Prazo de validade da Escritura de Pacto Antenupcial: 90 dias

Habilitação para Casamento – 2ª Vara de Registros Públicos de São Paulo

“Entendo que o óbice imposto pela Senhora Registradora deve ser mantido, no sentido da impossibilidade de se aceitar a Escritura de Pacto Antenupcial lavrada aos 13/01/2020, ou seja, há mais de dois anos”.

VISTOS,

Cuida-se de pedido de providências formulado pela Senhora Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais de Subdistrito desta Capital, no âmbito de habilitação de casamento, em razão da impugnação pelos contraentes ao óbice registrário imposto pela Titular à pretensão de que se fizesse valer, para definição do regime de bens, Escritura de Pacto Antenupcial lavrada aos 13/01/2020.

Os autos foram instruídos com os documentos de fls. 04/28. O Ministério Público ofereceu parecer pelo acolhimento da impugnação, às fls. 31/32, na compreensão de que os requisitos do ato foram observados e cumpridos.

É o breve relatório. Decido.

Trata-se de expediente encaminhado pela Senhora Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais de Subdistrito desta Capital. Em breve síntese, temos que a i. Titular obstou a pretensão dos contraentes de fazer valer, para a definição do regime de bens, o Pacto Antenupcial lavrado aos 13/01/2020, ou seja, há mais de dois anos.

Em sua devolutiva, apontou a Senhora Registradora que a Escritura Pública deve ser lavrada nos 90 (noventa) dias que antecedem ao casamento, em conformidade ao decidido no bojo dos autos nº 1127940-87.2021.8.26.0100, desta Corregedoria Permanente.

Os pretendentes impugnaram o óbice, solicitando autorização deste Juízo para a utilização da Escritura Pública anteriormente realizada. O Ministério Público, por sua vez, opinou favoravelmente à possibilidade de utilização do pacto antenupcial lavrado em 2020, na compreensão de que não há prazo estabelecido de validade do instrumento firmado.

Pois bem. Pese embora elevadas as razões apresentadas pelos interessados e pelo i. Promotor de Justiça, entendo que o óbice imposto pela Senhora Registradora deve ser mantido, no sentido da impossibilidade de se aceitar a Escritura de Pacto Antenupcial lavrada aos 13/01/2020, ou seja, há mais de dois anos.

De fato, o prazo de validade da Escritura de Pacto Antenupcial não foi estabelecido de modo explícito na lei e há divergências na doutrina quanto à solução para a questão. Contudo, o conjunto de regramentos legais demonstra que o pacto antenupcial deve ser realizado no contexto da habilitação de casamento, em momento no qual os consortes se preparam para o matrimônio. Nesse sentido é a intelecção do parágrafo único do Artigo 1.640, do Código Civil:

Art. 1.640. Não havendo convenção, ou sendo ela nula ou ineficaz, vigorará, quanto aos bens entre os cônjuges, o regime da comunhão parcial.

Parágrafo único. Poderão os nubentes, no processo de habilitação, optar por qualquer dos regimes que este código regula. Quanto à forma, reduzir-se-á a termo a opção pela comunhão parcial, fazendo-se o pacto antenupcial por escritura pública, nas demais escolhas.

No mesmo sentido se expressam as Normas de Serviço da E. Corregedoria Geral da Justiça, em seu Cap. XVII, item 71, fazendo clara alusão de que o pacto deve ser realizado no contexto da preparação para o casamento, e não em momento disperso no tempo:

71. Optando os nubentes por um regime de bens diverso do legal, sua vontade deverá ser formalizada por intermédio de escritura pública até a celebração, sendo ineficaz a simples declaração reduzida a termo no processo de habilitação matrimonial.

Destaco que a palavra “nubente” – do latim “nubere”, que se traduz por “casar” – indica “que ou quem vai casar ou tem casamento marcado”. De modo mais incidente a respeito, prescreve o Artigo 1.653 do Código Civil:

Art. 1.653. É nulo o pacto antenupcial se não for feito por escritura pública, e ineficaz se não lhe seguir o casamento.

O dispositivo legal em questão efetua limite temporal de eficácia do pacto antenupcial no sentido de anteceder ao casamento, todavia, não especifica um prazo de modo direto. Para colmatar esta lacuna por analogia, na forma do Art. 4º, da LINDB, compete aplicar o prazo de noventa dias de eficácia da habilitação, constante do Art. 1.532 do Código Civil, de modo antecedente ao casamento.

Como é sabido, o prazo de validade da habilitação de casamento é de 90 dias, após o qual os atos praticados perdem seu efeito, devendo ser repetidos, para conferir segurança jurídica aos nubentes, a terceiros e ao Estado.

Carlos Roberto Gonçalves refere que a perda de validade da habilitação para o casamento ocorre em razão de, após decorrido tal prazo, a situação fática entre os consortes e entre os consortes e terceiros por ter se alterado, de modo a refletir seus efeitos no negócio jurídico (casamento) pactuado:

“Decorrido o prazo de quinze dias a contar da afixação do edital em cartório (e não da publicação na imprensa), o oficial entregará aos nubentes certidão de que estão habilitados a se casar dentro de 90 dias, sob pena de perda de sua eficácia.

Vencido esse prazo, que é de caducidade, será necessária nova habilitação, porque pode ter surgido algum impedimento que inexistia antes da publicação dos proclamas [Gonçalves, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, Volume 6: Direito de Família 9. Ed. São Paulo: Saraiva, 2012].

Por conseguinte, a validade da convenção não pode ser indeterminada, porque o que nele se fez constar pode perder a validade fática e vir a refletir efeitos jurídicos indesejados para os consortes ou para terceiros, daí a previsão de ineficácia, preservando a higidez do negócio jurídico. Desse modo, assinalo que a negativa da Registradora Civil, entre outros pontos, visa a garantir a segurança jurídica do negócio jurídico em questão, guiado também pelo princípio da heteronomia da vontade.

Seja como for, ainda que se tenha compreensão diversa, é patente que o prazo de mais de dois anos impede a utilização da Escritura Pública, a qual, ultrapassa, em muito, a dicção legal acerca da ineficácia do pacto antenupcial se não lhe seguir o casamento.

Bem assim, por todo o exposto, compreendo que assiste razão à Senhora Titular e não acolho a impugnação ofertada pelas partes, ficando indeferida a utilização da Escritura Pública de Pacto Antenupcial lavrada aos 13/01/2020, devendo os nubentes providenciarem a lavratura de ato atual ou, alternativamente, optarem pelo regime legal de bens para o casamento.

Considerando-se a questão de interesse geral, publique-se a presente decisão. Encaminhe-se cópia integral dos autos à E. Corregedoria Geral da Justiça, por e-mail, servindo a presente como ofício.

Ciência à Senhora Registradora, que deverá cientificar os consortes, e ao Ministério Público.

P.I.C.


(Processo 1020127-64.2022.8.26.0100 – DJe de 16/03/2022 – SP)

Texto selecionado e originalmente divulgado pelo INR.

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