Aquisição de bem por menor incapaz – necessidade de alvará judicial
TJSP – CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n° 9000002-71.2014.8.26.0470, da Comarca de Porangaba, em que é apelante ANDRÉ ARRUDA NAVARRO, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE PORANGABA.
ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. V. U.”, de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores JOSÉ RENATO NALINI (Presidente), GUERRIERI REZENDE (DECANO), ARTUR MARQUES, PINHEIRO FRANCO, RICARDO ANAFE E EROS PICELI (VICE PRESIDENTE).
São Paulo, 29 de setembro de 2015.
HAMILTON ELLIOT AKEL, Corregedor Geral da Justiça e Relator
Apelação Cível nº 9000002-71.2014.8.26.0470
Apelante: André Arruda Navarro
Apelado: Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Porangaba/SP
VOTO Nº 34.276
Registro de imóveis – Escritura de compra e venda – Aquisição de bem por menor incapaz – Origem desconhecida dos recursos – Necessidade de alvará judicial – Verificação, pelo ministério público e pelo órgão jurisdicional, da efetiva proteção do interesse do menor – Impossibilidade de registro – Precedente do Egrégio Conselho Superior da Magistratura – Recurso desprovido.
Vistos.
Trata-se de recurso de apelação interposto em face de sentença que julgou procedente dúvida suscitada pelo Oficial do Registro de Imóveis de Porangaba, que negou registro de escritura de venda e compra, relativa à aquisição de bem imóvel por menor relativamente capaz.
No recurso, argumenta-se que o bem foi adquirido com recursos do próprio interessado e que só há de se exigir alvará para a venda de bens de menor, não para a compra. Colaciona precedente da 1º Vara de Registros Públicos da Capital.
A D. Procuradoria de Justiça opinou pelo desprovimento do recurso.
É o relatório.
Passo a decidir.
O recurso não comporta provimento.
Há precedente recente do Egrégio Conselho Superior da Magistratura (Apelação n.º 0072005-60.2013) citado pelo Oficial, similar ao caso dos autos. Aliás, a sentença mencionada nas razões de recurso foi reformada justamente no julgamento da mencionada apelação.
As razões de desprovimento do recurso, portanto, são as mesmas.
O item 41, ‘e’, do Cap. XIV, das NSCGJ, diz que o Tabelião de Notas, antes da lavratura de qualquer ato, deve:
“exigir os respectivos alvarás, para os atos que envolvam espólio, massa falida, herança jacente ou vacante, empresário ou sociedade empresária em recuperação judicial, incapazes, sub-rogação de gravames e outros que dependam de autorização judicial para dispor ou adquirir bens imóveis ou direitos a eles relativos, sendo que, para a venda de bens de menores incapazes, o seu prazo deverá estar estabelecido pela autoridade judiciária.”
O item é composto de duas partes distintas. A primeira parte diz que o Tabelião deve “exigir os respectivos alvarás, para os atos que envolvam espólio, massa falida, herança jacente ou vacante, empresário ou sociedade empresária em recuperação judicial, incapazes, sub-rogação de gravames e outros que dependam de autorização judicial para dispor ou adquirir bens imóveis ou direitos a eles relativos”. A segunda parte afirma que “para a venda de bens de menores incapazes, o seu prazo deverá estar estabelecido pela autoridade judiciária.”
Em nenhum momento o item dispõe que não é necessário alvará para a aquisição de imóvel por menor incapaz. Ao contrário. Ele é claro ao afirmar a exigência de alvará para atos que envolvam incapazes e outros que dependam de autorização judicial para dispor ou adquirir bens imóveis ou direitos a ele relativos.
A ressalva da segunda parte do item em nada infirma o que foi dito. Aliás, o dispositivo apenas repete o Art. 220, parágrafo único, das NSCGJ – Cartórios Judiciais. Trata-se, tão somente, de uma precaução a mais, dada a relevância, perante o ordenamento, da alienação de bem de menor incapaz. Exigem as Normas que, no caso específico de alvará para alienação, o prazo deverá estar estabelecido pela autoridade judiciária. De onde se conclui que, nos demais casos, embora necessário o alvará, não se exige a indicação de prazo.
Visto que as Normas não dispensam a apresentação de alvará, resta verificar se o Código Civil o faz. E a resposta também é negativa.
O Art. 1.691 dispõe que os pais não podem alienar, ou gravar de ônus real, os imóveis dos filhos, nem contrair, em nome deles, obrigações que ultrapassem os limites da simples administração, salvo por necessidade ou evidente interesse da prole, mediante prévia autorização do juiz.
O interessado aduz que não se tratou de alienar nem de gravar de ônus real imóvel de menor. Ao contrário, cuidou-se de adquirir patrimônio em seu favor, o que vai ao encontro de seu melhor interesse. Nada se perdeu, mas se acresceu ao patrimônio do incapaz. Daí porque seria desnecessária autorização judicial.
O argumento não convence. O negócio de compra e venda do imóvel implicou a contração de obrigação – pagamento do preço de R$45.000,00 – que ultrapassa, absolutamente, os limites da mera administração. E não há qualquer comprovação de necessidade ou evidente interesse do incapaz, o que, justamente, deveria ter sido feito mediante pedido de alvará, quando o Juiz verificaria a presença de tais requisitos.
Não se indicou, na escritura, de onde vieram os recursos para a compra do imóvel. Há de se presumir, portanto, que se tratou de recursos próprios do menor. É a única conclusão que permite a leitura do título e, também, das razões do recurso.
Ora, se são recursos do incapaz e se, como visto, o ato implicou a contração de obrigação que ultrapassa os limites da simples administração, é evidente que o alvará era necessário. Há uma série de circunstâncias que o Juiz Togado deve verificar para concluir que negócio de tal monta interessa mesmo ao incapaz ou se é necessário. Isso porque, na verdade, há possibilidade de que ele esteja sendo usado para encobrir fraude contra credores ou ao fisco, dado que o vendedor é seu pai.
Mesmo os aspectos relativos ao negócio em si deveriam ter sido apreciados pelo Ministério Público e pelo Juiz, no melhor interesse do menor. Cite-se, ainda que na esfera jurisdicional, trecho do Acórdão do Agravo de Instrumento nº 152.031.4-0 – Rel. Des. Zéiia Maria Antunes Alves, onde se esclarecem as razões pelas quais a intervenção é pertinente:
Agravo de Instrumento – Alvará – Aquisição de imóvel, com numerário de menor absolutamente incapaz – Avaliações elaboradas por imobiliárias – Inadmissibilidade – Necessidade de proteção do patrimônio do menor – Determinação de avaliação judicial, para aferição do real valor do bem – Recurso provido.
“Em se tratando de operação de venda e compra, por menor, absolutamente incapaz, com numerário próprio, representada por sua mãe, de rigor, para prevenir possível prejuízo, seja o bem imóvel, a ser adquirido, avaliado, por perito nomeado pelo Juízo.
Não basta, ao contrário do entendimento pela MM. Juíza ‘a quo’, embora louvável sua preocupação com os gastos com a perícia, a serem suportados pela própria menor, ora agravada, a juntada de avaliações, simples e sucintas, elaboradas por 03 (três) imobiliárias distintas, apresentadas por sua representante.
Tais avaliações, ainda que não se discuta a idoneidade das empresas que as realizaram, em razão de solicitadas por pessoa diretamente interessada na transação, não substituem, para o fim a que se destinam – compra de imóvel com numerário pertencente a menor, cujos interesses devem ser acima de tudo protegidos, a avaliação por perito judicial.
Impõe-se, na espécie, para a proteção e segurança do patrimônio da menor, ora agravada, total controle e pleno conhecimento, pelo Juízo e pelo Ministério Público, órgãos incumbidos pelo Estado de zelar pelos interesses dos incapazes, de todas as circunstâncias e pormenores do negócio, principalmente, o valor de mercado do imóvel.
Em assim sendo, imprescindível a avaliação judicial, por perito especializado, com descrição pormenorizada do imóvel e do local onde se situa, e, com indicação fundamentada de seu real valor de mercado.”
Dessa maneira, por qualquer ângulo que se analise a questão, a conclusão é pela necessidade do alvará, razão pela qual andou bem o Oficial ao negar o registro da escritura pública.
Ante o exposto, pelo meu voto, NEGO PROVIMENTO ao recurso.
HAMILTON ELLIOT AKEL, Corregedor Geral da Justiça e Relator
(Apelação n° 9000002-71.2014.8.26.0470 – DJe de 20/01/2016 – SP)