curatela como sendo:
“o encargo cometido a alguém, para dirigir a pessoa e administrar os bens de maiores incapazes”[10].
Todavia, tal definição não abarca todas as espécies de curatela porquanto algumas têm, em razão da natureza e dos efeitos, configuração que mais as denominam como curadoria, responsáveis pela proteção dos maiores incapazes, mas, também, podem abranger menores e até mesmo nascituros.
Originada no Direito Romano, a curatela, pelo sistema do Código de 1916 era aplicada aos loucos de todos os gêneros, surdos e mudos que não tivessem educação adequada e aos pródigos. Por sua vez, o legislador de 2002 acabou por preferir o instituto em forma diferenciada, ao manter em curatela somente aqueles que não se acham em condição de poder tomar conta de sua pessoa ou de seus bens.
4.2.1 – DOS INTERDITOS
Estão sujeitos a curatela: a) aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade; b) os ébrios habituais e os viciados em tóxico; e, c) os pródigos.
Com o advento da lei nº 13.146 de 2015, qual institui a Lei Brasileira de inclusão da pessoa com Deficiência – Estatuto da Pessoa com Deficiência – EPD – cumpre-se notar que as disposições em relação aos que por”outra causa duradoura são impedidos de exprimir a sua vontade“e aos “excepcionais sem completo desenvolvimento mental”, foram revogadas, em razão das terminologias adotadas não serem compatíveis com esta inovação legislativa, de modo que apenas as três condições são passíveis de sujeição à curatela (1.767, CC/02).
Adiante, identificamos uma revogação em massa entre os artigos 1.768 e 1.773, todas proferidas pelo Código de Processo Civil de 2015.
Aplicam-se à curatela as disposições anteriormente tratadas na tutela, compreendidas as modificações expostas a baixo (1.774, CC/02).
Não separados judicialmente ou de fato, o cônjuge ou companheiro, é por direito, curador do outro, quando tal é interdito. Ocorrendo a falta do cônjuge ou companheiro, o curador legítimo é identificado como sendo o pai ou a mãe; na falta destes, o descendente que demonstrar aptidão. Dentre os descendentes, os mais próximos têm preferência em relação aos mais remotos. Na falta de qualquer um dos citados, compete ao juiz escolher o curador (1.775, CC/02).
No momento da nomeação do curador para a pessoa com deficiência, o juiz pode estabelecer a curatela compartilhada, e esta pode ser conferida a mais de uma pessoa (1.775-A, CC/02).
Aqueles que por causa transitória ou permanente não puderem exprimir a sua vontade devem receber todo o apoio necessário para ter preservado o direito à convivência familiar e comunitária, sendo evitado o seu recolhimento em estabelecimentos que os afaste desse convívio (1.777, CC/02).
Estende-se à pessoa e aos bens dos filhos do curatelado a autoridade do curador, lembrando que, conforme o artigo 5º, a menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil (1.778, CC/02).
4.2.2 – DA CURATELA DO NASCITURO E DO ENFERMO OU PORTADOR DE DEFICIÊNCIA FÍSICA
Em se tratando de nascituro, caso o pai venha a falecer estando a mulher grávida, e a mesma não tenha o poder familiar, tal receberá curador, e não tutor, aplicando-se então a curatela especial.
Se a mulher estiver interdita, seu curador também exercerá a curatela do nascituro (1.779, CC/02). Ressalte-se que ocorrendo o nascimento da criança, extinguir-se-á a curatela especial, momento em que deve ser nomeado tutor, dentro das conformidades até então vistas.
4.2.3 – DO EXERCÍCIO DA CURATELA
Com exceção das restrições adiante descritas, aplicam-se ao exercício da curatela as mesmas regras a respeito do exercício da tutela (1.781, CC/02), tratadas anteriormente no item 4.1.4.
Em relação ao pródigo, sua interdição só o privará de, sem curador, emprestar, transigir, dar quitação, alienar, hipotecar, demandar ou ser demandado, e praticar, em geral, os atos que não sejam de mera administração.
Vemos, portanto, que aqui o legislador fixou limites para a curatela do pródigo, pelos atos que somente podem ser praticados pelo seu curador, conforme o posicionamento da gestão financeira do tutor (uma vez que as regras são as mesmas). Contudo, nada obsta que o mesmo entregue, semanalmente, à exemplo, pequeno numerário ao curatelado para as despesas menores e comuns do dia a dia, como transporte e alimentação. No mais, é permitido ao pródigo a prática dos demais atos da vida civil (1.782, CC/02).
Caso a curatela seja de pessoa portadora de deficiência, esta condição também é aplicada, conforme determina o artigo 85 do EPD qual dispõe que “a curatela afetará tão somente os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial.”
Caso o curador for o cônjuge e o regime de bens do casamento for o de comunhão universal, não está obrigado à prestação de contas o curador, salvo se houver determinação judicial em sentido contrário (1.783, CC/02).
5 – CONCLUSÃO
Ao longo do exposto, identifica-se o tratamento direto de 196 (cento e noventa e seis) artigos, compreendidos entre o artigo 1.583 e 1.783 do Código Civil de 2002, não se encontrando, por não ser objeto do estudo, o tratamento do códex em relação a União Estável (1.723 a 1.727, CC/02), e a tomada de decisão apoiada (1.783-A, CC/02).
Todas inovações, inclusive as de tutela e curatela, conferidas pelo advento do EPD, foram tratadas de maneira equiparadas às demais normas, visto que inovações estão por vir, e como tais devem ser assim tratadas, não obstante o destaque dos dispositivos mais recentes agregados ao ordenamento jurídico das relações familiares. Com intuito de que seja reconhecida a isonomia entre tais no aspecto sistêmico, liberando, para tanto, o leitor para que este busque por potenciais medidas a serem implementadas no decurso do tempo, conforme evoluem os estudos em relação ao Direito de Família, no que tange o abordado, restou clara a concretização de uma visão de arranjos normativos, em isonômica abordagem.
Identificasse, no presente, que pelo livro abordado – IV, houve maior direcionamento aos títulos II e IV em comparação ao I, uma vez que o direito patrimonial e os institutos de proteção, tais como a tutela e curatela, foram apontados de maneira mais incisiva quando contrapostos ao direito pessoal e as relações de parentesco, momento em que foram abordados tão somente a proteção aos filhos e a constituição dos vínculos familiares aos olhos da lei civil.
Apesar de inicialmente parecerem similares, o poder familiar e os institutos de proteção não se confundem, de modo que tais acabam obedecendo disposições distintas, como, por exemplo, nos últimos há a necessidade de prestação de contas, o que não se evidencia no primeiro.
Elucidou-se também as diversas formas de regime da sociedade conjugal, com o adendo de que apesar de suas configurações normativas pela lei pré-moldadas, não estão os nubentes adstritos a tais porquanto estes podem convencionar o que lhes aprouver, desde que os mesmos não contrariem as disposições de ordem pública, neste momento verificando-se a garantia do princípio da liberdade contratual, em razão da ausência de formalidades desta constituição.
Frisado está que os filhos, não importando a sua origem, são iguais, sendo vedada qualquer forma de discriminação a tais em virtude de sua natureza.
No aspecto sumular, não se evidenciou nenhum entendimento do Superior Tribunal de Justiça, o que não induz que tais não existam, e sim, como não se procurou exaurir o tema neste sentido, sugere-se que o leitor busque pelos mesmos a fim de complementar o entendimento em relação ao proposto. À título de curiosidade, atualmente identifica-se, com as devidas buscas, no mínimo, 20 (vinte) súmulas em relação ao Direito de Família, sendo que, filiação e alimentos, conjuntamente a separação e divórcio, representam respectivamente 40% e 30% dos entendimentos proferidos pelo STJ.[11][12]
Desta forma, propõe-se ao leitor a partir do término deste um estudo correlacionado com os entendimentos sumulares, a fim de que se dirimam dúvidas em relação a aplicação das disposições abordadas pelo presente, uma vez que neste cuidou-se de evidenciar as disposições codificadas.
Por derradeiro, conclui-se que o aparato normativo legal brasileiro correlacionado com o Direito de Família ora abordado é de relevante atualidade, coadunando-se com a concepção constitucional de família, de modo que, após as devidas análises, não restam dúvidas de que as disposições infraconstitucionais estão em acordo com a Constituição desde o seu início, até o seu fim.
6 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
MACHADO, Costa. CHINELLATO, Silmara Juny. Código Civil interpretado: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo. – 10 ed. – Barueri, SP: Manole, 2017.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil – Vol. V. – 25. Ed. ver., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2017.
TARTUCE, Flávio. Direito civil, v. 5: Direito de família. – 12 ed. ver. atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2017.
[1] CNJ. Cadastro Nacional: Mais pais do que crianças para serem adotadas. Disponível em: https://goo.gl/jAu9aM. Acesso em 03 de maio de 2018 às 04:08.
[2] TARTUCE, Flávio. Direito civil, v. 5: Direito de família. – 12 ed. ver. atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2017. pg. 248.
[3] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil – Vol. V. – 25. Ed. ver., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2017. pg. 261
[4] MACHADO, Costa. CHINELLATO, Silmara Juny. Código Civil interpretado: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo. – 10 ed. – Barueri, SP: Manole, 2017. pg. 1.504
[5] MACHADO, Costa & CHINELLATO, Silmara Juny. Op. Cit. pg. 1.463
[6] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. Cit. pg. 280
[7] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. Cit. pg. 279
[8] MACHADO, Costa & CHINELLATO, Silmara Juny. Op. Cit. pg. 1.470
[9] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. Cit. pg. 549
[10] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. Cit. pg. 585
[11] Caso seja de seu interesse, o referido conteúdo sumular pode ser encontrado no seguinte endereço eletrônico: https://goo.gl/DGqazk, Acesso em 31/05/2018, às 20:09.
[12] Os dados percentuais aqui dispostos foram calculados de acordo com o conteúdo relacionado no endereço acima descrito, não representando de fato a sua totalidade, sendo, portanto, indicativos à título meramente exemplificativo.