Folha de S.Paulo, 31/08/1996.
Especial
para a Folha
Editoria: LEIS, Página: 3-2
Lei acaba com a união estável.
"A nova lei sobre união estável, na verdade, acabou com ela. As pessoas que moravam junto, porque queriam uma vida em comum mais livre, sem envolver aspectos patrimoniais no relacionamento, hoje estão se casando'', informa o juiz Antônio Carlos Malheiros.
Isso porque, segundo Malheiros, a nova legislação impõe às pessoas o regime de comunhão parcial de bens, sem possibilidade de escolha de outro regime (separação ou comunhão total de bens), o que impede também uma futura discussão judicial sobre a propriedade desses bens.
"Muitos dos que resolveram se casar escolheram o regime da separação de bens para evitar aquilo que eles não desejam -a disputa por patrimônio em caso de separação ou morte'', afirma o juiz.
Neste ponto, Malheiros considera a Lei nº 9.278 inconstitucional e concorda com a argumentação do IASP.
Vantagem:
O desembargador Antonio Cezar Peluso discorda. Para ele, a lei iguala o concubinato ao casamento e não impõe confisco de bens.
"No casamento, o silêncio importa comunhão parcial de bens. No concubinato também. Com a vantagem de os concubinos poderem, a qualquer tempo, regular o regime de bens, enquanto no casamento o regime é imutável'', pondera o desembargador.
No concubinato, o regime de bens pode ser estabelecido em contrato, segundo Peluso.
Folha de S.Paulo, 06/07/96.
Autor:
SILVIO RODRIGUES
Editoria: COTIDIANO Página: 3-2
Concubinato - Lei Nova
A publicação da lei nº 9.278, de 10/05/96, que regulamenta o parágrafo 3º do art. 226 da Constituição, deve trazer perplexidade aos meios jurídicos brasileiros em virtude de a lei nº 8.971, de 12/94, haver disciplinado, também, alguns efeitos daquele mesmo dispositivo constitucional. Esta lei regulava os direitos sucessórios e alimentícios dos companheiros.
O parágrafo 3º do art. 226 da Constituição, que proclama estar a união estável sob a proteção do Estado, atribuindo ao concubinato o status de entidade familiar, teve, assim, duas leis que lhe regulamentaram os efeitos, uma atribuindo direitos sucessórios e alimentícios a uma espécie de conviventes e outra atribuindo direitos de natureza diversa a outra condição de companheiros.
A lei de 94 concedeu direitos sucessórios e a alimentos a companheiros desimpedidos, que convivam há pelo menos cinco anos ou tenham prole comum; enquanto a lei de 10 de maio atribui vários direitos aos conviventes, de convivência duradoura (não precisando perdurar por cinco anos ou ter prole comum), pública e contínua, estabelecida ''com o objetivo de constituição de família''.
Enquanto a lei de 94 desprezava o concubinato adulterino, pois só dava efeito aos conviventes solteiros, judicialmente separados, divorciados ou viúvos, a lei mais recente dispensa este requisito, visando proteger qualquer união, desde que tenha alguma duração e seja ostensiva. A lei nº 8.971/94 concede ao companheiro ou companheira desimpedidos, cuja união dure mais de cinco anos ou tenha prole comum, direito sucessório ao cônjuge viúvo por outro regime que não o da comunhão universal; e concede-lhe, ainda, ação de alimentos contra o seu antigo companheiro, desde que prove sua necessidade e possibilidade do requerido.
A lei nº 9.278/96 reconhece como entidade
familiar a união pública e notória de um homem e uma mulher, sem reclamar que
os convincentes sejam desimpedidos ou que a ligação tenha prazo mínimo de
duração. Abrange tanto ligações com menos de cinco anos como as caracterizadas
na lei de 94. A lei presume serem comuns os bens adquiridos durante o convívio,
preceito importantíssimo faltante na legislação brasileira. Esta divisão do
patrimônio deixa de se proceder em duas hipóteses:
a) se houver estipulação em contrário em contrato escrito;
b) se a aquisição do bem ocorrer com recursos havidos antes do início da união.
Em caso de morte de um dos companheiros, a lei ainda concede ao outro, enquanto não constituir nova união, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, solução semelhante à concedida ao cônjuge sobrevivente pelo Código Civil. Outro dispositivo importante da recente lei foi o que atribui às varas de família a competência para decidir todas as questões relativas à união estável, que, de resto, correrão em segredo de Justiça.
A lei nº 9.278 era reclamada de há muito e sua edição preencheu enorme lacuna, principalmente em virtude da regra que cria a presunção de serem comuns os bens adquiridos durante o convívio. Mas não obstante, duas leis a regulamentar um mesmo preceito constitucional, aliás cheias de imperfeições, conduz à idéia de que o legislador fica devendo a consolidação da matéria, em um único diploma, coerente e sistemático.
(Silvio Rodrigues, 79, é professor Catedrático da Faculdade de Direito da USP e doutor ''Honoris causa'' da Faculdade de Direito da Universidade Paris XII (França).
Folha de S.Paulo,08/07/96.
Autor:
JOSIAS DE SOUZA
Editoria: OPINIÃO Página: 1-2
Meu bem, meus bens
Eis um número que o brasileiro deveria decorar: 9.278. Serve para designar uma lei fresquinha, sancionada pelo presidente há coisa de dois meses. Ainda não leu? Pois deveria. Diz-se que o casamento é ''uma instituição decadente.'' Pois espere-se para ver a revolução de costumes que pode advir da aplicação da 9.278, a ''lei do comcubinato.''
Pronunciaram-se duas ou três palavras sobre a nova lei. Mas a discussão não foi senão insinuada. O debate continua diante de nós como um planeta novo, ainda inexplorado. Convém localizar, de antemão, o ponto central do debate. Está-se falando da partilha de patrimônio. Um tema, convenhamos, de interesse geral. Sobretudo quando se sabe que, no campo do amor, as coisas começam no ''vem cá, meu bem'' e terminam no ''dê cá meus bens.'' Antes, fazia-se a partilha de bens apenas quando a separação atingia os chamados casamentos de papel passado.
Em 94, aprovou-se uma lei (8.971) estendendo a
regra às uniões informais, desde que tivessem duração igual ou superior a cinco
anos.
A nova lei institui uma espécie de vale-tudo. Agora, qualquer união está sob
proteção legal. Não importa o prazo de duração. Basta que seja ostensiva. E o
que é um relacionamento ostensivo? Sabe-se lá.
Em tese, só estarão livres da divisão patrimonial os casais que firmarem contrato prévio, no qual um abra mão dos bens do outro. Assim, já no segundo jantar, convém pousar o copo de uísque, acender a luz, puxar do bolso um tratado e ameaçar: ''Ou assina ou não dou mais um passo.''
A lei 9.278 sepultou o romance inocente, aniquilou o namoro experimental, extinguiu o amor desinteressado. Logo precisaremos aprovar outra lei. Bastam dois artigos: 1) matrimônio passa a ser sinônimo de patrimônio; 2) revogam-se as disposições em contrário.
Folha de S.Paulo, 28/06/96.
Editoria: COTIDIANO Página: 3-2
Comissão vai avaliar lei do concubinato
O Ministério da Justiça criou ontem uma comissão especial para propor alterações na lei que regulamenta a convivência duradoura (que complementa a Lei do Concubinato). ''Vamos fazer sugestões de novos artigos e de mudanças em outros para dar coerência à lei'', disse Arnoldo Wald, professor da Universidade do Rio de Janeiro e presidente da comissão.
A maior preocupação da comissão será ''rever o caráter tipicamente contratualista'' - segundo Wald - da atual lei (9.278/96), sancionada com vetos em maio pelo presidente Fernando Henrique Cardoso. ''Uma união estável não é um casamento de segunda classe, mas também não é um contrato como o da compra de um imóvel'', afirmou o professor.
A comissão pretende criar noções objetivas _como tempo de união e o nascimento de um filho, por exemplo, para caracterizar o que seja união estável. A comissão terá 30 dias, prorrogáveis por mais 30, para apresentar as alterações.
Folha de S.Paulo, 01/06/96.
Autor:
RODRIGO DA CUNHA PEREIRA
Editoria: COTIDIANO Página: 3-2
É necessário ser fiel?
A lei nº 9.278 de 10/5/96 vem, mais uma vez, tentar regulamentar as relações concubinárias. Essa lei tem origem no projeto nº 1.888 de 91, da deputada Bete Azize (PDT-AM). Após anos em tramitação, o projeto original sofreu modificações, emendas, substitutivos e, com alguns vetos, foi aprovado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso.
Como um sintoma, essa lei parece refletir a desorganização do Congresso e do próprio presidente da República, aprovando um projeto desconexo com a recente lei 8.971/94, que trata sobre o mesmo assunto. Ela repete erros, incorreções e incoerências com alguns institutos de direito e família. Instalou-se, então, uma confusão jurídica que os tribunais, certamente, levarão anos para desfazer.
O artigo 1º já começa
instalando polêmica quando define união estável, termo substituto do estigmatizante
''concubinato'': ''É reconhecida como entidade familiar a convivência
duradoura, pública e contínua de um homem e uma mulher, estabelecida com o
objetivo de constituição de família''.
Ao contrário da lei anterior (8.971/94), não deixa claro se os sujeitos dessa relação devem ser desimpedidos. Deixa em aberto o entendimento de que até pessoas casadas podem receber proteção do Estado para constituição dessas uniões. Deixa margem à interpretação de que o ordenamento jurídico brasileiro admite a poligamia.
Para aumentar a confusão, o artigo 2º suprimiu de seu projeto original a expressão ''fidelidade'' por ''respeito e consideração mútuos''. Ora, será que essa expressão pressupõe fidelidade ou essa é pressuposto apenas do casamento (art. 231, CCB)? Em alguns aspectos, repete a lei 8.971/94 (art. 7º), em outros, complementa (art. 5º, 9º...), e, em outros, contraria (art. 1º).
Fica também a dúvida se surtirá efeitos somente para as relações nascidas a partir do dia 14/5/96. A nova lei vem também cercear a liberdade dos sujeitos na escolha do tipo de relação amorosa. Agora, mesmo não querendo, esses sujeitos receberão ditatorialmente, do Estado, as regras de sua relação-convivência amorosa. Apesar disso, a nova lei, em seu espírito, é bem intencionada. Esse bom espírito é o de corrigir e evitar injustiças. Pena que não soube traduzir direito essa boa intenção!
De qualquer forma, não obstante a confusão jurídica que vem instalar e suas imprecisões técnicas, ela tem o grande mérito de derrubar a resistência dos tribunais em reconhecer esse assunto como família. Traz avanço: transfere de vez a matéria relativa ao concubinato-união estável do campo do direito das obrigações para o direito de família. Agora há o reconhecimento expresso do Estado de que essas relações são de família e como tais devem ser tratadas.
Mas, para além do reconhecimento, está a regulamentação. Aí está o excesso e a contradição. Essas relações pertencem ao campo do não-regulamentável ao espaço do não-instituído. Por isso, qualquer estatuto que se queira fazer o concubinato esbarrará em seu paradoxo, mas que é mesmo de sua essência: busca a proteção do Estado, mas não comporta regulamentação. Não sendo regulamentável, pode ocasionar injustiças.
(Rodrigo da Cunha Pereira, 38, advogado familiarista, é professor de Direito da PUC-MG e membro da Sociedade Internacional de Direito de Família).
Folha de S.Paulo, 18/05/96.
Autor:
WALTER CENEVIVA
Editoria: COTIDIANO Página: 3-2
Fim do casamento
Em meu livro "Direito Constitucional Brasileiro" (Saraiva, 364 páginas), escrevi que a Carga Magna "considera o termo 'família' em senso estrito, ou seja, de conjunto de pessoas formado pelos pais, casados ou não entre si, e seus filhos, em convivência estável". Anotei, porém, que "a base jurídica da família continua sendo o casamento" e, ainda no mesmo capítulo, que a proteção do Estado se limitava à relação estável entre o homem e a mulher, não se estendendo a comunidade formada por pessoas do mesmo sexo.
Nesse livro, de análise do direito constitucional brasileiro como ele é, defini minha posição pessoal quanto à família. É necessário recordá-lo, para que o leitor entenda melhor a crítica da lei nº 9.278, publicada no último dia 13, que regula as disposições do parágrafo 3º do art. 226 da Constituição. O referido parágrafo reconhece a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, para proteção do Estado. Traz, porém, a imposição final do dever legal de facilitar a conversão da união estável em casamento.
A lei nº 9.278 introduziu terminologia nova. Reconhece "como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e de uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família", mas tem alguns furos. Revogando parte da lei nº 8.971/94, nada diz, por exemplo, a respeito dos conviventes casados com terceiros, separados de fato -mas não de direito- e unidos a outras pessoas do sexo oposto, com caráter permanente.
Não são raros os casos do que a sabedoria popular chama, com alguma graça, de "casa civil" e "casa militar", nos quais a pessoa (geralmente, mas não exclusivamente, o homem) casada tem família no lar oficial, mas mantém outro, respeitável em face da comunidade, com ou sem filhos. A lei não exclui essas hipóteses, de modo expresso, numa insuficiência criticável, ante o texto constitucional, analisado no livro referido de início. Contudo a provável orientação dos tribunais dirá que o objetivo de constituição de família, no singular, é incompatível com a existência de duas ou mais famílias.
A lei também não explicita o adjetivo "duradoura", com o qual qualifica a convivência formadora da entidade familiar. Uma semana? Um ano? Cinco anos? Só a jurisprudência vai responder a tais perguntas. A convivência se submete, porém, a três requisitos: deve ser pública, ou seja, conhecida de todos no ambiente em que os companheiros vivam; deve ser contínua, não sendo computados períodos interrompidos; e deve ter o objetivo de constituir família, com ou sem filhos.
A lei mencionada nada estabelece quanto à obrigação de residirem os companheiros sob o mesmo teto ou de poderem ocupar casas separadas. Os tribunais apreciarão melhor a questão e, daqui a uns 15 anos, consolidarão o entendimento comum. Nunca antes, tendo em conta a proverbial demora na uniformidade sumulada da interpretação judicial. O verbo conviver não significa necessariamente viver junto, mas viver com intimidade, ainda que sob tetos diversos. Todavia, nenhuma posição a respeito é definitiva.
O contrato escrito entre os companheiros passa a ser imprescindível, para determinarem o que for de seu interesse quanto ao patrimônio formado durante a convivência. Se nada estipularem, a convivência presumirá no regime de condomínio civil, na condição de sócios, a partir do momento em que se iniciar.
Pode-se discutir se a lei, como um todo, é constitucional. Embora facilite a conversão em casamento, mediante requerimento ao oficial do registro civil, ela abre amplo leque para a união fora do matrimônio. Aponta no rumo contrário ao do parágrafo 3º, que pretendeu regular. Facilita muito mais a preservação da convivência duradoura, desequilibrando o tratamento dado à instituição matrimonial. Prenuncia o fim do casamento civil.
Crédito: FOLHA DE S.PAULO.
Leia o texto da Lei 9.278/1996
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