ITCMD: Inventário Extrajudicial: exigência de juros e multa
Assim, exigir dos optantes pela via extrajudicial o cálculo e recolhimento do ITCMD na data de lavratura da escritura de inventário violaria o princípio da isonomia, em comparação aos optantes pela via judicial.
Apelação Cível – Mandado de segurança – ITCMD – Inventário Extrajudicial – Exigência da juros e multa prevista no Art. 21, I, da Lei Estadual nº 10.705/2000 – Inadmissibilidade – Formalização em ato notorial, com unicidade de audiência, e não propriamente por processo ou procedimento (sequência de atos tendentes a um fim) – Inexistência de extrapolação do prazo legal a ensejar a incidência da multa de protocolização, observando-se que, no inventário extrajudicial, nos termos do Provimento nº 55/2016 da Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo, a nomeação do inventariante deverá ser considerada como o termo inicial do prazo – Precedentes desta Corte de Justiça – Segurança concedida em primeiro grau – Sentença mantida – Recurso não provido. (ementa não oficial)
ACÓRDÃO –
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1003281-21.2019.8.26.0053, da Comarca de São Paulo, em que é apelante ESTADO DE SÃO PAULO, são apelados MARIALICE MAZZINI OLIVEIRA SANTOS REBER, PAULA VICTORIA REBER e ANA CARLA REBER.
ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 13ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores FLORA MARIA NESI TOSSI SILVA (Presidente sem voto), BORELLI THOMAZ E ISABEL COGAN.
São Paulo, 24 de agosto de 2020.
DJALMA LOFRANO FILHO, Relator
Voto nº 18333
Apelação Cível nº 1003281-21.2019.8.26.0053 – Comarca: São Paulo – Apelante(s): Estado de São Paulo – Apelado(a)(s): Marialice Mazzini Oliveira Santos Reber e outros
Juiz Sentenciante: Dr.(a) João Guilherme Ponzoni Marcondes
RELATOR: DJALMA LOFRANO FILHO
APELAÇÃO CÍVEL. Mandado de segurança. ITCMD. Inventário Extrajudicial. Exigência da juros e multa prevista no Art. 21, I, da Lei Estadual nº 10.705/2000. Inadmissibilidade. Formalização em ato notorial, com unicidade de audiência, e não propriamente por processo ou procedimento (sequência de atos tendentes a um fim). Inexistência de extrapolação do prazo legal a ensejar a incidência da multa de protocolização, observando-se que, no inventário extrajudicial, nos termos do Provimento nº 55/2016 da Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo, a nomeação do inventariante deverá ser considerada como o termo inicial do prazo. Precedentes desta Corte de Justiça. Segurança concedida em primeiro grau. Sentença mantida. Recurso não provido.
Vistos.
Trata-se de recurso de apelação interposto nos autos do mandado de segurança impetrado por Marialice Mazzini Oliveira Santos Reber e outros contra ato do Delegado da Delegacia Regional Tributária da Capital – DTC III. Na sentença de fls. 278/280, foi concedida a ordem para afastar a incidência de multa e acessórios moratórios relativos ao tributo discutido nos autos quanto aos impetrantes e, consequentemente, anular as sanções administrativas decorrentes. Custas na forma da lei, sem condenação em honorários advocatícios, porque não cabíveis na espécie (Súmulas 512 do STF e 105 do STJ).
Inconformado, o apelante postulou a reforma da r. sentença, aos seguintes argumentos: a) só ao legislador estadual compete a fixação de regras sobre impostos cuja instituição seja de sua competência; b) em que pese a abertura prévia de arrolamento, os impetrantes não confirmaram a primeira declaração e tampouco emitiram guias para recolhimento do ITCMD dentro do prazo legal; c) quanto aos juros, a previsão encontra-se no Artigo 17 da Lei Estadual 10.705/00 (fls. 285/296).
O recurso foi respondido a fls. 300/310.
É o relatório.
Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física e jurídica sofrer violação, ou houver justo receio de sofrê-la, por parte da autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem às funções que exerça (Art. 1º da Lei Federal nº 12.016/2009).
Na lição de Hely Lopes Meirelles, “Direito líquido e certo é o que se apresenta manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercitado no momento da impetração. Por outras palavras, o direito invocado, para ser amparável por mandado de segurança, há de vir expresso em norma legal e trazer em si todos os requisitos e condições de sua aplicação ao impetrante: se sua existência for duvidosa, se sua extensão ainda não tiver sido delimitada, se seu exercício depender de situações ou fatos ainda indeterminados, não rende ensejo à segurança, embora possa ser defendido por outros meios judiciais” (Meirelles, Hely Lopes. Mandado de Segurança e Ações Constitucionais. 35ª edição. São Paulo: Ed. Malheiros, 2013, p. 37).
Cuida-se de mandado de segurança impetrado por Marialice Mazzini Oliveira Santos Reber e outros contra ato do Delegado da Delegacia Regional Tributária da Capital – DTC III objetivando o afastamento da multa e dos juros cobrados sobre o ITCMD.
Afirmam as autoras que, com o falecimento de Raymond Ernest Reber, marido da apelada Marialice Mazzini Oliveira Santos Reber e pai das apeladas Ana Carla Reber e Paula Victoria Reber, estas, por meio de sua advogada, imediatamente, iniciaram as providências para o arrolamento extrajudicial.
Contudo, realizada busca perante o Colégio Notarial, descobrindo-se a existência de testamento lavrado no 4º Tabelião de Notas, Livro 1992 e Fls. 044/049, em 05/02/1988, e as apeladas foram compelidas a promover Ação de Abertura, Registro e Cumprimento de Testamento, fato que paralisou todos os procedimentos para a lavratura da escritura e consequente recolhimento do imposto em questão.
Ainda de acordo com as autoras, ao acessar o site da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, a fim de gerar e pagar a guia de ITCMD, verificou-se a exorbitante cobrança: o tributo era de R$19.559,50, mas foram cobrados juros de mora de R$586,79 e multa de mora de R$3.911,92, além de multa de protocolização de R$3.911,92, perfazendo para cada herdeira o valor de R$27.970,22, no total de R$55.940,44, e somente a multa totalizava R$16.821,26.
Sendo assim, questionam a aplicação da multa e da cobrança de juros por atraso no pagamento do ITCMD, com fulcro no artigo 21, inciso I, da Lei Paulista nº 10.705/2000:
“Artigo 21 – O descumprimento das obrigações principal e acessórias, instituídas pela legislação do Imposto sobre Transmissão “Causa Mortis” e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos – ITCMD, fica sujeito às seguintes penalidades:
I – no inventário e arrolamento que não for requerido dentro do prazo de 60 (sessenta) dias da abertura da sucessão, o imposto será calculado com acréscimo de multa equivalente a 10% (dez por cento) do valor do imposto; se o atraso exceder a 180 (cento e oitenta) dias, a multa será de 20% (vinte por cento);”.
Como se viu, no caso em comento, não foi possível finalizar o arrolamento extrajudicial e o consequente recolhimento do imposto, em virtude da existência de testamento deixado pelo falecido.
Como é sabido, o termo inicial do procedimento de inventário extrajudicial é a data da escritura de nomeação de inventariante.
Logo, a formalização do inventário extrajudicial se opera em ato notarial, com unicidade de audiência pelo Tabelião de Notas, e não por processo ou procedimento.
Oportuna a citação de voto do E. Des. J. M. Ribeiro de Paula, no recurso de apelação nº 1036194-38.2017.8.26.0114, da 12ª Câmara, em 16/10/2018, que bem elucida a questão:
“(…) cumpre saber qual é o termo de abertura do inventário extrajudicial para correta contagem do prazo de sessenta dias.
Nos termos do Art. 615, par. único do CPC, a abertura do inventário judicial se dá com o requerimento respectivo, ato inaugural do procedimento, instruído apenas com a certidão de óbito do autor da herança.
Nesse caso, o prazo de sessenta dias é contado entre a data da abertura da sucessão (falecimento do de cujus ) e a da data do pedido de inventário; contudo, apenas após a nomeação e compromisso do inventariante é que serão feitas as primeiras declarações, indicando os herdeiros e bens que comporão a partilha (Artigo 617, par. único, c.c. 620, CPC).
Já no inventário extrajudicial não há prévio requerimento de abertura, pois é procedido em ato único, ou seja, quando da lavratura da escritura de inventário e partilha.
Assim, exigir dos optantes pela via extrajudicial o cálculo e recolhimento do ITCMD na data de lavratura da escritura de inventário violaria o princípio da isonomia, em comparação aos optantes pela via judicial.
Buscando superar esse tratamento desigual, foi exarado o Parecer nº 195/2016-E no Processo CGJ nº 2016/822279, por Juiz Assessor da Corregedoria, Dr. Swarai Cervone de Oliveira, que equiparou a lavratura da escritura de nomeação do inventariante, no inventário extrajudicial, ao requerimento de inventário, no processo judicial:
‘A lavratura da escritura pública autônoma de nomeação de inventariante pode assemelhar-se ao ato de instauração do inventário judicial. Supera-se, com isso, a dificuldade de os herdeiros terem que reunir, no exíguo prazo de sessenta dias, toda a documentação e consenso necessários para a realização do inventário e partilha extrajudiciais. Basta a lavratura da escritura autônoma, com os dados e documentos previstos no item 114, e se considerará iniciado o procedimento – aí sim se poderá falar em sucessão de atos de inventário extrajudicial. Posteriormente, será lavrada a escritura definitiva de inventário e partilha.
‘O referido Parecer deu origem ao Provimento nº 55/2016 da Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo, que acrescentou os subitens 105.2 e 105.3 ao item 105, do Capítulo XIV, das NSCGJ Tomo II:
105.2. A nomeação de inventariante será considerada o termo inicial do procedimento de inventário extrajudicial.
105.3. Para a lavratura da escritura de nomeação de inventariante será obrigatória a apresentação dos documentos previstos no item 114 deste Capítulo.”
Conforme mencionou o magistrado “a quo”:
“É razoável considerar, em interpretação teleológica, que as impetrantes jamais pretenderam furtar-se ao fisco ou causar delonga no recolhimento de tributo, pelo contrário, sua conduta se mostrou diligente e transparente. Por conseguinte, a interpretação meramente literal acerca da incidência de multa e acessórios moratórios geraria grande injustiça, sobretudo porque a finalidade da norma não seria observada e, mais do que isto, contribuinte diligente poderia ser penalizado em virtude de delonga que não lhe é imputável e igualmente relativa a conduta estatal, por demora processual.” (fls. 279).
Portanto, considerando que não houve atraso no pagamento do ITCMD por qualquer motivo que poderia ser imputado às impetrantes, não há que se falar no pagamento do imposto com juros e multa.
Nesse sentido, este Eg. Tribunal de Justiça:
“APELAÇÃO E REEXAME NECESSÁRIO Mandado de segurança ITCMD Inventário Extrajudicial Exigência da multa prevista no Art. 21, I, da Lei Estadual nº 10.705/2000 Inadmissibilidade Formalização em ato notorial, com unicidade de audiência, e não propriamente por processo ou procedimento (sequência de atos tendentes a um fim) – Inexistência de extrapolação do prazo legal a ensejar a incidência da multa de protocolização, observando-se que no inventário extrajudicial, nos termos do Provimento nº 55/2016 da Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo, a nomeação do inventariante deverá ser considerada como o termo inicial do prazo Sentença mantida. RECURSO VOLUNTÁRIO E REEXAME NECESSÁRIO DESPROVIDOS.” (TJSP; Apelação / Remessa Necessária 1051923-59.2018.8.26.0053; Relator: Vicente de Abreu Amadei; Órgão Julgador: 1ª Câmara de Direito Público; Foro Central – Fazenda Pública/Acidentes – 3ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 26/03/2019; Data de Registro: 26/03/2019).
“MANDADO DE SEGURANÇA Inventário extrajudicial Multa prevista no Art. 21, I, da Lei nº 10.705/00 Não incidência O termo inicial do procedimento de inventário extrajudicial é a data da escritura de nomeação de inventariante, que, no caso dos autos, se deu 57 dias após a abertura da sucessão Princípio da isonomia item 105.2, do Capítulo XIV, das NSCG Precedentes do TJSP Sentença concessiva da ordem mantida Recursos de apelação e reexame necessários, desprovidos.” (TJSP; Apelação / Remessa Necessária 1036194-38.2017.8.26.0114; Relator (a): J. M. Ribeiro de Paula; Órgão Julgador: 12ª Câmara de Direito Público; Foro de Campinas – 1ª Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 16/10/2018; Data de Registro: 16/10/2018).
Portanto, fica mantida a r. sentença por seus próprios e jurídicos fundamentos.
Diante do exposto, nega-se provimento à apelação.
DJALMA LOFRANO FILHO, Relator
Dados do processo: TJSP – Apelação Cível nº 1003281-21.2019.8.26.0053 – São Paulo – 13ª Câmara de Direito Público – Rel. Des. Djalma Lofrano Filho – DJ 14/09/2020.
Decisão selecionada e originalmente divulgada pelo INR