Falência – autorização judicial para venda de imóveis

”A sentença que decretar a falência do devedor, dentre outras determinações: (…) VI – proibirá a prática de qualquer ato de disposição ou oneração de bens do falido, submetendo-os preliminarmente à autorização judicial e o Comitê, se houver…

1ª VRP-SP – Dúvida – REGISTROS PÚBLICOS – R. M. C. R. – Vistos.

Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 2º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de R. M. C. R., tendo em vista a negativa de registro da escritura pública de venda e compra lavrada perante o 18º Ofício de Notas do Rio de Janeiro – RJ, pela qual se buscou transmitir os imóveis matriculados sob nºs xx e yy. Superados alguns óbices registrários, restou apenas um, qual seja, apresentação de autorização do Juízo falimentar para a prática do registro, com rerratificação do instrumento público, tendo em vista que a vendedora U. U. S/A C. H encontra-se em processo falimentar. Juntou documentos às fls.06/31. O suscitado apresentou impugnação às fls. 32/38. Argumenta que a escritura foi lavrada em 23/08/1995, ou seja, em momento muito anterior à decretação da falência da transmitente U., que teria ocorrido em 07/05/1997, e com o aval do síndico concordatário à época, o que demonstra que a massa de credores em nada foi prejudicada. Aduz ainda que, se ao contrário fosse, a massa já teria ajuizado a competente ação revocatória, ou seja, tendo decorrido o prazo prescricional de um ano, portando o negócio jurídico encontra-se consolidado em virtude da decadência. Por fim, afirma que está patente a possibilidade de formular pedido de usucapião em face da massa falida, bem como em 02/06/1989 foi concedida concordata suspensiva, com a nomeação do sindico dativo L. A. S. Q. F., sendo que, em 1995, quando ocorreu a escritura, a situação da empresa falida era de concordatária. Apresentou documentos às fls. 39/49.

O Ministério Público opinou pela procedência da dúvida (fls.55/57). É o relatório. Passo a fundamentar e a decidir.

No ordenamento jurídico pátrio, incumbe ao Registrador, no exercício do dever de qualificar o título que lhe é apresentado, examinar o aspecto formal, extrínseco, e observar os princípios que regem e norteiam os registros públicos, dente eles, o da legalidade, que consiste na aceitação para registro somente do título que estiver de acordo com a lei. A análise do título deve obedecer a regras técnicas e objetivas, o desempenho dessa função atribuída ao Registrador, deve ser exercida com independência, exigindo largo conhecimento jurídico. Neste contexto, de acordo com o princípio tempus regit actum, à qualificação do título aplicam-se as exigências legais contemporâneas ao registro, e não as que vigoravam ao tempo de sua lavratura. O Conselho Superior da Magistratura tem considerado que, para fins de registro, não importa o momento da celebração do contrato, em atenção ao princípio “tempus regit actum”, sujeitando-se o título à lei vigente ao tempo de sua apresentação (Apelação Cível nº, 115-6/7, rel. José Mário Antonio Cardinale, nº 777-6/7, rel. Ruy Camilo, nº 530-6/0, rel. Gilberto Passos de Freitas, e, mais recentemente, nº 0004535-52.2011.8.26.0562, relatada por V. Exa.). Assim a qualificação do título é feita no momento de seu apresentação e não quando lavrada a escritura, isto é, em 23/08/1995 (fls.12/16), ocasião em que o interessado deixou de promover o respectivo registro. Ora, desde a expedição do título de aquisição a situação do imóvel sofreu modificação, com a decretação da falência da empresa transmitente, consequentemente em razão da “vis attractiva”, o Juízo da falência detêm competência absoluta para emitir autorização para a rerratificação da escritura pública que se pretende registrar. Como bem exposto pelo Registrador, a transmissão da propriedade somente ocorre mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis, e, enquanto não registrado o título, o alienante continua a ser considerado como dono do imóvel. Neste sentido, de acordo com o artigo 215 das Lei de Registros Públicos: ”São nulos os registros efetuados após a sentença de abertura de falência ou do termo legal fixado, salvo se a apresentação tiver sido feita anteriormente”. A matéria falimentar é regulada pela Lei nº 11.101/2005 que dispõe em seu artigo 99: ”A sentença que decretar a falência do devedor, dentre outras determinações: (…) VI – proibirá a prática de qualquer ato de disposição ou oneração de bens do falido, submetendo-os preliminarmente à autorização judicial e ao Comitê, se houver, ressalvados os bens cuja venda faça parte das atividades normais do devedor, se autorizada a continuação provisória, nos termos do inciso XI do caput deste artigo”. No caso em questão, o título foi apresentado posteriormente à decretação da falência, logo é necessária autorização do Juízo falimentar para o registro. Por fim, a alegação de prescrição para a formulação de ação revocatória e a possibilidade de usucapião, são alegações que fogem da análise da esfera administrativa e devem ser veiculadas na esfera judicial, por tratarem de matéria alheia à análise registrária. Diante do exposto, julgo procedente a dúvida suscitada pelo Oficial do 2º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de R. M. C. R., e consequentemente mantenho o óbice registrário.

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais e honorários advocatícios. Oportunamente remetam-se os autos ao arquivo.

P.R.I.C.


Processo 1002238-39.2018.8.26.0100

(DJe de 07/06/2018 – SP)

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