FGTS e PIS-PASEP: necessidade de inventariar com os demais bens

Hipótese em que, existentes outros bens deixados pelo falecido a serem inventariados entre os herdeiros, não se aplica a possibilidade de levantamento imediato dos valores pela dependente inscrita na Previdência Social, devendo os valores serem incluídos no monte partível.

Civil – Processual civil – Omissão – Ausência de demonstração – Súmula 284/STF – Direito sucessório – Valores existentes em contas de FGTS e PIS-PASEP – Não levantamento em vida pelo autor da herança – Pagamento à dependente habilitada na previdência social – Impossibilidade – Existência de bens a inventariar – Inaplicabilidade da Lei nº 6.858/1980 – 1. Ação de divórcio em que se discute a titularidade de valores existentes em contas de FGTS e PIS-PASEP não levantados em vida pelo titular – 2. A ausência de precisa indicação acerca da suposta omissão relevante no acórdão recorrido torna incompreensível a fundamentação recursal, atraindo a incidência da Súmula 284/STF – 3. A Lei nº 6.858/1980, ao pretender simplificar o procedimento de levantamento de pequenos valores não recebidos em vida pelo titular do direito, aplica-se estritamente a hipóteses em que atendidos dois pressupostos: (a) condição de dependente inscrito junto à previdência; (b) inexistência de outros bens a serem inventariados – 4. Hipótese em que, existentes outros bens deixados pelo falecido a serem inventariados entre os herdeiros, não se aplica a possibilidade de levantamento imediato dos valores pela dependente inscrita na Previdência Social, devendo os valores serem incluídos no monte partível – 5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.754.726 – RJ (2018/0181188-8)

RELATORA : Ministra NANCY ANDRIGHI

RECORRENTE : SYLVIO FRANCO ARRUDA – ESPÓLIO

REPR. POR : SERGIO ROCHA ARRUDA – INVENTARIANTE

ADVOGADO : KATTIA MARIA BARBOSA ANÉSIO MAGALHÃES – RJ096186

RECORRIDO : ILZE MORAES DO NASCIMENTO

ADVOGADO : ANDRÉ LUIZ ACCIOLY SILVA – RJ134551

INTERES. : SHEILA ROCHA ARRUDA

INTERES. : SIDNEY ROCHA ARRUDA

INTERES. : SUELI ROCHA ARRUDA

INTERES. : RAYSSA SILVA ARRUDA

EMENTA

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. OMISSÃO. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO. SÚMULA 284/STF. DIREITO SUCESSÓRIO. VALORES EXISTENTES EM CONTAS DE FGTS E PIS-PASEP. NÃO LEVANTAMENTO EM VIDA PELO AUTOR DA HERANÇA. PAGAMENTO À DEPENDENTE HABILITADA NA PREVIDÊNCIA SOCIAL. IMPOSSIBILIDADE. EXISTÊNCIA DE BENS A INVENTARIAR. INAPLICABILIDADE DA LEI nº 6.858/1980.

1 – Ação de divórcio em que se discute a titularidade de valores existentes em contas de FGTS e PIS-PASEP não levantados em vida pelo titular.

2 – A ausência de precisa indicação acerca da suposta omissão relevante no acórdão recorrido torna incompreensível a fundamentação recursal, atraindo a incidência da Súmula 284/STF.

3 – A Lei nº 6.858/80, ao pretender simplificar o procedimento de levantamento de pequenos valores não recebidos em vida pelo titular do direito, aplica-se estritamente a hipóteses em que atendidos dois pressupostos: (a) condição de dependente inscrito junto à previdência; (b) inexistência de outros bens a serem inventariados.

4 – Hipótese em que, existentes outros bens deixados pelo falecido a serem inventariados entre os herdeiros, não se aplica a possibilidade de levantamento imediato dos valores pela dependente inscrita na Previdência Social, devendo os valores serem incluídos no monte partível.

5 – Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido.

DECISÃO 

Cuida-se de recurso especial interposto pelo espólio de SILVIO FRANCO DE ARRUDA, com base no Art. 105, III, alínea “a”, da Constituição Federal, contra o acórdão do TJ/RJ que, por unanimidade, negou provimento ao agravo de instrumento por ele interposto.

Ação: de inventário de SILVIO FRANCO ARRUDA.

Decisão interlocutória: indeferiu a partilha, no inventário, dos valores existentes em contas individuais do FGTS e do Fundo de Participação PIS-PASEP, ao fundamento de que tais valores devem ser pagos aos dependentes habilitados perante a Previdência Social, na forma da Lei 6.858/60(sic) (fls. 637/638, e-STJ).

Acórdão: por unanimidade, negou provimento ao agravo de instrumento interposto pelo recorrente, nos termos da seguinte ementa:

Agravo de Instrumento. Ação de Inventário. Decisão que indeferiu pedido de levantamento de saldo do FGTS pelo Espólio. Irresignação do Espólio. Companheira do falecido, habilitada na Previdência Social. Aplicação da Lei nº 6.858/80. Lei especial que determina que os valores recebidos a título de FGTS e não levantados em vida devem ser pagos aos dependentes habilitados na Previdência Social. Inexistência de violação ao direito à herança e à vocação hereditária. Lei que não exige que a habilitação se dê antes do óbito, ou que o fato gerador de tais valores tenham ocorrido na constância do casamento ou da união estável. FGTS que é regulado por lei especial, que se sobrepõe à lei geral (Código Civil), não havendo que se falar em violação à vocação hereditária. Direito à herança que permanece sendo respeitado, havendo irresignação do Espólio tão somente quanto à divisão dos valores decorrentes do FGTS não recebido em vida pelo de cujus. Precedentes inúmeros desta Corte Estadual a respeito da mesma questão. “Procedimento de Requerimento de Alvará. Levantamento de FGTS e PIS. Recurso da dependente habilitada junto à Previdência Social. Pedido de percepção integral da verba, uma vez que a sentença determinou a divisão do valor com os sucessores. Lei 6.858/80 que é peremptória ao dispor que o pagamento se dará aos dependentes habilitados e, apenas na falta destes, aos sucessores. Precedentes. Clareza solar da norma que não autoriza a diferenciação a respeito da data da habilitação da recorrente, se antes ou depois do óbito do titular da verba, uma vez que a lei não faz tal exigência temporal. Recurso provido” (0011484-47.2013.8.19.0003 – Apelação – Des. Mauro Pereira Martins – Julgamento: 09/11/2016 – Décima Terceira Câmara Cível). Decisão que não merece reparo. DESPROVIMENTO DO RECURSO (fls. 32/42, e-STJ).

Embargos de declaração: opostos pelo recorrente, foram rejeitados, por unanimidade. (fls. 82/89, e-STJ).

Recurso especial: aponta-se violação ao Art. 1.022 do CPC/15, ao fundamento de que o acórdão recorrido possuiria omissão relevante, e violação ao Art. 993, IV, alínea “g”, do CPC/73, ao fundamento de que os valores recebidos a título de FGTS e PIS-PASEP, não levantados em vida pelo falecido, são vultosos e superam o teto de 500 OTN’s e de que há outros bens a inventariar, não se aplicando, pois, a regra da Lei 6.858/80. (fls. 107/114, e-STJ).

Ministério Público Federal: opinou pelo provimento do recurso especial (fls. 169/174, e-STJ).

Relatados os fatos, decide-se.

01) O propósito recursal é definir se houve omissão relevante no acórdão recorrido e se os valores recebidos a título de FGTS e PIS-PASEP, não levantados em vida pelo falecido, podem ser integralmente levantados pela convivente do de cujus ou se devem integrar o monte partível.

02) De início, anote-se que o recorrente, conquanto afirme, no recurso especial, que o acórdão recorrido possuiria omissão relevante, não aponta, precisamente, em que consistiria o referido vício, tampouco em que medida o não enfrentamento da suposta questão relevante pelo TJ/RJ impediria o exame da matéria de fundo por ausência de prequestionamento, razão pela qual é incompreensível a fundamentação recursal quanto ao ponto, aplicando-se, pois, a Súmula 284/STF.

03) De outro lado, sublinhe-se que controvertem as partes acerca da titularidade dos valores recebidos a título de FGTS e PIS-PASEP, não levantados em vida pelo falecido: se pertencem exclusivamente à companheira do falecido, dependente habilitada na Previdência Social, ou se devem ser incluídos no inventário para posterior partilha entre todos os herdeiros.

04) Nesse particular, registre-se, inicialmente, que o acórdão recorrido não tratou da exata quantificação do valor existente nas referidas contas, tampouco se superariam, ou não, o limite de 500 OTN’s estabelecido pela Lei 6.858/80, razão pela qual, nessa perspectiva, o conhecimento do recurso especial é inviável em razão do óbice da Súmula 7/STJ.

05) Todavia, é fato incontroverso a existência de diversos bens deixados pelo falecidos a serem inventariados entre os herdeiros, inclusive a companheira recorrida, razão pela qual essa circunstância impede o levantamento dos valores exclusivamente por ela, exigindo-se sejam eles inseridos no acervo hereditário e oportunamente partilhados entre os herdeiros, na forma do Art. 2º, caput, da Lei 6.858/80.

06) A esse respeito, ressalte-se que a jurisprudência desta Corte se consolidou no sentido de que “a Lei nº 6.858/80, ao pretender simplificar o procedimento de levantamento de pequenos valores não recebidos em vida pelo titular do direito, aplica-se estritamente a hipóteses em que atendidos dois pressupostos: (a) condição de dependente inscrito junto à previdência; (b) inexistência de outros bens a serem inventariados”. (REsp 1.537.010/RJ, 3ª Turma, DJe 07/02/2017 e AgInt no REsp 1.625.836/MG, 4ª Turma, DJe 25/10/2019).

07) Forte nessas razões, CONHEÇO EM PARTE do recurso especial e, nessa extensão, DOU-LHE PROVIMENTO, com base no Art. 932, V, “a”, do CPC/15 e Súmula 568/STJ, a fim de determinar que os valores recebidos a título de FGTS e PIS-PASEP, não levantados em vida pelo falecido, sejam incluídos no monte partível.

08) Previno às partes que a interposição de recurso contra esta decisão, se declarado manifestamente inadmissível, protelatório ou improcedente, poderá acarretar sua condenação às penalidades fixadas nos Arts. 1.021, §4º, e 1.026, §2º, ambos do CPC/15.

Publique-se. Intimem-se. Oficie-se.

Brasília, 30 de junho de 2020.

Ministra NANCY ANDRIGHI, Relatora


Decisão selecionada e originalmente divulgada pelo INR – Dados do processo: STJ – REsp nº 1.754.726 – Rio de Janeiro – 3ª Turma – Rel. Min. Nancy Andrighi – DJ de 03/08/2020.

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