Procuração para venda: obrigatório especificar o objeto

Pedido de Providências – Propriedade – M. T. P. S. – Juiz de Direito: Dr. Marcelo Benacchio.

VISTOS,

Cuida-se de mandado de segurança impetrado por M. T. P. S., em face da Senhora 23º Tabeliã de Notas da Capital, requerendo a imediata reversão da negativa, pela Notária, de lavrar Escritura Pública de Venda e Compra de imóvel, por entender que a Procuração Pública outorgada não continha poderes para a avença. O expediente foi recebido por este Juízo Censor como pedido de providências, conforme destacado à parte autora às fls. 31, em razão das atribuições administrativas desta Corregedoria Permanente.

A Senhora Tabeliã prestou esclarecimentos, às fls. 34/35. Ato contínuo, a Representante pediu a extinção do pleito (fls. 46/47).

O Ministério Público ofertou parecer às fls. 39/42, opinando pelo indeferimento do pedido e pela inexistência de indícios de ilícito funcional pela Senhora Tabeliã. Ademais, solicitou providências junto à Promotoria de Justiça do Idoso, para averiguação de eventual situação de vulnerabilidade da Senhora Representante.

É o breve relatório. Decido.

Tratam os autos de pedido de providências do interesse de M. T. P. S., em face da Senhora 23º Tabeliã de Notas da Capital, requerente a imediata reversão da negativa, pela Notária, de lavrar Escritura Pública de Venda e Compra de imóvel, por entender que a Procuração Pública outorgada aos advogados da interessa não continha poderes para a avença.

A Senhora Tabeliã esclareceu que a negativa fundamenta-se na redação da indigitada procuração, que confere poderes gerais de administração e foro aos advogados da Senhora Representante, bem como deduz poderes para a venda de dois imóveis específicos, nada sendo declarado quanto à propriedade objeto do negócio jurídico que ora se pretende pactuar.

Com efeito, apontou, ainda, como fundamentação para a recusa, que a Recomendação CNJ 46/2020 refere que os notários devem adotar medidas para coibir abusos financeiros contra pessoas idosas no período da pandemia.

Por fim, indicou a ilustre Delegatária que foi sugerido aos Senhores Procuradores medidas para contornar a situação, como colheita da assinatura da Senhora Representante, em diligência, que seria realizada pessoalmente pela própria Tabeliã, com a observação de todos os protocolos de saúde. Todavia, a providência foi recusada pelos interessados.

Pois bem. Pese embora o pedido de desistência apresentado pela parte autora, é certo que a atuação da Senhora Tabeliã merece considerações, haja vista a atribuição correicional deste Juízo.

A redação do Artigo 661, parágrafo 1º, do Código Civil indica a necessidade de poderes “especiais e expressos” para a alienação de bem imóvel, coadunando-se com a interpretação restritiva feita pela Senhora Tabeliã. Assim também o enunciado 183, emanado na III Jornada de Direito Civil CJF/STJ, que deduz que “para os casos em que o parágrafo primeiro do Art. 661 exige poderes especiais, a procuração deve conter a identificação do objeto”.

Com efeito, na mesma linha de entendimento, recente julgado externado pelo Superior Tribunal de Justiça, no bojo do REsp 1.836.584 (MG – 2019/0266544-2), da relatoria da Ministra Nancy ANDRIGHI:

DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE ESCRITURA PÚBLICA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. PROCURAÇÃO. OUTORGA DE PODERES EXPRESSOS PARA ALIENAÇÃO DE TODOS OS BENS DO OUTORGANTE. NECESSIDADE DE OUTORGA DE PODERES ESPECIAIS.

  1. Ação declaratória de nulidade de escritura pública de compra e venda de imóvel cumulada com cancelamento de registro, tendo em vista suposta extrapolação de poderes por parte do mandatário.
  2. Ação ajuizada em 16/07/2013. Recurso especial concluso ao gabinete em 10/09/2019. Julgamento: CPC/2015.
  3. O propósito recursal é definir se a procuração que estabeleceu ao causídico poderes amplos, gerais e ilimitados (…) para ‘vender, permutar, doar, hipotecar ou por qualquer forma alienar o(s) bens do(a)(s) outorgante(s)’ atende aos requisitos do Art. 661, § 1º, do CC/02, que exige poderes especiais e expressos para tal desiderato.
  4. Nos termos do Art. 661, § 1º, do CC/02, para alienar, hipotecar, transigir, ou praticar quaisquer atos que exorbitem da administração ordinária, depende a procuração de poderes especiais e expressos.
  5. Os poderes expressos identificam, de forma explícita (não implícita ou tácita), exatamente qual o poder conferido (por exemplo, o poder de vender). Já os poderes serão especiais quando determinados, particularizados, individualizados os negócios para os quais se faz a outorga (por exemplo, o poder de vender tal ou qual imóvel).
  6. No particular, de acordo com o delineamento fático feito pela instância de origem, embora expresso o mandato quanto aos poderes de alienar os bens do outorgante não se conferiu ao mandatário poderes especiais para alienar aquele determinado imóvel.
  7. A outorga de poderes de alienação de todos os bens do outorgante não supre o requisito de especialidade exigido por lei que prevê referência e determinação dos bens concretamente mencionados na procuração.
  8. Recurso especial conhecido e provido.

A questão também foi objeto de análise anterior pelo Egrégio Conselho Superior da Magistratura:

“REGISTRO DE IMÓVEIS CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO GARANTIDO POR ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BEM IMÓVEL SACADA POR MEIO DE REPRESENTAÇÃO EXISTÊNCIA DE EXPRESSOS MAS NÃO ESPECIAIS ART. 661, P. 1º, DO CÓDIGO CIVIL EXIGÊNCIA DEEXPRESSOS E ESPECIAIS RECURSO NÃO PROVIDO” (Processo nº0024552-06.2012.8.26.0100, Rel: Drº José Renato NALINI, Data de Julgamento: 07/02/2013, Data de Publicação: 02/04/2013).

Em didática argumentação, no corpo do referido julgado, o ilustre Relator declara: (…) Conclui-se, pois, que os poderes especiais e os poderes expressos, referidos no § 1º do Artigo 661 do Código Civil, têm significados diversos. Estes últimos são os referidos no mandato (exemplo: poderes para vender, doar, hipotecar, etc.). Já aqueles correspondem à determinação específica do ato a ser praticado (exemplo: vender o imóvel “A”. hipotecar o imóvel “B”, etc.). E o ordenamento jurídico, como já visto, exige a presença de ambos na procuração com o escopo de se alienar bens. (…).

Bem assim, é certo que a interpretação restritiva efetuada pela Senhora Notária vai ao encontro de sua atribuição precípua, que é a conferência de fé-pública aos atos praticados e a garantia da segurança jurídica aos usuários.

Nesse sentido é a redação dos itens 1º e 1.1, do Capítulo XVI, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, in verbis:

  1. O Tabelião de Notas, profissional do direito dotado de fé pública, exercerá a atividade notarial que lhe foi delegada com a finalidade de garantir a eficácia da lei, a segurança jurídica e a prevenção de litígios.

1.1. Na atividade dirigida à consecução do ato notarial, atua na condição de assessor jurídico das partes, orientado pelos princípios e regras de direito, pela prudência e pelo acautelamento.

Com efeito, a qualificação notarial negativa efetuada pela Senhora Titular se encontra regularmente inserida dentro de seu mister de atribuições, objetivando, exatamente, como descrito nas NSCGJ, “garantir a eficácia da lei, a segurança jurídica e a prevenção de litígios”, em atuação que protege, inclusive, a própria representante.

Ademais, destaque-se a pronta observação, pela Senhora Notária, da Recomendação CNJ 46/2020, protegendo o interesse de idosos, em eventual situação de vulnerabilidade. Desse modo, dentro de sua independência funcional, uma vez fundamentada a recusa, conforme nota devolutiva apresentada, não há que se falar em falha na prestação extrajudicial.

Destarte, diante desse painel, reputo satisfatórias as explicações apresentadas pela ilustre Delegatária, não vislumbrando responsabilidade funcional apta a ensejar a instauração de procedimento administrativo, no âmbito disciplinar. Outrossim, nos termos em que requerido pela ilustre representante do Ministério Público, determino que se oficie, com cópia integral destes autos, servindo a presente sentença como ofício, à d. Promotoria de Justiça do Idoso, para apuração de eventual situação de vulnerabilidade da Senhora M. T. P. S.

Não menos, determino o bloqueio preventivo administrativo da referida Procuração da lavra do 12º Tabelionato de Notas da Capital, até posterior comprovação da segurança jurídica dos atos pretendidos.

Nessas condições, à míngua de providência censório-disciplinar a ser adotada, diante do pedido de desistência do pleito e com a concordância do Ministério Público, determino o arquivamento dos autos.

Ciência à Senhora Tabeliã, ao Senhor Interino do 12º Tabelionato de Notas da Capital e ao Ministério Público.

P. I. C.


Processo 1097451-04.2020.8.26.0100 – ADV: E. T. G. DE A. e R. M. N.

(Acervo exclusivo do INR – DJe de 16/12/2020 – SP)

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