Formal de Partilha – ITCMD – discordância fazendária pelas vias próprias

“No exercício de suas funções, cumpre aos oficiais de registro fazer rigorosa fiscalização do pagamento dos impostos devidos por força dos atos que lhes forem apresentados em razão do ofício.”

Pese embora sua força semântica, o adjetivo “rigorosa” não há de ser interpretado de modo tal que torne o Oficial de Registro guardião-mor do erário. Se, à evidência, não pode o Sr. Oficial permitir o registro quando recolhimento tributário nenhum houver, ou quando o valor pago seja flagrantemente inferior ao devido, tampouco lhe é dado, de outro bordo, tornar-se julgador de controvérsias jurídicas atinentes à extensão do montante devido. Assim é que, não se tendo recolhido tributo algum, será lícito que obste o registro. Todavia, apresentando o interessado prova do recolhimento tributário e expedido o formal de partilha, eventual discordância Fazendária acerca do quantum debeatur não será impedimento ao registro. Haverá, outrossim, de ser solucionada pelas vias judiciais próprias.

ACÓRDÃOS
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
Apelação nº 1066691-48.2015.8.26.0100
Registro: 2016.0000639386

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 1066691-48.2015.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que são partes é apelado 5º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DE SÃO PAULO, é apelante JOSÉ PEDRO DE OLIVEIRA SOUZA.
ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento ao recurso. V. U. Deram provimento ao recurso, para julgar improcedente a dúvida, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PAULO DIMAS MASCARETTI (Presidente), ADEMIR BENEDITO, XAVIER DE AQUINO, LUIZ ANTONIO DE GODOY, RICARDO DIP (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E SALLES ABREU.
São Paulo, 30 de agosto de 2016.
MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS
Corregedor Geral da Justiça e Relator
Apelação n.º 1066691-48.2015.8.26.0100
Apelado: 5º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo
Apelante: José Pedro de Oliveira Souza
VOTO N.º 29.531
Registro de imóveis – Dúvida – Formal de partilha – Registro negado, ao argumento de recolhimento a menor de ITCMD – Impossibilidade – Não pode o Sr. Oficial obstar registro por entender que o valor recolhido a título de tributo é inferior ao devido – Dúvida improcedente – Recurso provido.
Cuida-se de recurso de apelação tirado de r. sentença da MM. Juíza da 1ª Vara de Registros Públicos da Capital, que julgou procedente dúvida suscitada para o fim de manter a exigência de complemento no recolhimento de ITCMD, pelo valor que a Fazenda Estadual entende correto, para levar a efeito registro de formal de partilha de inventário.
O apelante afirmou, em síntese, ter recolhido o montante de ITCMD que entendia correto. Sustentou que a norma a que se apega a Fazenda Estadual para exigir complemento do tributo não estava em vigor ao tempo da abertura da sucessão. Defendeu não ser dado ao Oficial de Registro decidir acerca de questões fiscais controvertidas entre as partes. Discorreu, por fim, sobre o valor recolhido, que seria expressivo, a evidenciar intuito de efetivamente saldar a obrigação tributária.
A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo provimento do recurso.
É o relatório.
À luz do art. 289 da Lei de Registros Públicos:
“No exercício de suas funções, cumpre aos oficiais de registro fazer rigorosa fiscalização do pagamento dos impostos devidos por força dos atos que lhes forem apresentados em razão do ofício.”
Pese embora sua força semântica, o adjetivo “rigorosa” não há de ser interpretado de modo tal que torne o Oficial de Registro guardião-mor do erário. Se, à evidência, não pode o Sr. Oficial permitir o registro quando recolhimento tributário nenhum houver, ou quando o valor pago seja flagrantemente inferior ao devido, tampouco lhe é dado, de outro bordo, tornar-se julgador de controvérsias jurídicas atinentes à extensão do montante devido. Assim é que, não se tendo recolhido tributo algum, será lícito que obste o registro. Todavia, apresentando o interessado prova do recolhimento tributário e expedido o formal de partilha, eventual discordância Fazendária acerca do quantum debeatur não será impedimento ao registro. Haverá, outrossim, de ser solucionada pelas vias judiciais próprias.
Como leciona Flávio Gonzaga Bellegarde Nunes:
“Consoante entendimento da doutrina e da jurisprudência, o registrador deve apenas fiscalizar o pagamento dos impostos gerados com os negócios jurídicos que lhe são submetidos para registro ou averbação. Não é atribuição do registrador verificar se o montante do imposto recolhido está ou não exato. Aos órgãos fazendários competentes é que cabe essa verificação. Portanto, não é lícita a recusa da prática do ato de registro ou averbação, sob alegação de que o imposto teria sido pago a menor.” (Lei de Registros Públicos Comentada, Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 1485)
Para o mesmo Norte aponta a uníssona orientação deste Egrégio Conselho Superior da Magistratura:
“A recusa do Oficial fundou-se na existência de equívoco na base de cálculo do ITCMD considerada, que não teria observado o artigo 16-A da Portaria CAT 15/2003, que previa que a base de cálculo seria o valor médio divulgado pelo Instituto de Economia da Secretaria da Agricultura do Estado de São Paulo.
A questão apontada pelo Oficial está relacionada ao exame material do montante de imposto devido, cuja atribuição é da Fazenda respectiva e foge do exame da regularidade formal do título.
(…) No caso, não há flagrante equívoco no recolhimento. Ao contrário, a questão é controvertida e não pode ser imposta pelo Oficial, cabendo ao órgão fazendário a análise substancial do valor devido.
Posto isso, dou provimento ao recurso para julgar improcedente a dúvida suscitada e admitir o registro do título em exame.” (APELAÇÃO CÍVEL: 0001427-77.2013.8.26.0648, DJ 9/9/14, Rel. Des Elliot Akel)
“Ao Oficial cabe fiscalizar, sob pena de responsabilização pessoal, a existência da arrecadação do imposto previsto e a oportunidade em que foi efetuada. O montante, desde que não seja flagrantemente equivocado, extrapola a sua função.” (Apelação Cível CSM n.º 0002604-73.2011.8.26.0025, j. 20/09/2012, Rel. Des Renato Nalini)
“REGISTRO DE IMÓVEIS. Dúvida julgada procedente em primeiro grau. Formal de partilha. ITCMD tido por insuficiente pelo Registrador. Dever de fiscalização do pagamento pelo Oficial que se limita à averiguação do recolhimento do tributo devido, mas não de seu valor. Recurso provido”. (Apelação Cível CSM n.º 996-6/6, j. 09/12/2008, Relator Des. Ruy Camilo)
Na específica hipótese dos autos, a guia de fls. 118 faz prova de efetivo pagamento de ITCMD, pelo valor de R$335.977,02, em 5/8/99. Trata-se de quantia de vulto, a afastar a possibilidade de recolhimento ínfimo com escopo único de forçar a ocorrência do registro pretendido. A divergência apresentada pela Fazenda Estadual (fls. 113/117) há de ser dirimida pela via judicial própria. E, frisese, não se tem notícia de demanda manejada pela Fazenda com tal mister. Não compete, pois, ao Sr. Oficial imiscuir-se na questão.
Sobremais, a argumentação apresentada pela Fazenda Estadual, a fls. 113/117, para se opor à suficiência do recolhimento já feito, diz respeito, exclusivamente, à base de cálculo do ITR, que, a seu turno, influi na base de cálculo do ITCMD. Em suma, apenas acerca dos imóveis rurais pende a controvérsia. No tocante à influência dos imóveis urbanos inventariados na base de cálculo do ITCMD controvérsia alguma existe. Todavia, o que se nota na situação versada é que os registros referentes aos imóveis rurais, sobre os quais remanesce a questão tributária, foram concretizados. O óbice aqui tratado é de registro de imóvel urbano, em que não resvala o debate tributário aludido.
Desta feita, dou provimento ao recurso, para julgar improcedente a dúvida.
MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS
Corregedor Geral da Justiça e Relator

DJe de 04/10/2016 – SP

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