Valor Venal do Imóvel é o Valor de Venda – STJ

Superior Tribunal de Justiça
EMENTA (não oficial)
ITBI – Base de cálculo – Contribuinte que busca aplicar ao imposto sobre a transmissão de bens imóveis (ITBI) a mesma base de cálculo adotada pelo Município para o cálculo do IPTU – Impossibilidade – A base de cálculo do ITBI é o valor venal real do bem, assim tido como o valor de comercialização do imóvel. Desta forma, no caso de transmissão de bem imóvel por compra e venda firmada entre particulares, a base de cálculo do imposto de transmissão de competência municipal é o valor real da operação, devendo prevalecer sobre qualquer outro, pois o valor venal real é uma grandeza que não se confunde, necessariamente, com aquela indicada na planta genérica de valores (IPTU). (STJ – AREsp nº 95.738 – SP – 2ª Turma – Rel. Min. Herman Benjamin – DJ 08.03.2012). (Nota da Redação INR: à decisão monocrática abaixo reproduzida não foi atribuída ementa oficial)
DECISÃO MONOCRÁTICA
Trata-se de Agravo de decisão que inadmitiu Recurso Especial (art. 105, III, “a” e “c”, da CF) interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, cuja ementa é a seguinte:
APELAÇÃO – Mandado de Segurança – ITBI – Base de cálculo do tributo – Decreto nº 46.228 – A base de cálculo do ITBI encontra-se definida sobre dois parâmetros: ou é o valor venal do qual o contribuinte já tem prévio conhecimento e é indicado pela Fazenda Pública, ou então é o valor indicado no instrumento de compra e venda, sendo defeso ao Município surpreender o contribuinte com outro valor que não reflita nenhuma destas realidades – Sentença mantida – Recursos Improvidos (fl. 189, e-STJ).
O agravante, nas razões do Recurso Especial, sustenta que ocorreu, além de divergência jurisprudencial, violação do art. 38 do Código Tributário Nacional, sob o argumento de que:
Os atos infra-legais em questão, apenas regulamentam a Lei Municipal aplicável, qual seja, 11.154/91, instituída com base no artigo 156, II da Constituição Federal que observando o disposto no artigo 38 do Código Tributário Nacional, regiamente reproduzido no artigo 7º, estabelece que a base de cálculo do imposto será o valor venal dos bens ou direito onerosamente transmitidos (fl. 212, e-STJ).
Contraminuta apresentada às fls. 294-306, e-STJ.
Houve juízo de admissibilidade negativo na instância de origem, o que deu ensejo à interposição do presente Agravo.
É o relatório.
Decido.
Os autos foram recebidos neste Gabinete em 28.9.2011.
A contribuinte defende que a base de cálculo para o imposto sobre a transmissão do imóvel (ITBI) deve ser exatamente a mesma adotada pelo Município para o cálculo do IPTU.
O Tribunal de Justiça acolheu o pleito, considerando que tanto o art. 33 do CTN, que trata do IPTU, como o art. 38 do mesmo Código, que cuida dos impostos sobre transmissão de bens (ITBI e ITCMD), definem a base de cálculo como sendo o valor venal.
O acórdão merece reforma.
Isso porque é amplamente sabido que valor venal significa valor de venda do imóvel.
Basta consultar os bons dicionários para confirmar que venal indica “referente a venda” (Aurélio), “relativo a venda” (Houaiss).
Aliomar Baleeiro, em lição sempre acatada, confirma que “valor venal é aquele que o imóvel alcançará para compra e venda à vista, segundo as condições usuais do mercado de imóveis” (Direito Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense. 11ª ed., 2003, p. 249).
Na verdade, a distorção existe relativamente ao IPTU, e não ao ITBI, tributo em análise neste processo.
Isso porque os Municípios lançam o imposto sobre propriedade de ofício e, para viabilizar a cobrança, acabam adotando fórmulas genéricas que abarcam os milhares e, no caso de São Paulo, milhões de imóveis tributados anualmente.
Refiro-me às famosas plantas genéricas de valores que, exatamente por serem avaliações unilaterais do valor venal desses bens, devem ser veiculadas por lei.
Seria absurdo imaginar que o Município de São Paulo avaliasse individualmente cada um dos milhões de imóveis urbanos existentes em seu território para lançar anualmente o IPTU de ofício, daí a adoção das plantas genéricas. Cito a lição de Misabel Derzi, atualizada na já citada obra de Aliomar Baleeiro:
Como é tarefa difícil para a Administração, em um tributo lançado de ofício, como é o caso do IPTU, avaliar a propriedade imobiliária de milhares de contribuintes, medidas de simplificação da execução da lei têm sido tomadas pelo Poder Executivo. Uma dessas medidas são as plantas ou tabelas de valores, que retratam o preço médio do terreno por região ou o preço do metro quadrado das edificações, conforme padrão construtivo, portanto o valor presumido do bem. (op. cit., p. 249).
É cediço que os valores existentes nas plantas genéricas de valores acabam situando-se abaixo, muitas vezes, do valor de mercado dos imóveis, não apenas por conta da sistemática adotada em sua elaboração, mas principalmente pelo fato de não serem, no mais das vezes, refeitas anualmente.
Com efeito, sabemos que a jurisprudência não aceita o reajuste real das plantas genéricas de valores por ato do Executivo. Na prática, isso significa complexos projetos de lei, de longa tramitação e discussão política, que inviabilizam, nas grandes cidades, o reajuste anual, de modo que a defasagem em relação à real avaliação dos imóveis urbanos acaba aumentado a cada ano que passa.
A sistemática de cálculo e cobrança do ITBI é muito mais próxima da realidade. Nesse caso, o lançamento é por homologação ou por declaração.
Ou seja, em vez de milhões de lançamentos de ofício anuais, caso do IPTU paulistano, há apenas milhares de operações claramente individualizadas, com a declaração do real valor de venda do imóvel pelos próprios particulares que transmitem os bens.
No ITBI, o preço efetivamente pago pelo adquirente do imóvel tende a refletir, com grande proximidade, seu valor venal, considerado como, repito, o valor de uma venda regular, em condições normais de mercado.
Não é por outra razão que a jurisprudência do STJ é pacífica ao admitir que, na hipótese de hasta pública, o preço da arrematação (e não o da avaliação) reflete o valor venal do imóvel e, portanto, deve ser adotado como base de cálculo do ITBI:
TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA. ITBI. ARREMATAÇÃO JUDICIAL. BASE DE CÁLCULO. VALOR DA ARREMATAÇÃO E NÃO O VENAL. PRECEDENTE. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL DEMONSTRADO. DIREITO LOCAL. SÚMULA 280 DO STF. OMISSÃO – ART. 535, CPC. INOCORRÊNCIA. RECURSO PROVIDO PELA ALÍNEA “C”. 1. A arrematação representa a aquisição do bem alienado judicialmente, considerando-se como base de cálculo do ITBI aquele alcançado na hasta pública. (Precedentes: (…). 2. (…) Tendo em vista que a arrematação corresponde à aquisição do bem vendido judicialmente, é de se considerar como valor venal do imóvel aquele atingido em hasta pública. Este, portanto, é o que deve servir de base de cálculo do ITBI. (…) 7. Recurso especial parcialmente conhecido e provido. (REsp 1188655/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 20/05/2010, DJe 08/06/2010).
TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE TRANSMISSÃO INTER VIVOS. BASE DE CÁLCULO. VALOR VENAL DO BEM. VALOR DA AVALIAÇÃO JUDICIAL. VALOR DA ARREMATAÇÃO. I – (…) Tendo em vista que a arrematação corresponde à aquisição do bem vendido judicialmente, é de se considerar como valor venal do imóvel aquele atingido em hasta pública. Este, portanto, é o que deve servir de base de cálculo do ITBI. II – Recurso especial provido. (REsp 863.893/PR, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/10/2006, DJ 07/11/2006, p. 277)
TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE TRANSMISSÃO DE BENS IMÓVEIS. BASE DE CÁLCULO. VALOR DA ARREMATAÇÃO. 1. O valor da arrematação é que deve servir de base de cálculo do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis. Precedentes do STJ. 2. Recurso Especial provido. (REsp 1182640/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/04/2010, DJe 20/04/2010).
O mesmo raciocínio se aplica à transmissão por compra e venda entre particulares, como é o caso dos autos. De fato, o valor real da operação deve prevalecer em relação à avaliação da planta genérica de valores.
Perceba-se, portanto, que se há divergência entre a base de cálculo do IPTU e do ITBI, a distorção estará, em regra, no valor referente ao imposto sobre a propriedade, diferentemente do que decidiu o TJ-SP.
Nesse contexto, erra o Tribunal de Justiça ao afastar o cálculo da Prefeitura pela simples razão de haver diferença quanto à base de cálculo do imposto sobre a propriedade.
No caso do IPTU, lançado de ofício pelo Fisco, se o contribuinte não concorda com o valor venal atribuído pelo Município, pode discuti-lo administrativa ou judicialmente, buscando comprovar que o valor de mercado (= valor venal) é inferior ao lançado.
Por outro lado, se o valor apresentado pelo contribuinte no lançamento do ITBI (por declaração ou por homologação) não merece fé, o Fisco igualmente pode questioná-lo e arbitrá-lo, no curso de regular procedimento administrativo, na forma do art. 148 do CTN, conforme conhecida jurisprudência do STJ:
ITBI. BASE DE CÁLCULO. VALOR DE MERCADO. VIOLAÇÃO AOS ARTS. 535, II, E 458, II, DO CPC. INOCORRÊNCIA. PREQUESTIONAMENTO DO ART. 146 DO CTN. INOCORRÊNCIA. REEXAME DE PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL. INADMISSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. (…) III – É cediço na doutrina majoritária e na jurisprudência dessa Corte que a base de cálculo do ITBI é o valor real da venda do imóvel ou de mercado, sendo que até nos casos em que não houve recolhimento, pode-se arbitrar o valor do imposto, por meio de procedimento administrativo fiscal, com posterior lançamento de ofício. Segundo HUGO DE BRITO MACHADO: em se tratando de imposto que incide sobre a transmissão por ato oneroso, tem-se como ponto de partida para a determinação de sua base de cálculo na hipótese mais geral, que é a compra e venda, o preço. Este funciona no caso, como uma declaração de valor feita pelo contribuinte, que pode ser aceita, ou não, pelo fisco, aplicando-se, na hipótese de divergência, a disposição do art. 148 do CTN. ( “CURSO DE DIREITO TRIBUTÁRIO”, Machado, Hugo de Brito, Ed. Malheiros, 29ª Edição, p. 398) IV – Conforme consignado no v. acórdão, houve a devida intimação da complementação do lançamento, fato que a agravante alega não ter ocorrido. Entretanto, a análise da alegada irregularidade do procedimento administrativo fiscal demanda reexame de provas, o que é inadmissível pela via eleita do especial, a teor da Súmula 07/STJ. V – Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp 1057493/SP, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 26/08/2008, DJe 04/09/2008).
TRIBUTÁRIO. ITBI. BASE DE CÁLCULO. POSSIBILIDADE DE ARBITRAMENTO PELO FISCO. 1. Constituindo o valor venal do bem transmitido a base de cálculo do ITBI, caso a importância declarada pelo contribuinte se mostre nitidamente inferior ao valor de mercado, pode o Fisco arbitrar a base de cálculo do referido imposto, desde que atendida a determinação do art. 148, do CTN. 2. Recurso parcialmente conhecido e, nesta parte, improvido. (REsp 261.166/SP, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 12/09/2000, DJ 06/11/2000, p. 192).
Finalmente, há precedente da Segunda Turma em caso de inadimplência do contribuinte, reconhecendo que a base de cálculo do ITBI a ser adotada no lançamento de ofício é o valor de mercado do imóvel:
TRIBUTÁRIO. ITBI. BASE DE CÁLCULO. LANÇAMENTO PELO FISCO. BASE DE CÁLCULO. VALOR DE MERCADO. ART. 38 DO CTN. APLICAÇÃO DE MULTA. SÚMULA 284/STF. 1. Na hipótese em que o contribuinte não recolhe o ITBI, afigura-se legítimo o lançamento efetuado pelo Fisco que arbitre, como base de cálculo, o valor de mercado dos bens transmitidos. 2. A falta de indicação do dispositivo legal supostamente contrariado, por não permitir a compreensão de questão infraconstitucional hábil para viabilizar o trânsito do recurso especial, atrai o óbice previsto na Súmula n. 284/STF. 2. Recurso parcialmente conhecido e, nessa parte, não-provido.
(REsp 210.620/SP, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/05/2005, DJ 27/06/2005, p. 308).
Isso demonstra que valor venal real é uma grandeza que não se confunde, necessariamente, com aquela indicada na planta genérica de valores, no caso do IPTU, ou na declaração do contribuinte, no que se refere ao ITBI. Nas duas hipóteses cabe à parte prejudicada (contribuinte ou Fisco) questionar a avaliação realizada e demonstrar que o valor de mercado (valor venal) é diferente.
Seria perfeitamente válido, portanto, a contribuinte impugnar o montante apresentado pelo Município e provar, por todos os meios admitidos, que o valor de mercado do imóvel (valor venal) é inferior àquele que o Fisco adotou.
Não é isso o que ocorre nestes autos.
A contribuinte restringe-se a argumentar que o valor adotado para o lançamento do IPTU deve ser obrigatoriamente utilizado para cálculo do ITBI, o que não tem fundamento jurídico ou econômico.
Diante do exposto, com fulcro no art. 544, § 3º, do CPC, conheço do Agravo e provejo o Recurso Especial.
Publique-se.
Intimem-se.
Brasília (DF), 14 de dezembro de 2011.
MINISTRO HERMAN BENJAMIN – Relator.

VIDE MAIS EM: http://www.gruposerac.com.br/index_inr.asp

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