Piroporcotecnia: é difícil mudar
por João Baptista Galhardo
Em todo final de ano há promessas de mudanças. Mas, quando o novo se inicia as promessas são deixadas para trás. Como todo regime para emagrecer, que fica adiado para a próxima segunda-feira. A realidade é que todos têm medo de alterar qualquer sistema ao qual esteja apegado. Seja profissional, familiar, político ou social. Há o temor do novo. Do que é simples ou que pode ser simplificado. Muitos preferem o prolixo e não pensar na síntese.
Parodiando a fábula dos porcos assados, contam que há muitos anos num Reino, todos os habitantes se alimentavam principalmente de carne crua de porco. Por essa razão (e eles não sabiam), muitos morriam ainda jovens ou tinham o movimento de braços, pernas e face alterados. A média de vida era curta. Tudo porque a maior parte dos habitantes era portadora de cisticercose, com as larvas dos vermes cistóides da carne crua de porco passeando pelo cérebro dos súditos e provocando estragos no corpo de cada um, reduzindo-lhes o tempo de existência.
Certo dia, porém, houve um incêndio num bosque onde havia alguns porcos que morreram queimados. As pessoas, acostumadas a comer carne crua, experimentaram e gostaram da carne assada dos suínos. A partir daí toda vez que queriam comer um porco assado incendiavam um bosque colocando ali o bichinho para morrer queimado.
O novo sistema de comer porco se propagou, mas muita coisa precisava ser aperfeiçoada. Ora os porcos fugiam das chamas. Ora ficavam apenas tostados. Havia necessidade de se aprimorar a assadura de porcos, bem como a formação de bosques para serem incendiados.
E, desde então, o Governo Soberano passou a formar especialistas em assar porcos nos bosques. Foram estabelecidos cursos de Porcologia. Congressos anuais com a apresentação de trabalhos sobre o assunto. Surgiram mestrandos e mestres em Piroporcotecnia. Seminários sobre como colocar os porcos em pontos estratégicos dentro dos bosques, antes de se atear fogo. As escolas criaram a especialidade para incendiadores de bosques de assar porcos.
Foi incentivada a anemometecnia, com a formação de anemometécnicos, especialistas na aferição da velocidade e direção dos ventos. Pois dependendo de onde eles vinham os porcos poderiam sair dos bosques crus ou mal passados.
Eram milhares de pessoas empregadas na preparação dos bosques que logo seriam incendiados. Formou-se um Ministério para estudo de formação de bosques com árvores próprias para a queima necessária. Deveriam crescer rapidamente, não ter folhas, nem frutos e de fácil reposição.
Era problemática a colocação dos porcos antes de serem queimados nos bosques. Precisaram-se de professores especializados nessas construções.
Surgiram Movimentos Sociais para que se desse à população pobre um pedaço de terra para formação de bosques para assar porcos. Mas pouco adiantaria o atendimento. Eles não teriam porcos para assar.
As universidades criaram cadeiras sobre a matéria. Nos Encontros anuais os Porcólogos sugeriam, por exemplo, aplicar triangularmente o fogo, depois de determinada velocidade do vento, posicionando enormes ventiladores em direção oposta para guiar o fogo sobre os porcos.
Um dia, um súdito e Conselheiro, que fora Phd em incêndio, chamado João Bom Senso, pediu uma audiência pessoal ao Rei. Disse ao Monarca que os problemas poderiam ser facilmente resolvidos. Bastava matar, limpar e colocar o porco numa armação metálica sobre brasas, até que o efeito do calor (e não as chamas) assasse a carne.
O Rei ficou indignado com a sugestão.
– Você está doido? Está doido? Eu quero solução. Não problema. O que eu vou fazer com os anemometécnicos. Onde vou empregar o conhecimento dos especialistas acendedores? E os tecnocratas em sementes? E com as árvores importadas? E os desenhistas de instalações para porcos, com suas máquinas purificadoras de ar? Milhões de bosques plantados?. E o Programa de Reforma e Melhoramentos do Sistema, na iminência de ser implantado pelo Ministério dos Bosques? Onde vou colocar os engenheiros formados em Piroporcotecnia?
Temos que melhorar o sistema. Não transformá-lo radicalmente. Você é um maluco, para não dizer aloprado.
João não disse mais nada. Saiu de fininho. E daí em diante Bom Senso nunca mais participou de qualquer reunião da Monarquia.
E quando alguém perguntava ao Rei sobre o João Bom Senso. Ele dizia: – aquele pirado? Não sei. Nem quero saber.
Assar porco na brasa?
– Olha o cara… meu!!!