Princípio da Instância

ACÓRDÃO

EMENTA: Registro de Imóveis – Dúvida inversa – Ingresso de carta de arrematação – Recusa fundada na exigência de prévia regularização de construção cuja existência não consta do fólio real – Cindibilidade do título para registro da aquisição do terrenodescrito conforme a matrícula – Possibilidade de posterior averbação da construção, respeitado o princípio da instância – Exigência insubsistente – Recurso provido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL Nº 52.723-0/5, da Comarca de SÃO VICENTE, em que é apelante MARIA THEREZA FERNANDES DOS SANTOS e apelado o OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS, CIVIL DE PESSOA JURÍDICA E TABELIÃO DE PROTESTO DE  LETRAS E TÍTULOS da mesma Comarca.

ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação  unânime, em dar provimento ao recurso.

Trata-se de recurso interposto por Maria Thereza Fernandes dos Santos, contra a r. decisão de primeiro grau, que, na apreciação de dúvida inversamente suscitada,  manteve a exigência apresentada pelo oficial de registro de imóveis da Comarca de São Vicente, inadmitindo o registro de carta de arrematação sem prévia regularização da construção existente no lote objeto da matrícula nº 114.936 do referido registro imobiliário.

Sustentou a recorrente a reforma da r. decisão recorrida, afirmando ter adquirido o imóvel por meio de arrematação em praça pública, e que a existência da construção é comprovada por documento fiscal municipal. Sustentou, ainda, que a arrematação do bem em processo judicial constitui meio originário de aquisição. Requereu autorização para que seja registrada apenas a aquisição do terreno, com a subseqüente averbação da  construção.

A Douta Procuradoria Geral da Justiça manifestou-se pelo provimento do recurso. A apelação foi inicialmente distribuída para a Egrégia 5ª Câmara de Direito Privado, que não conheceu do recurso e determinou a remessa dos autos a este Colendo Conselho  Superior da Magistratura. O julgamento foi convertido em diligência com o encaminhamento dos autos à origem para a prenotação do título, o que foi feito (fls. 101).

É o relatório.

Pretende a recorrente o registro da aquisição do lote nº 07, da quadra nº 02, do loteamento denominado “Vila Margarida”, objeto da matrícula nº 114.936 do registro de imóveis da Comarca de São Vicente, com a posterior averbação da construção mencionada na carta de arrematação com área diversa da expressa em documento fiscal municipal.

A competência para decisão da presente dúvida, que envolve ato de registro em sentido estrito, é deste Colendo Conselho Superior da Magistratura, como bem fixado no v. Acórdão de fls. 87/89 da Egrégia 5ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. MARCUS  ANDRADE.

Superada, com a prenotação do título, falha no processamento da dúvida inversamente suscitada, verifica-se a improcedência da exigência do oficial registrador, por ser possível, no caso, a cindibilidade do título para dele extratar somente o que comporta inscrição, ou seja, o registro da aquisição do lote de terreno, viabilizando a posterior  averbação da edificação, que ainda não consta do fólio real.

Há sedimentado entendimento deste Colendo Conselho Superior da Magistratura quanto à possibilidade, no regime da Lei Federal nº 6.015/73, de cisão do título, para considerá-lo apenas no que interessa, pois a referida lei, ao instituir o sistema cadastral, deixou de exigir a reprodução textual dos instrumentos recepcionados no fólio real para  que ele reflita apenas aquilo que for possível no cadastro. Neste sentido o julgado nas  Apelações Cíveis nºs 2.642-0, 21.841-0/1 e 25.887-0/0, havendo, nesta última, a título exemplificativo, expressa referência à insubsistência de exigência consistente em  “vedar registro de venda e compra de terreno, com desconsideração de acessão artificial, só porque esta não se encontra previamente averbada, quando à parte interessa, num primeiro momento, a titularidade do lote para, num segundo instante, regularizar registralmente a construção.”

No caso dos autos consta da carta de arrematação ter sido penhorado o lote de terreno,  com descrição idêntica à presente na matrícula nº 114.936 do registro de imóveis da Comarca de São Vicente. Essa descrição foi repetida no edital de praça e no auto de  arrematação, com a inclusão da notícia de que sobre o terreno fora edificada uma  residência.

Verifica-se, portanto, inexistir ofensa ao princípio da especialidade registrária, viável o registro da aquisição do lote do terreno, com a cisão do título para, aproveitado o que comporta inscrição no fólio real, seja afastado o que não pode constar do registro, no  caso a averbação de construção cuja área expressa no título difere da constante do  lançamento tributário.

Essa averbação poderá ser feita posteriormentecom a apresentação da documentação pertinente, respeitado o princípio da instância.

A solução se apresenta semelhante à recentemente adotada por este Colendo Conselho Superior da Magistratura no julgamento da Apelação Cível nº 53.266-0/6, nos seguintes  termos:

“É certo que não há ofensa ao princípio da especialidade registrária, consoante reiteradas decisões deste Colendo Conselho Superior da Magistratura. Na verdade, a realidade indica que o auto de penhora extraído da referida medida judicial, refere-se, com exclusividade, ao objeto da transcrição nº 17.726 do 1º tabelião de notas, protesto de letras e títulos e oficial de registro de imóveis, títulos e documentos e civil de pessoa jurídica da Comarca de Tanabi, relativamente a um terreno, sem benfeitorias, com  frente para a Rua Joaquim da Costa Maciel, contendo a área de 1.452,00 m2.

Há menção, no referido auto, a respeito da eventual existência de uma construção no local. Todavia, tal construção não se encontra averbada na matrícula já mencionada, o que constitui um dos óbices levantados pelo oficial registrador. Pois bem, é induvidoso que o mandado de registro de penhora submetido ao oficial registrador, guarda relação com o respectivo auto, nada mencionando sobre a eventual construção existente no local.

Em outras palavras, tem-se que o mandado em questão apenas determinou o registro da penhora recaindo sobre uma parte ideal do terreno, sem benfeitorias, localizado no Município e Comarca de Tanabi. Assim, possível o registro pretendido pelo recorrente, independentemente da averbação exigida pelo oficial registrador, que não pode ser prestigiada.  Ademais, o título em questão descreve o imóvel conforme o que consta da transcrição, respeitada, por via de conseqüência, a especialidade registrária.

Se há notícia de área construída, tal não obsta o registro do mandado de inscrição da penhora, pois que elementos estranhos ao título causal não ofendem o registro-suporte (Apelação Cível nº 34.252-0/3, da Comarca de Piracaia, Relator o Desembargador Márcio Martins Bonilha).

Outrossim, eventual existência de construção e correspondente averbação deverá ser feita oportunamente, à vista do competente “habite-se”, e a requerimento do interessado, respeitado, de qualquer forma, o princípio da instância, ocasião em que será exigível, se for o caso, a comprovação da inexistência de débito perante INSS.”

Ante o exposto, dão provimento ao recurso.

Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Desembargadores MÁRCIO MARTINS BONILHA, Presidente do Tribunal de Justiça, e AMADOR DA CUNHA  BUENO NETTO, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça.

 São Paulo, 10 de setembro de 1999.

(a) SÉRGIO AUGUSTO NIGRO CONCEIÇÃO, Corregedor Geral da Justiça e Relator.


 

 

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