O Judiciário no metaverso

Metaverso chega ao Judiciário com avatares, emojis e promessa de ampliar interação.

Folha de S.Paulo

“Dentro do metaverso hoje já existem relações civis, de consumo, trabalho e até penais, como a Folha mesmo mostrou, de uma pessoa que se disse vítima de assédio sexual no metaverso. Se essas coisas estão acontecendo ali, o Estado precisa estar presente para dar apoio ao cidadão.”

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Avatares de juízes, advogadas, universitários e comunicadores de diferentes estados flutuavam pelo saguão de palestras da vara do trabalho do município de Colíder (MT), do TRT (Tribunal Regional do Trabalho) da 23ª Região.

Ali eles pararam para ouvir a juíza Graziele Cabral Braga de Lima em uma experiência de uso do metaverso no Judiciário.

O conceito ainda está em desenvolvimento, mas se refere a uma espécie de realidade virtual com dimensões do mundo real, em que será possível se conectar a outras pessoas de forma mais imersiva.

Magistrados entusiastas do uso da nova tecnologia acreditam que o metaverso poderá ser uma opção para audiências virtuais, conforme os recursos forem aprimorados. Desde já, ela permite abrir as portas da unidade judicial para um público mais amplo, por meio de palestras e visitas.

O projeto-piloto, realizado no início do mês, foi uma parceria entre a vara de Colíder, cidade de cerca de 34 mil habitantes, e a empresa View 3D Studio, que criou a versão digital da unidade espelhando a versão do mundo real, do gramado verde na área externa às texturas das poltronas nas salas.

Os visitantes acessaram o local pelo software AltspaceVR, da Microsoft, sem necessidade de uso dos óculos de realidade virtual, que expandem a experiência do 2D para o 3D.

Bastava apenas instalar o programa, configurar o avatar à sua imagem e semelhança e, com o uso de uma senha de acesso, entrar no mundo virtual, onde Graziele falou sobre a nova tecnologia, fez uma palestra sobre acidentes de trabalho e recebeu o cumprimento de colegas.

A reação aparecia com nuvens de palminhas e coraçõezinhos durante as interações feitas entre os 22 participantes que estiveram na sala.

Ali foi possível circular pelo espaço usando os botões de direcionamento, como em um vídeo game.

No saguão de audiências, também era possível navegar por uma tela de apresentação que mostrava os projetos sociais apoiados pelo comitê gestor de ações afirmativas de Colíder com recursos de condenações da Justiça do Trabalho.

Na visita à sala de audiências, os avatares se cruzavam pelo cenário de animação ao redor de uma grande mesa com vários computadores.

Todo o cenário foi desenvolvido ao longo de dois meses pela empresa de animação. Bernardo de Azevedo, um dos sócios, afirma que o projeto é uma iniciativa pioneira no Judiciário.

“Tivemos um excelente retorno e a receptividade foi até melhor do que esperávamos. Essa iniciativa piloto foi fundamental para mostrar o potencial do metaverso como um todo”, diz.

Graziele concorda e conta que recebeu mensagens de juízes e servidores da Justiça em vários estados interessados na iniciativa, que também chamou a atenção da população local.

“Tive muitas postagens e repostagens nas redes sociais, onde você observa o orgulho de uma cidade tão pequena e distante como pioneira de um projeto tão inovador e tecnológico”, conta.

Como mostrou a Folha, escritórios de advocacia brasileiros têm realizado experiências no metaverso, com o objetivo de se posicionar no novo ambiente e atender às demandas jurídicas relacionadas a esse mercado.

Já a reprodução do ambiente da vara de Colíder com a realização de uma palestra foi uma primeira atividade, com o intuito de vencer resistências no meio Judiciário em relação ao uso dos ambientes virtuais.

A ideia surgiu em março, após uma transmissão ao vivo sobre o tema feita por Graziele e o juiz Maximiliano Carvalho, substituto da 1ª vara do trabalho de Araguaína, no Tocantins, que falavam sobre as vantagens e desvantagens que existem no uso da realidade virtual.

Mestre em gestão pública contemporânea com uma dissertação sobre a transformação digital do Judiciário, Carvalho afirma que vê o uso do metaverso como uma forma de agregar novas possibilidades de interação com a sociedade.

O magistrado também defende que o Judiciário se adiante e esteja presente nesse espaço, para lidar com as questões jurídicas que possam surgir ali.

“Dentro do metaverso hoje já existem relações civis, de consumo, trabalho e até penais, como a Folha mesmo mostrou, de uma pessoa que se disse vítima de assédio sexual no metaverso. Se essas coisas estão acontecendo ali, o Estado precisa estar presente para dar apoio ao cidadão.”

Entusiasta do uso da tecnologia como meio de tornar a Justiça mais acessível, Graziele diz que no futuro o metaverso pode fazer parte dos recursos oferecidos nas chamadas salas passivas –espaços criados nas varas para que pessoas sem internet possam participar das audiências virtuais.

“Com a velocidade em que o metaverso está se desenvolvendo, creio que daqui alguns anos será aceitável que haja audiências e atos jurídicos praticados no metaverso, mas é um futuro distante, uma realidade que a gente não sabe quando. Talvez para os nossos filhos”, diz.

Outra experiência com o metaverso está prevista para acontecer na 1ª Vara do Trabalho de Ji-Paraná (RO) do TRT-14 (Tribunal Regional do Trabalho da 14ª região), do juiz Carlos Antonio Chagas Junior, que também prestigiou a palestra em Colíder com seu avatar e identifica como um incentivador do uso de recursos tecnológicos.

Ainda não há uma data para o lançamento, mas já houve autorização do tribunal para que a vara seja criada de forma permanente e possa ser utilizada de formas variadas, diz o magistrado.

“A gente pretende fazer eventos com as faculdades, audiências simuladas e levar a população a conhecer o Judiciário. Também podemos linkar as audiências que são realizadas pelo zoom e a pessoa assistir pelo metaverso”.

O juiz destaca que em Rondônia e no Acre as distâncias são gigantescas e que com as audiências virtuais durante a pandemia, o acesso foi facilitado, pois não é mais preciso viajar cinco dias de barco para comparecer presencialmente.

Como solução para atender as pessoas que não têm celular ou acesso à internet, ele afirma que foram firmados diversos convênios para que as salas passivas fossem criadas em espaços públicos, como escolas.

“O metaverso está aí, é uma realidade, e vai avançar cada vez mais. O poder público está avançando no uso da tecnologia. Isso agrega valor, agrega tempo”, diz.

Tanto ali quanto na vara de Mato Grosso o desenvolvimento do ambiente foi reproduzido no metaverso de forma pro bono, o que, diz Bernardo de Azevedo, será uma política da empresa com outras varas, para permitir que o Judiciário possa testar a tecnologia.

Para projetos mais simples, desenvolvidos para escritórios jurídicos, ele estima um valor inicial de R$6.000 para desenvolver o projeto.


Matéria da Folha de S.Paulo

Nota do editor: metaverso é a terminologia utilizada para indicar um tipo de mundo virtual que tenta replicar a realidade através de dispositivos digitais. É um espaço coletivo e virtual compartilhado, constituído pela soma de “realidade virtual”, “realidade aumentada” e “Internet”.

Leia sobre: Propriedade digitalizada por tokenização

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