Doação simulada, preço vil na venda do imóvel

1ª VRP-SP – Dúvida – Simulação de Venda e Compra – valor do objeto irrisório em face do real – nulidade – procedência.

Vistos.

Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do XXº Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de S. M. N., diante da recusa de ingresso da escritura de venda e compra lavrada perante o xº Tabelionato de Notas da Capital, na qual E. N. transmite o imóvel matriculado sob nº xxx à suscitada.

O óbice registrário refere-se ao preço do bem, equivalente a R$5.000,00 (cinco mil reais), que foi considerado vil, tendo em vista a dissonância entre o valor da venda e o venal de referência na data do instrumento (R$166.244,00) e na data da escritura (R$419.314,00).

Esclarece o Registrador que apesar de denominado compra e venda, o negócio aparenta uma simulação, tendo características de doação.

Ressalta ainda a coincidência dos sobrenomes da vendedora e compradora, denotando algum grau de parentesco entre elas. Juntou documentos às fls.03/15.

A suscitada não apresentou impugnação, conforme certidão de fl.16.

O Ministério Público opinou pela procedência da dúvida.

É o relatório. Decido.

Com razão o Registrador e a Douta Promotora de Justiça. O contrato para configurar compra e venda deve possuir as seguintes características: o consentimento, a coisa e o preço. Da análise da escritura verifica-se que o imóvel, cujo valor venal à data do instrumento é de R$419.134,00, foi vendido por R$5.000,00 (cinco mil reais), o que leva a crer que houve verdadeiro contrato de doação simulado em compra e venda.

Como ensina Carlos Roberto Gonçalves, a simulação: É uma declaração falsa, enganosa, da vontade, visando aparentar negócio diverso do efetivamente desejado (in Direito Civil Brasileiro, Volume I, Parte Geral, Editora Saraiva, 2ª edição, 2005, páginas 440 e 441).

O negócio simulado é nulo, nos termos do artigo 167, II, do Código Civil,

“Art.167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma.

1° Haverá simulação nos negócios jurídicos quando:

I – aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem;

II – contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira;

III – os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados.

2° Ressalvam-se os direitos de terceiros de boa-fé em face dos contraentes do negócio jurídico simulado.”

Ressalto que a consideração de um negócio por outro trará repercussão na esfera tributária. É certo que ao Oficial de Registro cumpre fiscalizar o pagamento dos impostos devidos por força dos atos que lhe forem apresentados em razão do ofício, na forma do art. 289 da Lei nº 6.015/73, sob pena de responsabilização pessoal, salvo hipótese de isenção devidamente demonstrada.

Por fim, como bem explanou o Registrador, existe patente coincidência dos sobrenomes da vendedora e compradora, o que pressupõe a fraude e consequente nulidade do negócio jurídico.

Diante do exposto, julgo procedente a dúvida suscitada pelo Oficial do xº de Registros de Imóveis da Capital, a requerimento de S. M. N., mantendo o entrave registrário.

Não há custas, despesas processuais ou honorários advocatícios decorrentes deste procedimento.

Oportunamente, arquivem-se os autos.

P.R.I.C.

São Paulo, 12 de agosto de 2016.

Tania Mara Ahualli Juíza de Direito

1ª VRP-SP

(DJe de 16/08/2016 – SP)


Veja acórdão do STJ sobre o preço vil e usura real

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