Sobrepartilha não serve para corrigir arrependimentos na divisão de bens

Uma desproporção tão grande a ponto de autorizar a qualificação da partilha como catastrófica pelo juízo de primeiro grau não pode indicar a preservação da dignidade da pessoa humana.

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou recurso em que uma mulher pretendia fazer a sobrepartilha de ações e cotas de sociedade anônima de seu ex-marido. O pedido foi negado porque ela sabia da existência desses bens no momento da separação.

A sobrepartilha é instituto utilizado em caso de desconhecimento de uma das partes a respeito de determinado bem no momento da partilha, seja ou não por ocultação maliciosa ou, ainda, se situados em lugar remoto da sede do juízo.

O ministro Luis Felipe Salomão, relator do recurso, afirmou que, embora os bens sonegados não se confundam com os descobertos após a partilha, ambos pressupõem o desconhecimento de sua existência por umas das partes. São considerados sonegados os bens que, embora devessem ser partilhados, não o foram, em razão de ocultação daquele que estava em sua administração.

Salomão constatou nos autos que a análise de fatos e provas feita pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul evidenciou que a recorrente tinha conhecimento da existência das ações e cotas objeto da ação de sobrepartilha.

“O prévio conhecimento da autora sobre a existência das cotas e ações objeto da ação de sobrepartilha, apurado pelo tribunal de origem, é fundamento suficiente para a improcedência da ação no caso concreto”, decidiu o ministro. Ele completou que a sobrepartilha não pode ser usada para corrigir arrependimentos quanto à divisão já realizada.

Destaca-se do texto: (notas do editor)

De todos os elementos que se pode tomar para a avaliação de uma sociedade, o que possibilita os maiores equívocos é a mera análise fria de seu capital social dividido pelo número de quotas. Isso é especialmente significativo neste processo, em que há, segundo as manifestações das partes, diversos bens que se encontram em nome das empresas cuja titularidade foi integralmente atribuída ao varão. A demonstração, que o recorrido procura fazer, de que a partilha foi equânime mediante esse processo de avaliação, ao contrário de demonstrar a justiça da partilha que se visa anular, apenas reforça a ideia de que ele agiu com dolo ao propô-la.

“Vale notar, nesse ponto, que há, entre os bens partilhados, quotas de empresas como a L. ou a T., que se caracterizam como holdings, tendo como principal atividade a administração de bens próprios e de terceiros. Trata-se, portanto, como sói ocorrer com empresas desse tipo, de sociedade com significativo patrimônio, o que de resto é pontuado em inúmeras manifestações no curso deste processo. Como dizer que o valor de uma holding está adequadamente representado pela expressão nominal de seu capital social? Não faz sentido algum.

“Curioso notar que a ideia de equivalência na distribuição do patrimônio mediante esse critério é constantemente sustentada pelo recorrido neste processo, não obstante as contradições a que isso o leva. Dizer, por um lado, que os imóveis que a holding detém não precisam ser mencionados na partilha e, por outro, que o valor da empresa equivale meramente ao seu capital social nominal é incoerente. O conhecimento acerca do patrimônio da empresa é essencial no processo de decisão acerca de sua divisão. Ou seja: o mesmo expediente utilizado para convencer a recorrente a aceitar uma partilha lesiva é repetido pelo recorrido aqui, para convencer o poder judiciário de que tal partilha foi justa. Esse expediente não pode mais prevalecer.

“Com todas as vênias aos ilustres julgadores e louvando o substancioso trabalho elaborado nas mais de vinte laudas que compõem o acórdão recorrido, uma desproporção tão grande a ponto de autorizar a qualificação da partilha como catastrófica pelo juízo de primeiro grau não pode indicar a preservação da dignidade da pessoa humana. Dignidade não é apenas a manutenção do mínimo substancial. A sua preservação tem de ter em conta as circunstâncias particulares de cada situação concreta


Fonte: http://www.stj.jus.br – data de publicação: 02/07/2014.

Leia aqui o Acórdão do STJ sobre partilha desproporcional em separação, declarada nula ainda que bens bastem para subsistência.