Inventário e dívidas trabalhistas

TJSP – Pedido de Providências – Tabelionato de Notas – T.N. – D.C.F.I. – S.T. e Outros – Juiz de Direito: Dr. Marcelo Benacchio.

Existência de ações de execução em face do falecido e seus herdeiros, alegando que os equívocos no ato notarial foram provocados com vistas a obstar a ciência quanto aos bens disponíveis para constrição no curso daqueles procedimentos judiciais.

VISTOS, Trata-se de pedido de providências instaurado a partir de comunicação encaminhada pela Senhora Interina do xxº Tabelionato de Notas da Capital, noticiando irregularidades na lavratura de escritura pública de inventário e partilha dos bens deixados por M.K.N. perante a unidade. Os autos foram inicialmente instruídos com os documentos de fls. 04/08. Posteriormente, carreou-se a cópia do debatido ato notarial, juntado às fls. 105/119, bem como dos documentos que indicam os erros apontados, às fls. 253/254 (certidão de débitos trabalhistas e certidão de casamento da herdeira). Ainda, às fls. 238/239, juntou-se a cópia da sentença do MM. Juízo da Família autorizando o inventário extrajudicial. A Senhora Tabeliã Interina prestou esclarecimentos às fls. 15/16, 104, 228/230, 236/237, 248/252 e 271/276. Habilitaram-se nos autos, demonstrado o interesse jurídico, a empresa D.C.F.I., manifestando-se às fls. 22/23, 83/84, 127/128 e 260/263; e S.T., ofertando manifestações às fls. 29, 33 e 232. O Ministério Público acompanhou o feito, pugnando, ao final, pela quebra de confiança na Senhora Interina, ante as graves irregularidades averiguadas (fls. 288/289).

É o breve relatório. Decido.

Cuida-se de expediente formulado pela Senhora Interina do xxº Tabelionato de Notas da Capital, informando que tomou conhecimento de irregularidades na lavratura de escritura pública de inventário e partilha dos bens deixados por M.K.N. perante a unidade. Narrou a Senhora Interina que em 1º de julho de 2019, foi lavrada perante a unidade, pela escrevente M.R.V.B., a escritura pública de inventário e partilha dos bens deixados pelo falecimento de M.K.N., oportunidade em que foram colhidas as assinaturas das partes envolvidas. Ato contínuo, aos 05 de julho de 2019, após a subscrição do ato, durante segunda conferência para “baixa no sistema”, apurou-se a existência de dois equívocos na redação do ato, gerando-se nota devolutiva à escrevente responsável pela inscrição do documento, solicitando-se às partes o comparecimento para a lavratura de escritura de retificação e ratificação para as devidas correções, bem como retendo-se a expedição de translados e certidões, até a pertinente regularização da situação.

Nesse sentido, explanou a Senhora Designada que, durante a indicada segunda conferência, averiguou-se o erro relativo ao estado civil da herdeira C.A.K., que figurou como divorciada, quando em realidade casada era, bem como a informação relativa à existência de débitos trabalhistas, que constou erroneamente como negativa, quando, em verdade, restava positiva. Bem assim, noticia a Senhora Interina que provocou o presente pedido de providências em razão de que os herdeiros e o advogado presente ao ato, apesar de notificados por diversas vezes da necessidade de comparecimento para a realização da retificação-ratificação, quedaram-se inertes, em aparente prejuízo ao interesse de terceiros, que contataram a unidade objetivando a expedição de certidão do referido inventário, para a defesa de direitos. Com efeito, aduziu que a conferência dos atos realizados pela unidade se dá em duas etapas: primeiramente, antes da subscrição, e em um segundo momento, após a subscrição, para finalização do ato no sistema e arquivamento da documentação. Explanou que, de fato, houve equívoco por parte da preposta que redigiu o ato, bem como do setor de conferências, que não se atentaram às informações incorretas quanto ao estado civil da herdeira e aos débitos trabalhistas.

A seu turno, manifestaram-se os terceiros interessados, D.C.F.I. e S.T., noticiando a existência de ações de execução em face do falecido e seus herdeiros, alegando que os equívocos no ato notarial foram provocados com vistas a obstar a ciência quanto aos bens disponíveis para constrição no curso daqueles procedimentos judiciais. Nessa senda, indico, por pertinente, que, para além das incorreções apontadas pela Senhora Interina, no tocante ao estado civil da herdeira e à negatividade dos débitos trabalhistas, restou incorreta a afirmação efetuada no item 4.1 e item 5, indicando a inexistência de dívidas e obrigações perante terceiros, conforme bem apontado pelo terceiro interessado.

O Ministério Público, asseverando a gravidade da ocorrência, sugere a quebra de confiança deste Juízo Corregedor Permanente na Senhora Designada.

Pois bem. Assiste razão à ilustre Promotora de Justiça ao afirmar a gravidade dos fatos narrados. De fato, a conferência realizada foi deveras falha, bem como a desatenção da colaboradora, ignorando a documentação apresentada, o que resultou em documento com teor infiel à realidade jurídica. Todavia, há de se ressalvar que a ocorrência se deu em momento de transição da direção da unidade, logo após a declaração da perda de delegação imposta ao antigo Tabelião.

No mais, destaque-se que, tão logo ciente da gravidade da ocorrência, recorreu a Designada a esta Corregedoria Permanente com vistas a solucionar a questão. Inobstante, noticiou a Senhora Interina que os procedimentos internos, com a fluência do tempo de nova gestão, foram modificados e aperfeiçoados, bem como os funcionários envolvidos foram investigados e apenados, sendo que a escrevente responsável pela lavratura do ato foi suspensa, por três dias, e o setor de conferência reorganizado.

Por conseguinte, verifico que os elementos probatórios coligidos nos autos não autorizam a formação de convencimento no sentido de que a Senhora Designada tenha incorrido em falha funcional, não ensejando, por ora, a instauração de procedimento de quebra de confiança. Todavia, advirto a Senhora Interina para que mantenha-se atenta e zelosa na fiscalização e orientação dos prepostos sob sua responsabilidade, de modo que falhas assemelhadas não voltem a ocorrer, indicando, também, que considere se deve ou não manter as permissões de lavratura de atos complexos à escrevente envolvida nos fatos narrados, bem como a subscrição ao Substituto responsável.

Não é possível nesta via administrativa eventual exame da validade da partilha realizada por instrumento público, a questão, se o caso, deve ser objeto de ação jurisdicional específica a cargo dos interessados.

Noutra quadra, determino o bloqueio definitivo do ato notarial de forma não sejam expedidas certidões sem autorização desta Corregedoria Permanente. Além disso, as partes que demonstraram interesse jurídico no conhecimento dos bens elencados no inventário já tiveram acesso aos autos, de tudo restando ciente. A pena administrativa aplicada pela Sra. Interina a Sra. Escrevente não padece de nulidade a luz das apurações realizadas, pelo que consta até esse momento.

Outrossim, reputo conveniente a extração de peças de todo o expediente para encaminhamento à Central de Inquéritos Policiais e Processos – CIPP, nos termos do Artigo 40 do Código de Processo Penal ante aos indícios de ilícito penal e a gravidade do fato. Ulteriormente, não havendo outras providências de ordem administrativas a serem adotadas por este Juízo, determino o arquivamento dos autos. Translade-se cópia da presente decisão aos autos em apenso, arquivando-se oportunamente.

Ciência à Senhora Interina e ao Ministério Público. Encaminhe-se cópia desta decisão a Egrégia Corregedoria Geral da Justiça, por e-mail, servindo a presente decisão como ofício.

P.I.C.

Dr. Marcelo Benacchio


Processo 1101784-33.2019.8.26.0100. Esse texto não substitui o publicado no DJe-SP, em 22 de junho de 2020.

Lei mais sobre Recomendação do CNJ de apresentação de CND trabalhista em atos notariais envolvendo imóveis

N.E.: Art. 663 do CPC: “A existência de credores do espólio não impedirá a homologação da partilha ou da adjudicação, se forem reservados bens suficientes para o pagamento da dívida.”

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