Alienação de vaga de garagem para não condômino

Processo 1107811-71.2015.8.26.0100 – Dúvida – Registro de Imóveis – Alienação de vaga de garagem venda para não condômino – vaga autônoma – ausência de autorização expressa na convenção de condomínio – dúvida procedente.

Vistos. Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 10º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de All Park Empreendimentos, Participações e Serviços S/A, em face da negativa em se efetuar o registro de escritura de compra e venda na qual consta como vendedora Esser General Empreendimentos Imobiliários Ltda. e como compradora a suscitada, tendo como objeto 19 vagas de garagem matriculadas sob nºs 136.644 a 136.662 e localizadas no Condomínio “Trademark Faria Lima”.

O óbice imposto consiste na inobservância da redação do Artigo 1.331, § 2º, do Código Civil, que estabelece a necessidade de constar no ato constitutivo do Condomínio a possibilidade de alienação de vaga de garagem a terceiros não condôminos. Esclarece o Registrador que não há qualquer permissão na Convenção, bem como a suscitada não é proprietária de qualquer conjunto no mencionado condomínio, sendo certo que a lei não faz distinção entre condomínios residenciais e comerciais. Juntou documentos às fls.03/175.

A suscitada aduz que se trata de vagas de garagem autônomas, ou seja, possuem caráter exclusivo e matrícula própria, não vinculada a outra unidade do condomínio, razão pela qual é livre sua alienação, não sendo necessária a anuência dos demais condôminos para a efetivação do ato. Esclarece que o condomínio, de acordo com sua Convenção, tem natureza eminentemente comercial, recebendo grande fluxo diário de pessoas e veículos, sendo que há previsão de exploração da atividade comercial de estacionamento, razão pela qual não se aplica o Artigo 1.331 á presente hipótese (fls. 176/179).

O Ministério Público opinou pela procedência da dúvida (fls.183/185).

É o resumo. Passo a fundamentar e a decidir.

Pretende a suscitada o registro de escritura de venda e compra de 19 vagas de garagem localizadas no Condomínio “Trademark Faria Lima”. A exigência do Registrador tem como fundamento o Artigo 1331, § 1º, do Código Civil, que preceitua: “Art. 1331: Pode haver, em edificações, partes que são propriedade exclusiva, e partes que são propriedade comum dos condôminos … §2º O solo, a estrutura do prédio, o telhado, a rede geral de distribuição de água, esgoto, gás e eletricidade, a calefação e refrigeração centrais, e as demais partes comuns, inclusive o acesso ao logradouro público, são utilizados em comum pelo condôminos, não podendo ser alienados separadamente, ou divididos”.

É assente perante a doutrina pátria que tal exigência visa a segurança interna dos condôminos, bem como o estabelecimento das regras de convivência. Segundo o entendimento de Ademar Fioranelli (Direito Registral Imobiliário, editora Sergio Antonio Fabris, 2001, p. 582/583) e Flauzilino Araújo dos Santos (Condomínios e Incorporações no Registro de Imóveis, editora Mirante, 2011, p. 119/124), a vaga de garagem pode estar compreendida numa das seguintes espécies: (a) garagem de uso comum (= em garagem coletiva): a garagem é uma das coisas de uso comum do prédio; não tem matrícula própria, e comumente vem descrita, na instituição e especificação de condomínio, com a expressão “pode-se estacionar um veículo na garagem coletiva com (ou sem) auxílio de manobrista”; (b) acessório da unidade autônoma: pode ser determinada ou indeterminada; não tem matrícula própria, e na matrícula da unidade autônoma a área da vaga vai descrita com a área total, ou separadamente (= uma descrição para a área da unidade autônoma, e outra para a da vaga de garagem); (c) vinculada a uma unidade autônoma: pode ser determinada ou indeterminada; é acessório da unidade autônoma, mas, além disso, também está vinculada a ela unidade autônoma; não tem matrícula própria, e na matrícula da unidade autônoma a área da vaga vai descrita com a área total, ou separadamente; e (d) unidade autônoma: para tanto, a vaga tem de possuir saída para via pública, diretamente ou por passagem comum, e ainda é necessário que: (1) a cada espaço corresponda fração ideal do terreno e das vias comuns; (2) a dependência do edifício em que esteja a vaga tenha sido construída segundo as regras urbanísticas aplicáveis a um imóvel autônomo; (3) demarcação efetiva; (4) designação numérica; (5) descrição na especificação do condomínio, com área, localização e confrontações; (6) possibilidade material de construir-se algum tipo de parede-meia, a qual, entretanto, pode deixar de fazer-se por conveniência de manobras. Os atributos de domínio de uso exclusivo (área, numeração, fração) e mesmo a existência de uma matrícula não são suficientes para afirmar que em certo caso se trate de própria e verdadeira unidade autônoma (e há casos de vagas indeterminadas para as quais erroneamente se abriram matrículas).

Assim, para a regularidade da alienação de uma vaga de garagem é necessário que se atente a qual espécie ela pertence, já que cada uma delas tem disciplina jurídica própria. Na hipótese sob exame, existe uma área coletiva, englobando as 19 vagas, não individualizadas. Em primeiro lugar, a alienação só será possível se a vaga de garagem possuir especialidade suficiente para constituir objeto de direito real, o que não ocorre quando ela for de uso comum (garagem coletiva); for acessória de unidade autônoma, ou vinculada a unidade autônoma, não existir delimitadamente, ou não possuir descrição independente (dentro da matrícula da unidade autônoma, ou em matrícula própria); ou constituir como um todo, única unidade autônoma, e a vontade de alienar não partir da unanimidade dos condôminos.

Além disso, as vagas de garagem só podem ser alienadas para condôminos, nos termos do Art. 1331, § 1º, do Código Civil, salvo se a alienação para estranhos estiver expressamente autorizada na Convenção Condominial. Apesar das matrículas das vagas de garagem conferir-lhes o “status” de unidades autônomas, não podem ser assim caracterizadas, uma vez que não há delimitação em relação ao espaço que ocupam no Condomínio, razão pela qual constituem vagas indeterminadas, sujeitas às regras estabelecidas na convenção condominial, segundo a qual não há qualquer previsão de alienação a terceiros sem o consentimento dos condôminos.

No mais, conforme mencionado pelo Registrador, a suscitada não é proprietária de qualquer conjunto localizado no Edifício, ou seja não é condômina, sendo que isso por si só já abala a segurança dos demais condôminos. Logo, diante da inexistência de comprovação de que a adquirente da vaga seja condômina no Edifício, bem como não há qualquer ressalva na Convenção Condominial permitindo a alienação do abrigo para veículos a estranhos, deverá persistir o entrave.

Diante do exposto, julgo procedente a dúvida suscitada pelo Oficial do 10º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de All Park Empreendimentos, Participações e Serviços S/A, e consequentemente mantenho o óbice registrário.

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais e honorários advocatícios. Oportunamente, remetam-se os autos ao arquivo, com as cautelas de praxe.

P.R.I.C.

São Paulo, 25 de novembro de 2015.

Tania Mara Ahualli, Juíza de Direito

– ADV: KAROLINA MOREIRA DE MENEZES (OAB 130279/MG)

(DJe de 04/02/2016 – SP)

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