Inventário extrajudicial + bens no exterior + impossibilidade
Pedido de Providências – Obrigação de Fazer / Não Fazer – A.B.M.
VISTOS, Cuida-se de obrigação de fazer cumulada com pedido de liminar, formulado por A. de B. M. e outros, originalmente destinado ao MM. Juízo da Família e Sucessões, para determinar que a Senhora 29ª Tabeliã de Notas da Capital proceda à lavratura de Escritura de Inventário, mesmo diante de sua qualificação notarial negativa.
Os autos foram redistribuídos a esta Corregedoria Permanente, sem interposição de recurso pela parte requerente, e recebidos como pedido de providências, ante a atribuição administrativa deste Juízo (fls. 86/87 e 90/91). A Senhora Delegatária prestou esclarecimentos às fls. 94/95. A parte interessada tornou aos autos para reiterar os termos de seu pedido inicial, para que este Juízo Administrativo determine à Senhora Tabeliã a lavratura da Escritura de Inventário (fls. 98/122).
O Ministério Público apresentou parecer opinando pela manutenção do óbice imposto pela Senhora Titular e consequente devolução do feito a uma das Varas de Família (fls. 126/127).
É o breve relatório. Decido.
Cuida-se de obrigação de fazer cumulada com pedido de liminar, formulado por A. de B. M. e outros, originalmente destinado ao MM. Juízo da Família e Sucessões, para determinar que a Senhora 29ª Tabeliã de Notas da Capital procedesse à lavratura de Escritura de Inventário, mesmo diante de sua qualificação notarial negativa. Os autos foram recebidos neste Juízo Administrativo como pedido de providências, sem recurso pela parte autora. Consta dos autos que foi julgada procedente a ação de abertura, registro e cumprimento de testamento, pelo óbito de S. M., falecido aos **/**/2020.
Foi autorizada a lavratura de Inventário Extrajudicial, nos termos do Provimento CGJ nº 37/2016. Todavia, ao apresentarem o testamento e a sentença, para cumprimento e lavratura da devida escritura à Senhora 29º Tabeliã de Notas da Capital, a d. Notária levantou óbice ao pleito, referindo que o rol de bens que consta do testamento apresentado não corresponde à atualidade da herança e meação a ser transferida. Ademais, há bens no exterior.
Referem os autores que o atraso na lavratura do inventário traz prejuízo às partes, em especial junto da Fazenda Pública, em razão do imposto devido pela transmissão de bens. A seu turno, a Senhora Delegatária esclareceu que somente pode proceder à lavratura de inventário na via extrajudicial se a situação dos bens e documentação estiverem em conformidade, o que não ocorre no presente caso, posto que os bens dispostos em testamento não correspondem mais à realidade do espólio.
Igualmente, apontou a Senhora Delegatária que o espólio possui bens no exterior, os quais não podem ser inventariados na via extrajudicial. Por fim, ressaltou a Tabeliã que os entraves indicados somente podem ser resolvidos, no seu entender, na esfera judicial.
Em similar sentido, manifestou-se o d. Promotor de Justiça, referindo pela impossibilidade de lavratura extrajudicial do Inventário.
Pois bem. O presente pleito não merece guarida, uma vez que o óbice imposto pela Senhora Titular encontra-se bem firmado e dentro de seu mister de atuação. Ressalto que é função precípua do serviço notarial a conferência de fé-pública aos atos praticados e a garantia da segurança jurídica aos usuários. Nesse sentido é a redação dos itens 1º e 1.1, do Capítulo XVI, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, in verbis:
1. O Tabelião de Notas, profissional do direito dotado de fé pública, exercerá a atividade notarial que lhe foi delegada com a finalidade de garantir a eficácia da lei, a segurança jurídica e a prevenção de litígios.
1.1 Na atividade dirigida à consecução do ato notarial, atua na condição de assessor jurídico das partes, orientado pelos princípios e regras de direito, pela prudência e pelo acautelamento.
Com efeito, a qualificação notarial negativa efetuada pela Senhora Titular se encontra regularmente inserida dentro de seu leque de atuação, objetivando, exatamente, como descrito nas NSCGJ, “garantir a eficácia da lei, a segurança jurídica e a prevenção de litígios”, em atuação que protege, inclusive, o próprio representante. Desse modo, dentro de sua independência funcional, uma vez fundamentado o óbice, refoge do âmbito de atribuições deste Juízo Administrativo determinar que a Senhora Tabeliã proceda à lavratura de ato, contra seu entendimento fundamentado.
Também não há que se falar em autorização para a lavratura, uma vez que as pendências apontadas, de fato, somente podem ser superadas, se o caso, na via judicial. Por fim, o campo de atribuições deste Juízo, exclusivamente no âmbito administrativo, conforme bem indicado à parte autora às fls. 90/91, se limita à verificação do cumprimento dos deveres e obrigações dos titulares de delegações afeta à Corregedoria Permanente desta 2ª Vara de Registros Públicos da Capital.
Neste sentido, estritamente correicional, a atuação da Senhora Tabelião foi hígida e ilibada, nada havendo que desabone sua conduta na negativa ofertada. Destarte, diante desse painel, reputo satisfatórias as explicações apresentadas pela ilustre Delegatária, inclusive não vislumbrando responsabilidade funcional apta a ensejar a instauração de procedimento administrativo, no âmbito disciplinar.
Nessas condições, indefiro o pedido inicial e, à míngua de providência censório-disciplinar a ser adotada, determino o arquivamento dos autos.
Ciência à Senhora Tabeliã e ao Ministério Público.
P.I.C.
Dr. Marcelo Benacchio, Juiz de Direito
Nota: Formatação livre pelo editor.
DJe de 11/05/2021–SP