Inventariante extrajudicial – a nomeação é obrigatória
1ª VRP|SP: Registro. Escritura Pública de Inventário e Partilha. Cumprimento de obrigações do Espólio. Alvará. Desnecessidade. O consenso dos herdeiros substitui a autorização judicial. Do contrário, esvaziaria o intuito da lei de desburocratizar o procedimento. Porém, deve haver a indicação do compromissário comprador no ato. A manutenção da negativa do registro – nesse ponto – acarreta a procedência da dúvida, que não comporta procedência ou improcedência parcial. Dúvida procedente.
Dúvida – Suscitante: 14º Registro de Imóveis – Suscitado: M. L. M.
Sentença de fls. 46/49:
Vistos.
Trata-se de dúvida suscitada pelo 14º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo, que recusou o registro de escritura pública lavrada em dezembro de 2011, no XXº Tabelião de Notas desta Capital, por meio da qual o suscitado adquiriu do espólio de W. B. o imóvel matriculado sob nº 190.040.
Sustentou o Oficial que o registro não pôde ser efetuado em razão da falta de alvará judicial autorizando o espólio a vender o imóvel, visto que o inventário e a partilha do acervo hereditário do vendedor foram feitos por meio de escritura pública. Disse o Oficial, ainda, que a escritura pública de inventário e partilha não menciona a quem o imóvel foi compromissado.
O suscitado M. L. M. impugnou a dúvida (fls. 36/41).
O representante do Ministério Público opinou pela procedência da dúvida (fls. 43/44).
É o relatório. Decido.
A dúvida é procedente, mas não por todos os motivos sustentados pelo Registrador. Com efeito, o item 102 do Capítulo XIV das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça tem a seguinte redação: 102. É obrigatória a nomeação de interessado, na escritura pública de inventário e partilha, para representar o espólio, com poderes de inventariante, no cumprimento de obrigações ativas ou passivas pendentes, sem necessidade de seguir a ordem prevista no Art. 990 do Código de Processo Civil.
Esse representante do espólio, cuja nomeação é obrigatória, tem entre suas incumbências a de outorgar escritura de venda e compra em favor de compromissário comprador que, tendo quitado integralmente o preço, firmou o respectivo contrato com o falecido. Essa é justamente a hipótese dos autos. Desnecessário, no caso, a obtenção de alvará judicial para a lavratura da escritura por parte do representante do espólio. Isso porque a nomeação feita no momento da lavratura da escritura de inventário e partilha, que pressupõe consenso dos herdeiros (Art. 982 do Código de Processo Civil), substitui a autorização judicial.
A intenção do legislador, ao criar a figura do inventário extrajudicial, foi justamente facilitar e agilizar o procedimento de transferência do patrimônio em razão da morte. Todavia, caso o alvará seja exigido para a realização de qualquer ato por parte do representante do espólio escolhido consensualmente no momento da lavratura da escritura de inventário, o escopo de desburocratizar o procedimento não será alcançado.
Neste sentido, a doutrina: Porém, também poderá acontecer de ter o autor da herança deixado apenas obrigações a serem cumpridas, como, por exemplo, a outorga de escritura de venda e compra, cujo preço já foi integralmente pago quando do compromisso particular anteriormente firmado pelo falecido. Em situações como esta, mostra-se indispensável a indicação de um inventariante que, em nosso sentir, pode ser realizado através do procedimento extrajudicial, muito mais simples, e ágil. Neste caso, os interessados nomearão, na própria escritura pública uma pessoa que ficará responsável pelo cumprimento dessas obrigações (in Escrituras Públicas: Separação, Divórcio, Inventário e Partilhas Consensuais / Francisco José Cahali, Antônio Herance Filho, Karin Regina Rick Rosa e Paulo Roberto Gaiger Ferreira, Ed. Revista dos Tribunais, 2ª ed., p. 99).
Desse modo, não se sustenta a recusa do registro da escritura de compra e venda acostada a fls. 8/9, em razão de o representante do espólio vendedor ter sido indicado em inventário extrajudicial e não ter sido apresentado alvará judicial (fls. 8 e 20).
No entanto, há outro motivo, também notado pelo Oficial, que impede o registro do título. Com efeito, o item 4 da escritura de inventário e partilha dos bens deixados por W. B. (fls. 18, verso) faz referência à celebração do compromisso de compra e venda por parte do falecido; descreve o imóvel negociado; e estabelece a obrigação do representante do espólio de outorgar a escritura. Não há menção, todavia, à pessoa que celebrou o contrato de compromisso de compra e venda com o falecido e que, por esse motivo, figuraria na futura escritura de compra e venda como comprador. Entendo que o nome da pessoa que futuramente receberá o domínio do imóvel compromissado é informação essencial, que deve constar na escritura de inventário, de modo a comprovar a anuência de todos os herdeiros.
Caso contrário, o representante do espólio receberia verdadeiro cheque em branco, que lhe daria a possibilidade de outorgar a escritura de compra e venda em favor de quem bem entendesse.
Dessa maneira, resta ao suscitado providenciar a rerratificação da escritura de inventário e partilha, a fim de que seu nome conste como compromissário comprador do instrumento celebrado pelo falecido em março de 2008 (fls. 18, verso).
Por fim, a manutenção da negativa do registro acarreta a procedência da dúvida, que não comporta procedência ou improcedência parcial.
Ante o exposto, pelos motivos acima expostos, julgo procedente a dúvida suscitada pelo 14º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo a requerimento de M. L. M.
Oportunamente cumpra-se o Artigo 203, I, da Lei 6.015/1973, e arquivem-se os autos.
P.R.I.
São Paulo, 11 de abril de 2012.
Carlos Henrique André Lisboa – Juiz de Direito
Proc. nº 0011976-78.2012.8.26.0100
Este texto não substitui o publicado no D.J.E. em 23/04/2012