União Estável: pode ser alterado o regime da comunhão parcial fixado em Lei?

Entendemos que para fixação ou alteração do regime legal fixado em Lei, devem ser cumpridos os requisitos do citado Art. 1.639, § 2°, do Código Civil de 2002, servindo-se para tanto as partes, única e exclusivamente da via judicial.

Conforme se denota do § 2º do Artigo 1.639 do Código Civil Brasileiro, o legislador permitiu a alteração do regime de bens no curso do casamento, dispondo que “é admissível alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados direitos de terceiros”.

Os requisitos necessários ao acolhimento do pedido de alteração de regime de bens são:

a) Autorização judicial; b) Pedido conjunto dos cônjuges; c) Exposição dos motivos; d) Comprovação, perante o juiz, da veracidade das razões; e e) Ressalva dos direitos de terceiros.

Neste sentido, por razões de ordem constitucional, também deverá se permitir alteração do regime de bens no curso da união estável, eis que se trata, também, de entidade familiar constitucionalizada.

De fato, estabelece a Constituição três preceitos, de cuja interpretação chega-se à inclusão das entidades familiares não referidas explicitamente. São eles, chamando-se atenção para os termos em destaque: a) “Art. 226 A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”. (caput); b) “§ 4o Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”. c) “§ 8o O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”.

No caput do Art. 226 operou-se a mais radical transformação, no tocante ao âmbito de vigência da tutela constitucional à família. Não há qualquer referência a determinado tipo de família, como ocorreu com as constituições brasileiras anteriores.

Ao suprimir a locução “constituída pelo casamento” (Art. 175 da Constituição de 1967-69), sem substituí-la por qualquer outra, pôs sob a tutela constitucional “a família”, ou seja, qualquer família. A cláusula de exclusão desapareceu. O fato de, em seus parágrafos, referir a tipos determinados, para atribuir-lhes certas conseqüências jurídicas, não significa que reinstituiu a cláusula de exclusão, como se ali estivesse a locução “a família, constituída pelo casamento, pela união estável ou pela comunidade formada por qualquer dos pais e seus filhos”.

A interpretação de uma norma ampla não pode suprimir de seus efeitos situações e tipos comuns, restringindo direitos subjetivos. O objeto da norma não é a família, como valor autônomo, em detrimento das pessoas humanas que a integram. Antes foi assim, pois a finalidade era reprimir ou inibir as famílias “ilícitas”, desse modo consideradas todas aquelas que não estivessem compreendidas no modelo único (casamento), em torno do qual o direito de família se organizou.

“A regulamentação legal da família voltava-se, anteriormente, para a máxima proteção da paz doméstica, considerando-se a família fundada no casamento como um bem em si mesmo, enaltecida como instituição essencial” (Cf. Gustavo Tepedino, in A Nova Família: Problemas e Perspectivas, Vicente Barreto (coord.), Rio, Renovar, 1997, p. 56).

No sentido coincidente do texto, diz o autor, ibidem, que hoje “não se pode ter dúvida quanto à funcionalização da família para o desenvolvimento da personalidade de seus membros, devendo a comunidade familiar ser preservada (apenas) como instrumento de tutela da dignidade da pessoa humana”).

O caput do Art. 226 é, consequentemente, cláusula geral de inclusão, não sendo admissível excluir qualquer entidade que preencha os requisitos de afetividade, estabilidade e ostensibilidade.

A regra do § 4o do Art. 226 integra-se à cláusula geral de inclusão, sendo esse o sentido do termo “também” nela contido. “Também” tem o significado de igualmente, da mesma forma, outrossim, de inclusão de fato sem exclusão de outros. Se dois forem os sentidos possíveis (inclusão ou exclusão), deve ser prestigiado o que melhor responda à realização da dignidade da pessoa humana, sem desconsideração das entidades familiares reais não explicitadas no texto.

Os tipos de entidades familiares explicitados nos parágrafos do Art. 226 da Constituição são meramente exemplificativos, sem embargo de serem os mais comuns, por isso mesmo merecendo referência expressa.

As demais entidades familiares são tipos implícitos incluídos no âmbito de abrangência do conceito amplo e indeterminado de família indicado no caput. Como todo conceito indeterminado, depende de concretização dos tipos, na experiência da vida, conduzindo à tipicidade aberta, exemplificativa, enriquecida com a experiência da vida.

Orlando Gomes (in O Novo Direito de Família, Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris, 1984, p. 66) refere-se às famílias derivadas “da mãe com os filhos de sucessivos pais, ausentes ou invisíveis, comuns nas camadas mais baixas da população”; às que reúnem crianças sem pais, criadas e educadas por “genitores convencionais”; ás comunidades extensas e unificadas; ao grupo composto de velhas amigas aposentadas que, refugando o pensionato, unem-se para proverem juntas suas necessidades. ), dotada de ductilidade e adaptabilidade (Cf. Paulo Luiz Netto Lobo. Entidades Familiares Constitucionalizadas: Para Além do Numerus Clausus. A Repersonalização das Relações de Família, in O Direito de Família e a Constituição de 1988, Coord. Carlos Alberto Bittar, São Paulo, Saraiva, 1989, p. 53-81.).

Mas, o que efetivamente importa é que a própria Carta Constitucional de 1988 pretendeu dar tratamento equânime ao casamento e à união estável, colocando-os em pé de igualdade, pelo que, para alteração do regime legal de bens da união estável, ou se impõe também os mesmos requisitos exigidos no casamento (Artigo 1.639, § 2º do Código Civil de 2002), ou não se aplique, ao casamento, a exigência daqueles requisitos, permitindo-se, da mesma forma da união estável, que a alteração de regime de bens seja feita através de contrato escrito (no caso Escritura Pública registrada).

Desta forma, prima facie, estabelecida a união estável – ainda sem considerar que seu inicio se deu anteriormente à vigência do Código Civil de 2002 – com base no Princípio Constitucional da Isonomia – já que a união estável deve ser tratada tal como o casamento – entendemos que para fixação ou alteração do regime legal fixado em Lei, devem ser cumpridos os requisitos do citado Artigo 1.639, § 2°, do Código Civil de 2002, servindo-se para tanto as partes, única e exclusivamente da via judicial.

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Publicado no Blog do Profº Maurício Scheinman em 03/09/2009

Vide artigo de Rafael Depieri, do CNB-SP, sobre os conviventes maiores de 70 anos

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