Doação – base valor venal de IPTU (não o valor venal de referência)

1ª VRP-SP – ITCMD Doação – base valor venal de IPTU (não o valor venal de referência)

0004057-67.2014 – Dúvida 10º Oficial de Registro de Imóveis da Capital.

Dúvida registro de escritura de doação base de cálculo do ITCMD pelo valor venal do imóvel e não pelo valor venal de referencia do ITBI princípio da legalidade e da tipicidade tributária dúvida improcedente. Vistos.
O 10º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA CAPITAL suscitou dúvida, a pedido de OSWALDO JOSÉ FERRAREZI e sua mulher DIRCE SAVAZZI FERRAREZI, devido à qualificação negativa da escritura de doação com reserva de usufruto do imóvel objeto da matrícula 21.244, tendo como donatárias suas filhas SELMAR DE LOURDES FERRAREZI e SIMONE TEREZINHA FERRAREZI.

O óbice imposto pelo Registrador refere-se à base de cálculo do ITCMD, que de acordo com o Decreto Estadual nº 55.002/2009 seria o valor venal de referência do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis ITBI. Por sua vez, os interessados recolheram o tributo tendo por base de cálculo o valor venal do imóvel e não o valor venal de referência.

A diferença de montantes é significativa, mudando de R$894.087,00 para R$1.674.652,00 a avaliação do bem. O interessado apresentou suas razões (fls. 07/08), pleiteando a reconsideração da exigência, ponderando que a questão já foi elucidada pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em sede de mandado de segurança, declarando que a base de cálculo do ITCMD não foi alterada pelo Decreto nº 55.002/09, prevalecendo o valor venal.
Juntou documentos (fls. 09/49). O Ministério Público opinou (fls. 50/51) pela improcedência da dúvida, acolhendo as razões exposta pelo suscitado. É o relatório. DECIDO.

A transmissão da propriedade teve origem em doação, que determinou o recolhimento do imposto ITCMD, baseado no valor venal do imóvel, de acordo com o disposto no Art. 9º da Lei Estadual 10.705/2000.
Não obstante estar pautado na legalidade o pagamento mencionado, foi aferido em nota de devolução óbice para o registro, determinando que o interessado complementasse o valor, com fundamento no Decreto do Estado de São Paulo nº 55.002/2009, que se refere ao valor venal de referência. Em que pese o entendimento do D Oficial Registrador em sua exordial, tal questão não é nova, e já vem sendo enfrentada pelos Tribunais.

A alteração trazida pelo referido decreto, como devidamente salientado pelo Ministério Público, ofendeu o princípio da legalidade, uma vez que só poderia se dar na forma da lei. Assim, como se infere do Artigo 97, II, do Código Tributário Nacional, a majoração de tributo só é admitida por lei, sendo que o tributo só será instituído, ou aumentado, por esta via, com exceção das hipóteses previstas na Constituição Federal.

A lei que rege o imposto de transmissão causa mortis e doações no Estado de São Paulo é a Lei Estadual nº 10.705/2000, com alterações da Lei nº 10.992/2001, que determina o quanto segue:

Artigo 9º – A base de cálculo do imposto é o valor venal do bem ou direito transmitido, expresso em moeda nacional ou em UFESPs (Unidades Fiscais do Estado de São Paulo).

§ 1º – Para os fins de que trata esta lei, considera-se valor venal o valor de mercado do bem ou direito na data da abertura da sucessão ou da realização do ato ou contrato de doação. (…)

Artigo 13 – No caso de imóvel, o valor da base de cálculo não será inferior:

I – em se tratando de imóvel urbano ou direito a ele relativo, ao fixado para o lançamento do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana – IPTU;

II – em se tratando de imóvel rural ou direito a ele relativo, ao valor total do imóvel declarado pelo contribuinte para efeito de lançamento do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural – ITR.

Tem-se, portanto, que (I) a base de cálculo do ITCMD é o valor venal do bem transmitido; (II) se considera valor venal o valor de mercado do bem na data da realização do ato ou contrato de doação e (III) no caso de imóvel urbano, o valor da base de cálculo não será inferior ao valor fixado para o lançamento do IPTU.

O Decreto Estadual nº 46.655/2002, que regulamentava o recolhimento do imposto previsto na referida lei, foi alterado pelo Decreto Estadual nº 55.002/2009, que prevê o uso do valor venal de bem imóvel como sendo o valor venal de referência do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis ITBI.

O novo Decreto, portanto, possibilita que seja adotada base de cálculo diversa da estabelecida pela lei, com alteração do valor venal, o que nitidamente viola o princípio da legalidade. Assim como também infere a Constituição Federal, em seu Artigo 150, I:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado a União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – exigir ou aumentar tributo sem lei anterior que o estabeleça.

A jurisprudência vem se posicionando favoravelmente aos suscitados em casos semelhantes:

TRIBUTÁRIO IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO CAUSA MORTIS E DOAÇÃO DE QUAISQUER BENS OU DIREITOS (ITCMD) BASE DE CÁLCULO: A base de incidência do ITCMD, segundo a lei paulista de regência, é o valor venal do bem ou direito transmitido, assim se reputando o valor de mercado do bem ou direito na data da abertura da sucessão, com atualização monetária até a data do pagamento. Não-provimento da apelação. (Apelação Cível nº 720.640-5-9 Relator: Desembargador Ricardo Dip j. 03/03/2008).

Ação ordinária. Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de quaisquer bens ou direitos (ITCMD). Fisco que atribui para os bens imóveis transmitidos valor de referência adotado pela legislação do ITBI, e notifica os contribuintes a recolher a diferença. Inadmissibilidade. Decreto regulamentador que não poderia inovar em relação à lei. Recurso improvido (Apelação nº 0003355-10.2010.8.26.0053, 11ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Aroldo Viotti, j. 14/05/2013).

Mandado de Segurança Carência da ação Inocorrência – Impetração com o objetivo de afastar notificação que determina a retificação da declaração e pagamento de ITCMD para utilizar como base de cálculo o valor venal de referência do ITBI – Ato de efeitos concretos – Ausência de impugnação contra lei em tese – Mérito – A base de cálculo do ITCMD, no caso em apreço, deve ser o valor venal do imóvel lançado para fins de IPTU, seja em razão da ocorrência do fato gerador anterior ao Decreto 55.002/2009, seja em razão da ilegalidade do referido diploma – Inteligência do Art. 97, inciso II, §1º, do CTN e da Lei 10.705/2000. Sentença concessiva mantida – Recurso desprovido (Apelação nº 0014312-70.2010.8.26.0053, 11ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Oscild de Lima Junior, j. 19/03/2013).

Destarte, os interessados estão estritamente dentro da legalidade. Como leciona Alberto Xavier, no que concerne ao princípio da tipicidade tributária relacionada com a legalidade: é a expressão mesma deste princípio quando se manifesta na forma de uma reserva absoluta de lei, ou seja, sempre que se encontre construído por estritas considerações de segurança jurídica. (XAVIER, 1972, p. 310).

Ante o exposto, julgo IMPROCEDENTE a dúvida suscitada pelo 10º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA CAPITAL em face de OSWALDO JOSÉ FERRAREZI e sua mulher DIRCE SAVAZZI FERRAREZI, determinando que se dê prosseguimento ao registro da escritura de doação, com fundamento no Art. 97, inciso II, §1º, do CTN e da Lei 10.705/2000.

Não há custas, despesas processuais, nem honorários advocatícios decorrentes deste procedimento.
Oportunamente, arquivem-se os autos.

P.R.I.C.
São Paulo, 16 de junho de 2014.
Tania Mara Ahualli, Juíza de Direito
(CP-500)
(D.J.E. de 10/07/2014 – SP)

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