Desmembramentos sucessivos: fraude a lei

Registro de imóveis – Averbação de desmembramento – Recusa – Desmembramentos sucessivos, com abertura e alargamento de vias públicas – Loteamento – Recurso desprovido.

… Doações de terreno para as municipalidades ou vias particulares que se transformam em públicas, entre outros meios que se arraste a profusa imaginação criadora de tantos parceladores do solo, não são instrumentos idôneos a que, com o só decurso de breve espaço de tempo, um loteamento de transmude em desmembramento!

TJ-SP – Processo CG n° 2015/124714

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,

Trata-se de recurso administrativo interposto em face de sentença que manteve a recusa de averbação de desmembramento de imóvel.

Ela se deveu, basicamente, ao fato de que o Oficial considerou haver desmembramentos sucessivos, em burla à Lei nº 6.766/79, conforme o item 170.4, do Capítulo XX, das NSCGJ.

O recorrente alega que não se trata de desmembramento com intuito de comercialização de lotes, não há previsão de realização de obras de infraestrutura nem criação de empreendimento. Não existe, por isso, intenção de burla à Lei nº 6.766/79.

A Douta Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo desprovimento do recurso.

É o relatório. OPINO.

O recurso não merece provimento.

O encadeamento de sucessivos desmembramentos demonstra que, desde a matrícula nº 34.189, criaram-se as matrículas nº 34.989 e 34.990 e essa última, por sua vez, fez surgir seis outras novas. Agora, pretende-se mais um desmembramento, com criação de mais duas áreas distintas.

Como bem lembrou o Oficial de Registro, três das áreas desmembradas foram doadas ao Poder Público, para abertura e alargamento de vias públicas.

A abertura e alargamento de via públicas, com consequente alteração do sistema viário, descaracteriza a figura singela do desmembramento. A situação é de loteamento.

O conceito de loteamento é dado pela própria Lei nº 6.766/79. Após definir, no art. 1º, que “o parcelamento do solo para fins urbanos será regido por essa Lei”, o legislador explicita, no art. 2º, o que se deve entender por loteamento e desmembramento:

Art. 2º O parcelamento do solo urbano poderá ser feito mediante loteamento ou desmembramento, observadas as disposições desta Lei e as das legislações estaduais e municipais pertinentes.

  • 1º – Considera-se loteamento a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos ou prolongamento, modificação ou ampliação das vias existentes.
  • 2º – Considera-se desmembramento a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com aproveitamento do sistema viário existente, desde que não implique na abertura de novas vias e logradouros públicos, nem no prolongamento, modificação ou ampliação dos já existentes.

O item 170.4, do Capítulo XX, das NSCG reza:

170.4. Nos desmembramentos, o oficial, sempre com o propósito de obstar expedientes ou artifícios que visem a afastar a aplicação da Lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979, cuidará de examinar, com seu prudente critério e baseado em elementos de ordem objetiva, especialmente na quantidade de lotes parcelados, se se trata ou não de hipótese de incidência do registro especial. Na dúvida, submeterá o caso à apreciação do Juiz Corregedor Permanente.

Ora, aqui, a quantidade de lotes parcelados e a alteração do sistema viário – ainda que de pequeno porte – descaracterizam a figura do desmembramento. E pouco importa a aprovação da Prefeitura Municipal, pois a análise final da adequação à Lei nº 6.766/79 se faz no momento do registro.

Aplica-se ao caso o precedente do processo CG 1.539/96, com parecer do então Juiz Assessor da Corregedoria Geral da Justiça, Francisco Eduardo Loureiro, e aprovação do então Corregedor. Desembargador Márcio Martins Bonilha:

“Há outra questão que, embora não abordada na decisão atacada, constitui óbice ao singelo averbamento da rua. E que o interessado parcelou o solo inovando o sistema viário, como demonstra, de modo insofismável, a planta que mandou elaborar. Tal operação tem nome a figura jurídica em nosso direito positivo: loteamento. Mais do que averbar a rua, necessita o recorrente regularizar o loteamento que implantou à margem da lei. De pouca valia a isolada aprovação do parcelamento por parte da Prefeitura Municipal. Ressalte-se desde logo, que, nos exatos termos do parágrafo único do artigo 1º da Lei nº 6.766/79, ‘Os Estados, o Distrito Federal e os municípios poderão estabelecer normas complementares relativas ao parcelamento do solo municipal para adequar o previsto nesta lei às peculiaridades regionais e locais.’ Via de consequência, a só aprovação municipal não basta para elidir texto expresso de lei federal que determina o registro especial de loteamentos. Entender o contrário seria permitir aos Municípios contornar o que dispõe lei federal, tornando-a letra morta. Já ficou assentado em precedente desta Corregedoria Geral que ‘nem alegue o suscitado que a aprovação pela Prefeitura teve o condão de regularizar o loteamento. A jurisdicização do loteamento se dá com o registro e não com a aprovação, e nem esta implica naquele. A se atender a pretensão do suscitado, estar-se-ia dando legitimidade ao que não é legítimo. A averbação pretendia pelo requerente esbarra nas disposições da Lei nº 6.766/79, à qual deve se subordinar todo e qualquer loteamento do solo para fins urbanos (art. 10º)’ (Decisões Administrativas da Corregedoria Geral da Justiça, Ed. RT, biênio 1.981/1.982, ementa nº 37.1). É entendimento corrente desta Corregedoria, ainda, que ‘a averbação da abertura de ruas não é alternativa para ladear a inscrição do loteamento’ (decisões da CGJ, ano de 1.986, ementa nº 102). Ou, mais, que ‘doações de terreno para as municipalidades ou vias particulares que se transformam em públicas, entre outros meios que se arraste a profusa imaginação criadora de tantos parceladores do solo, não são instrumentos idôneos a que, com o só decurso de breve espaço de tempo, um loteamento de transmude em desmembramento’ (decisões, ano 1.987, ementa nº 77).”

Pelo exposto, o parecer que, respeitosamente, submeto à apreciação de Vossa Excelência propõe o desprovimento do recurso.

Sub censura.

São Paulo, 17 de agosto de 2015.

Swarai Cervone de Oliveira

Juiz Assessor da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria, e por seus fundamentos, que adoto, nego provimento ao recurso.

Publique-se. São Paulo, 24/08/2015.

(a) HAMILTON ELLIOT AKEL – Corregedor Geral da Justiça.

Diário da Justiça Eletrônico de 04/09/2015

 

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