Decálogo da União Internacional do Notariado sobre Atos Online
DECÁLOGO DA UNIÃO INTERNACIONAL DO NOTARIADO – UINL, SOBRE ATOS COM COMPARECIMENTO ONLINE
Decálogo adotado pela Assembleia dos Notários Membros em 03/12/2021
É aconselhável excluir desses procedimentos testamentos e pactos sucessórios (renúncias e cessões de heranças).
Preâmbulo
As novas tecnologias têm sido parte integrante da atividade notarial há muitos anos, particularmente no contexto de ações anteriores e posteriores, comunicação com os serviços públicos ou a conservação de arquivos.
A pandemia do Covid-19 e o desenvolvimento global das tecnologias da informação aceleraram o uso de meios tecnológicos em quase todos as áreas; foi também assim que os notários de todo o mundo foram solicitados a encontrar soluções para assegurar o exercício da profissão de acordo com os princípios fundamentais.
Estas orientações complementam os princípios gerais da União Internacional do Notariado no campo das novas tecnologias, e mais nomeadamente no que respeita ao exercício da função notarial e ao instrumento autêntico em um contexto virtual.
Em particular, o decálogo diz respeito à celebração de instrumentos autênticos com comparecimento online de clientes diante do notário. Por esta expressão, queremos dizer que identificação e consentimento dado em um momento específico por meio de tecnologias apropriadas podem ser equivalentes ao comparecimento físico ante o notário, quando este não tiver dúvidas quanto à identidade da pessoa comparecente e quanto ao momento em que dá o seu consentimento, e pode atestar ambos.
Destinam-se a aplicar-se a todos os Notários membros da UINL, independentemente do seu grau de progresso e desenvolvimento em matéria digital, para consolidar os princípios de confiança e segurança jurídica no serviço público notarial.
Identificação das partes pelo notário
1) Qualquer sistema de identificação digital utilizado deve coexistir com o julgamento direto e pessoal do notário sobre a identidade ou a identificação do comparecente/requerente de acordo com seu direito material. A execução (do serviço) com o comparecimento online deve também permitir ao notário efetuar, com os meios apropriados, a verificação da capacidade e outras verificações exigidas pela legislação nacional.
A constante evolução das tecnologias deve apoiar o notário em seu processo cognitivo de identificação dos comparecentes, com uma função adicional: pode-se considerar o uso de documentos de identidade eletrônicos ou acesso a um banco de dados oficial. Na avaliação de dados pessoais digitalizados ou digital para identificar o titular, o notário pode usar esses dados como mais um elemento para formar sua convicção, mas nunca o único.
Regras mais rígidas sobre representação e procurações devem também ser respeitadas. Caso contrário, as regras relativas à verificação de identidade e declaração de intenção pode não ser cumpridas. A apresentação de procuração em papel durante uma videoconferência não pode de forma alguma ser considerada como suficiente: pelo contrário, a procuração deve ser transmitida em formato digital que atendam aos mais rigorosos padrões de verificação de identidade e consentimento do principal. Além disso, deve-se assegurar que a procuração esteja válida e vigente no momento da realização do negócio jurídico.
2) O notário deve ser o único responsável pela identificação das partes, ainda que ele decida prosseguir com a ajuda de instrumentos digitais. Ele também deve ser capaz de escolher as ferramentas que utiliza para validar a identificação das partes; seja pelo conhecimento pessoal delas ou pelos meios digitais de identificação definidos pelo legislador competente.
Controle da livre expressão da vontade das partes e segurança das transmissões de dados
3) Um sistema informatizado disponibilizado pelo Estado ou implementado pelo Colégio Notarial do Brasil com autorização do Conselho Nacional de Justiça deve ser usado para interação online entre as partes. O sistema deve garantir a confidencialidade das trocas pessoais, bem como a interação segura e clara. Deve respeitar o sigilo profissional e todas as normas de proteção de dados estritamente, em particular no que diz respeito à transferência transfronteiriça de dados confidenciais.
4) Considerando a função pública exercida pelo notário quando lavra um ato autêntico, o sistema utilizado deve ser público e, caso não seja possível, o uso de sistemas privados deve ser avaliado com muito cuidado, nomeadamente no que diz respeito à segurança da transmissão de informações sensíveis e gerenciamento seguro da videoconferência.
5) Para garantir o controle da legalidade e dados sensíveis, o sistema deve, se possível, ser administrado ou controlado diretamente pelos notários ou visando à essa finalidade.
6) Em caso de dúvida, ao notário deve ser concedida a faculdade de decidir pela recusa da lavratura do ato remotamente. É fundamental ressaltar a importância de consultas preliminares e colóquios preliminares virtuais, análise dos documentos originais recebidos virtualmente para a elaboração do ato e todos os elementos à disposição do notário.
Compatibilidade do sistema com a competência territorial
7) É preciso considerar o impacto que a introdução do ato notarial com comparecimento online pode ter sobre as regras que regem a competência territorial dos notários. Como o ciberespaço não tem fronteiras, podemos considerar novos fatores de conexão para videoconferência ou para qualquer outro meio eletrônico baseado, por exemplo, na residência ou nacionalidade das partes ou no local onde esteja o objeto do contrato.
Pode se considerar que os notários mais familiarizados com a lei aplicável e requisitos locais e que têm melhor acesso a outras autoridades vinculadas a esse assunto são diretamente responsáveis pelos atos concluídos com comparecimento online. Embora esse requisito não se aplique a instrumentos autênticos com comparecimento físico, pode ser mais lógico no caso do comparecimento online, uma vez que o requerente não tem necessidade de se locomover até o cartório considerado mais adequado. Este critério pode aplicar-se tanto a transações imobiliárias quanto a transações de empresas.
Podemos também considerar que é o próprio notário que deve estar no território de sua competência em um conceito de cartório “aumentado”: o lugar de execução do ato notarial é o local onde está instalado o cartório, sempre dentro dos limites territoriais atribuídos por lei, apesar da geolocalização fática das partes no ato notarial. É necessário não só ter a certeza da identificação da pessoa, mas também para estabelecer o momento exato da perfeição do ato ou transação jurídica no tempo. É também necessário determinar de modo incontestável o momento preciso e o local onde as declarações vinculativas das partes foram feitas e se tornaram, sem equívoco, ligadas umas às outras. A relação jurídica cristaliza-se quando o notário autoriza o ato por meio da sua assinatura eletrônica. O ato jurídico pode, portanto, ser considerado como ter sido feito na sede do cartório.
8) Avaliar a possibilidade – para atos com comparecimento online – de permitir acesso a todos os cidadãos, nomeadamente aos clientes que residam no estrangeiro, nas mesmas condições que os residentes. A lei nacional deve determinar em suas regras de direito internacional privado os critérios de conexão para determinar a validade o ato com comparecimento online sujeito a seu ordenamento jurídico quando as partes estiverem fora do país.
No entanto, é importante avaliar a possibilidade de incorporar disposições legislativas concernentes aos instrumentos tecnológicos nacionais e transfronteiriços que permitam a comunicação entre os diferentes sistemas notariais eletrônicos (por exemplo para a utilização transfronteiriça de meios nacionais de identificação), para aceitação de atos eletrônicos, sua circulação e execução.
Além disso, é importante considerar a diferença entre instrumentos autênticos eletrônicos que, por sua natureza ou uso, se destinam à circulação (como procurações) e instrumentos eletrônicos autênticos que devem ser elaborados por um notário público nomeado pelo estado em que o ato é usado (por exemplo, no domínio do direito imobiliário e societário) e conhecer os diferentes regulamentos relativos à aceitação e reconhecimento de cada ato previsto em lei.
Assinatura do ato
9) Devemos criar um sistema que seja confiável, mas também fácil de ser usado por todos. Os países que já operam com documentos em meio eletrônico podem adaptar seu sistema com a introdução de certificados digitais notarizados para seus clientes com alto nível de segurança e reconhecido pelo sistema jurídico. Certificados eletrônicos esses que também poderão ser emitidos diretamente pelo notário antes ou no momento do ato jurídico.
Nos países onde ainda não estão previstos atos em formatos eletrônicos é possível considerar que o ato seja assinado pelo notário, após ter obtido expressamente a declaração de anuência das partes que será mencionada no próprio ato com, se possível, previsão nesse caso de que ao menos uma das partes esteja fisicamente presente diante do notário.
É possível considerar um ato notarial com notários assistindo cada uma das partes, que recebam suas declarações, desde que todas as leis nacionais envolvidas no negócio jurídico o permitam expressamente.
Pode também prever-se que o próprio notário seja encarregado da emissão de certificado digital notarizado para as partes que roguem seus serviços.
Na esfera eletrônica, às vezes é difícil distinguir entre rascunhos e esboços de textos do documento final. Às vezes pode até ser duvidoso que consentimentos podem ser considerados dados quando a minuta do documento é parcialmente aceita. É importante colocar em prática meios tornando possível distinguir claramente a minuta do documento final; de modo que o ato ou transação somente seja considerado perfeito quando houver uma redação final do ato e quando todas as vontades convirjam para o de acordo com o único ato notarial.
É essencial para a segurança jurídica poder identificar claramente o documento final juridicamente vinculativo, o único que será validamente assinado pelas partes e pelo notário.
Limitação a certas categorias de atos
10) Considere a possibilidade de limitar o uso de sistemas com comparecimento online a atos que, pelo seu carácter unilateral ou associativo, não apresentem oposição de interesses (em particular procurações e documentos constitutivos ou alterações de associações ou de empresas).
É aconselhável excluir desses procedimentos testamentos e pactos sucessórios (renúncias e cessões de heranças). O notário pode exigir a presença física, excluindo o comparecimento online quando, a seu juízo, a complexidade do ato ou negócio jurídico a ser feito a exige.
Isso não impede que os estudos nessa área avancem para a possibilidade de se autorizar, no âmbito da modalidade de ato público virtual, todos os tipos de negócios jurídicos, observados os demais princípios acima mencionados, quando as ferramentas tecnológicas o permitam, sem qualquer limite, dependendo da natureza do ato e/ou do número de participantes dele.
Conclusão
O notário deve estar no centro da realização do ato virtual com comparecimento online.
As ferramentas tecnológicas não podem substituir, mas devem equilibrar e assumir a sua responsabilidade pelo controle da legalidade e segurança jurídica, que vão muito além da mera segurança tecnológica.
A tecnologia deve ser uma ferramenta ao serviço do notário na realização de suas obrigações no exercício da função notarial pública, com a identificação do cliente, a verificação de sua capacidade e seu discernimento, o controle da ausência de vícios de consentimento e a legitimação de seus atos.
Em suma, é o notário que deve responder pessoalmente por sua conduta, que deve estar conforme a lei que a rege e aos princípios e fundamentos do notariado latino.
O ato com comparecimento online nos leva a reinterpretar o princípio da aparência(1) e a fazer evoluir as formas de contato das partes com o serviço notarial. O importante não é a presença física diante do notário, mas o comparecimento direto com o notário, que é o responsável pela autenticação, ainda que seja por meio de um sistema tecnológico.
O ato notarial público redigido pela via eletrônica não modifica absolutamente as qualidades de tal ato em papel. É apenas uma outra modalidade que permite a comunicação a distância com os solicitantes/participantes.
A utilização das novas tecnologias na atividade notarial assenta em três pilares fundamentais:
– O investimento em sistemas tecnológicos de última geração se beneficiando de alto nível de segurança.
– A formação dos notários, por um lado, e dos usuários, por outro, para permitir uma larga difusão da utilização de instrumentos notariais eletrônicos.
A formação continuada deve ser incentivada para que os notários adquiram habilidades eletrônicas e possam usar as novas tecnologias de maneira eficaz e com respeito à segurança jurídica.
– A legislação: os sistemas jurídicos locais devem legislar sobre o ato notarial eletrônico, sua criação, alcance e efeitos. Todas as leis que regem a forma do ato jurídico no direito interno e no direito comparado devem ter em conta esta nova possibilidade tecnológica e reconhecer seu valor e seus efeitos.
O notariado deve estar atento aos avanços recentes na área de armazenamento de dados em suportes óticos, uma vez que o seu desenvolvimento significará uma capacidade de armazenamento praticamente ilimitada e a permanência da informação em termos de volume e duração, o que valorizará, sem nenhuma dúvida, o ato notarial; notadamente o ato feito em suporte eletrônico.
Notas do editor:
(1) A ministra do STJ Nancy Andrighi recorreu à doutrina para explicar que a teoria da aparência se baseia na proteção do terceiro, pois a confiança legítima desse terceiro, agindo de boa-fé, é que faz surgirem consequências jurídicas em situações às vezes inexistentes ou inválidas (REsp 1.637.611).
Tradução e adaptação livre por Mundo Notarial®, em 23/10/2022
Pegue aqui o pdf traduzido ou o pdf original em francês e a compilação aqui
Chave Pública|Fingerprint: 5243 4733 6BCC D84E A6D1 B239 695B 30E7 FD3E D75B