Justa causa na imposição de cláusulas nas doações

IRIB Responde:

Cláusula restritiva e a necessidade de justa causa para sua imposição

Justificativa de que as cláusulas são impostas para preservação ou segregação do patrimônio não é suficiente

A questão selecionada para esta edição do Boletim Eletrônico esclarece dúvida acerca de imposição de cláusula restritiva e a necessidade de justa causa para sua imposição. Veja abaixo a pergunta enviada ao Instituto e a resposta dada pela Consultoria do IRIB, utilizando-se da doutrina de Mauro Antonini e Alexandre Laizo Clápis:

Pergunta: Foi apresentada neste serviço registral imobiliário uma escritura de doação, feita em adiantamento de legítima, com imposição de cláusulas restritivas de incomunicabilidade e impenhorabilidade. Os doadores justificaram a imposição das cláusulas alegando que tais restrições têm por objetivo “preservar o patrimônio em nome da família”. Assim, diante do disposto no Art. 1.848 do Código Civil, perguntamos: Essa justificativa é o bastante para permitir o registro da escritura?

Resposta: A justificativa apresentada é insuficiente para permitir a imposição das cláusulas restritivas.

Vejamos o entendimento de Mauro Antonini:

“Não serão válidas, por conseguinte, indicações genéricas, sem singularidade em face do herdeiro que sofrerá a restrição; nem puramente subjetivas, que impeçam a referida apreciação posterior. O que significa, por exemplo, que não atenderá ao requisito da explicitação da justa causa a imposição de inalienabilidade mediante simples afirmação de que visa a proteção do herdeiro, pois essa é a finalidade genérica da cláusula, sem nenhuma especificidade em face de um determinado testamento. Ainda exemplificando, também será insuficiente a alegação de que o cônjuge herdeiro, na cláusula de incomunicabilidade, não é pessoa confiável, sem indicação de algum aspecto passível de apreciação objetiva. (ANTONINI, Mauro in “Código Civil Comentado”. Coord. Cezar Peluso, Manole, 3ª Ed., São Paulo, 2009, p. 2.083).

Alexandre Laizo Clápis, em excelente artigo que publicou na Revista de Direito Imobiliário nº 57, intitulado “Clausulação da Legítima e a Justa Causa do Art. 1.848 do Código Civil”, ensina, na p. 21, que:

“E a indicação da causa não é único requisito exigido pelo Art. 1.848 do CC/2002 para a imposição das cláusulas restritivas. Referido dispositivo legal determina que ela (causa), seja justa, com razão suficientemente séria e legítima para que se sustente em eventual impugnação feita pelo próprio herdeiro ou por terceiros interessados (cônjuges, credores etc.). Assim, ressalvadas as opiniões contrárias, não basta declaração de que as cláusulas de inalienabilidade, de impenhorabilidade e de incomunicabilidade são impostas para preservação ou segregação do patrimônio, pois estas são as finalidades substantiva e primária das referidas cláusulas restritivas. A motivação deverá guardar correlação com as particularidades e circunstâncias que envolvem instituidor e instituídos.”

É ainda importante observar que, por estar a base que reclama sobredita “justa causa” – Art. 1.848, do Código Civil – inserta no referido Estatuto Civil, no Livro V – Direito das sucessões, Título II – da Sucessão legítima, Capítulo II – Dos herdeiros necessários; sem qualquer trato legal para tal exigência, no que se reporta às doações, mesmo que com avanço da legítima, por nada perceber nessa direção no mesmo “Codex”, Livro I – Do direito das obrigações, Título VI – Das várias espécies de contrato, Capítulo IV – Da doação; podemos também defender pela desnecessidade da imposição da aludida “justa causa” para doações que venham a carregar mencionadas cláusulas de restrição, por não ser de interesse dos contratantes (doador e donatário) que terceiros venham tomar conhecimento das razões que, por motivos de foro íntimo dos envolvidos nesse negócio jurídico, não devem receber a devida publicidade. Para tanto, é de bom alvitre que da redação do respectivo contrato de doação fique constando que tem o doador razões de considerável sustentação que justificam plenamente a imposição de tais cláusulas, as quais são de pleno conhecimento também do donatário, deixando claro os contratantes que não desejam, de forma alguma, dar qualquer publicidade dos motivos que estão a conduzi-los em assim se fazer, até mesmo para preservar melhor o relacionamento familiar que poderia ser comprometido caso venham eventualmente a serem obrigados a expor de forma pública as causas que estão levando o doador e donatário a assim contratar.  Nota-se que a situação difere do que temos para o testamento, que se mostra como ato unilateral, onde o beneficiado não vai se fazer presente quando da efetiva formalização do ato, o qual, somente quando do falecimento do testador, poderá analisar a correção ou não das causas que levaram o testador a impor tais gravames, buscando, na Justiça, se for o caso, o desprezo das restrições em comento, por entender não prevalecer os motivos que estão levando-o a receber o que já era de seu direito com indesejáveis gravames, os quais foram exigidos do testador quando da lavratura desse ato de disposição de última vontade, à vista do que, textualmente, está a rezar citado art. 1.848. De qualquer forma, é bom lembrar que no Estado de São Paulo já temos decisões da 1a. Vara dos Registros Públicos, e do Conselho Superior da Magistratura, a não permitir o ingresso dessas cláusulas também na doação, quando envolve a legítima, se não acompanhadas de justa causa, o que pode estar a receber tratamento diverso em outros Estados da federação.

Finalizando, recomendamos sejam consultadas as Normas de Serviço da Corregedoria-Geral da Justiça de seu Estado, para que não se verifique entendimento contrário ao nosso. Havendo divergência, recomendamos obediência às referidas Normas, bem como a orientação jurisprudencial local.


Fonte: Base de dados do IRIB Responde

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