Foi uma senhora caridosa, o de cujus

O “De Cujus“, os “De Cujus“, a “De Cujus“, as “De Cujus

Artigo do Dr. Silvio Teixeira Moreira*

O termo “de cujus”, quando pinçado de textos latinos, adquire individualidade própria e deve tornar-se invariável, quanto ao número ou gênero.

“De cujus” é retirado da expressão latina “is de cujus successione agitur…” (aquele de cuja sucessão se trata).

Passou a ter vida e significado próprios e, inclusive, a ser empregado, no capítulo e no trato da Sucessão, como substituto ideal dos vocábulos pouco agradáveis: “defunto”, “morto” ou “falecido”. Um eufemismo, pois, mas, cercado de algumas e sérias dificuldades, quanto ao seu correto uso.

A expressão, extraída de uma locução mais longa, tal como acontece com os institutos do “habeas corpus” ou do “uti possidetis“, adquire forma e significado próprios e se torna insuscetível de análise gramatical, sob a óptica pura do Latim ou do Português, sobretudo quando se pretende empregá-la para significar mais de um falecido, uma ou mais de uma falecida.

É bom não esquecer que “de cujus” é integrado por uma preposição (de = a respeito de, sobre), que pede ablativo, e do genitivo singular (cujus) de um pronome (qui), preposição e pronome que não guardam entre si relação ou dependência, uma vez que o “de” rege, sim, outra palavra da locução maior (successione).

A expressão, aproximados os termos modificante e modificado, assim se enunciaria: “is de successione cujus agitur”.

Mas, passados para o plural e postos os termos na ordem direta, chegaríamos a “ei de successione quorum agitur” (ao pé da letra: os, ou aqueles, sobre a sucessão dos quais se trata...) expressão que, transposta para um Latim mais palatável e um Português mais vernáculo, daria: ei de quorum successione agitur (os, aqueles, de cuja sucessão se trata); no feminino singular: “ea de cujus successione agitur” (aquela de cuja sucessão se trata); no feminino plural: “eae de quarum successione agitur” (aquelas de cuja sucessão se trata).

Examinada, pois, a questão sob o enfoque do Latim, parece desarrazoado negar que a expressão, para sujeitos no plural, haveria de ser “de quorum” para significar os autores da herança (“ei ou ii de quorum successione agitur”) e “de quarum”, quando se quisesse significar as falecidas: “eae de quarum successione agitur“.

Vê-se que a dificuldade reside em preterir o já arraigado “de cujus” em favor do genitivo plural masculino e feminino – “os de quorum” e “as de quarum” – que, aos ouvidos não acostumados aos casos latinos, soariam estranhos ou, até mesmo, pedantes.

Não ouso discordar da corrente que preconiza a variação, tão somente, dos artigos: “o”, “a”, “os”, “as” seguidos do intocável “de cujus”, para todos os casos de autores da herança: “o de cujus“, “a de cujus“, “os de cujus” e “as de cujus“.

Assim me posiciono, ao entendimento de que o termo “de cujus“, como muitos outros, quando pinçados de textos latinos, adquirem individualidade própria e devem tornar-se invariáveis, quanto ao número ou gênero, fazendo-se a distinção com o uso dos artigos, como, por exemplo, “um ou vários habeas corpus” e não “um ou vários habeatis corpora“.

Registre-se, de passagem, que vários autores grafam “sucessione” (com um “c”), mas todas as palavras derivadas de “succedo, is, succedi, successum, succedere””, devem ser grafadas com dois “c”, como é o caso de “successio, onis”: sucessão. É como consta da edição facsimilar do “Dicionário Latino de Saraiva”, de 1927.


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Silvio Teixeira Moreira foi desembargador do TJ/RJ, ex-promotor de Justiça do MP/SP, ex-professor de Latim e advogado criminal. Texto original publicado por Migalhas.

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