São Paulo, sábado, 06 de julho de 1996.
JUIZ DEFENDE DESBUROCRATIZAÇÃO ( I )
Os
cartórios nasceram em 1916, com o Código Civil. Naquela época, os registros
públicos garantiam segurança e seriedade aos negócios, considerando-se o alto
índice de analfabetismo.
"A realidade é outra. É preciso desburocratizar,
desonerar, deixar de tutelar cada cidadão como se fosse um incapaz", diz o
juiz Urbano Ruiz.
Para Urbano Ruiz, sem a formalidade exigida pela lei, os cartórios seriam desnecessários. Segundo Ruiz, entre as vantagens estariam agilização dos negócios, barateamento de custos, menos papel, menos tutela estatal e ganho de cidadania.
O desembargador José Osório afirma que é preciso mudar a lei, mas que todas as tentativas foram infrutíferas. Ruiz afirma que os cartórios atuam por delegação do Poder Público. Por isso, possíveis prejuízos causados por eles (decorrentes de erros, por exemplo) são pagos pelos contribuintes, já que são indenizados pelo Estado. Neste caso, o Estado poderia voltar-se contra o tabelião, mas isso não costuma acontecer.
Para Ruiz, o único registro relevante é o civil das pessoas naturais (nascimento, casamento, óbito). Mesmo assim, ele defende que seja feito por um órgão como o IBGE (Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), gratuitamente, constituindo-se um cadastro unificado.
LEI EXIGE DOCUMENTOS CONSIDERADOS DISPENSÁVEIS
"A maior parte das escrituras de imóveis passadas em cartório são inócuas. São meras formalidades dispensáveis.'' A afirmação é de José Osório, desembargador do Tribunal de Justiça (TJ) de São Paulo, que defende a validade plena do contrato particular de compra e venda (o chamado compromisso ou contrato de gaveta) nos negócios imobiliários. Mas a lei exige escritura passada em cartório e outros documentos. Para que os documentos deixem de ser obrigatórios, é necessária mudança na lei (leia texto abaixo).
O juiz Urbano Ruiz, presidente da Associação Juízes para a Democracia, concorda com Osório. Ele diz que a maioria das escrituras passadas em cartório, assim como quase todos os serviços notariais e registro, são inúteis. Para Ruiz, poderiam ser abolidas não só a escritura de compra e venda de imóvel, como também as escrituras de divisão de imóveis (entre condôminos), de doação de imóvel, de dação em pagamento (quando o imóvel é dado em pagamento), de permuta de imóveis e de desapropriação amigável.
Também poderiam ser abolidas as procurações (seriam feitas por instrumento particular), os pactos antenupciais (constariam do próprio termo de casamento), o reconhecimento de firma e autenticação de cópias (que não são garantias contra fraudes).
O "Contrato Particular de Compra e Venda", depois de pago o preço combinado, é irreversível. "Ele vale judicialmente, pois se o vendedor se nega a dar a escritura pública, o comprador entra com uma ação, cuja sentença vale como escritura. Com ou sem escritura do cartório, o negócio é irrevogável", diz o desembargador José Osório.
Segundo Osório, em vez da escritura, bastaria o registro do compromisso de compra e venda. ``Depois, seria só averbar a quitação do preço, para completar a transmissão da propriedade", explica. Isso já acontece nos loteamentos irregulares, quando são regularizados pela prefeitura. Não é necessária a escritura pública (que é um segundo contrato). A propriedade é transmitida só com a averbação do preço pago.
ALTO CUSTO:
Além de toda a burocracia, as formalidades custam caro. Por exemplo, a escritura de um imóvel adquirido por R$ 50 mil, cuja documentação esteja em ordem (contrato, quitação, vendedor localizável etc), sai por R$ 750,00. Mas o comprador tem ainda de pagar o imposto de transmissão (2% sobre o valor do negócio) e o registro (no Registro de Imóveis).
No exemplo acima, ele teria de gastar ainda R$ 1.000,00 de imposto, e mais R$ 500,00 pelo registro. Se a papelada não estiver em ordem, os gastos serão maiores. Como o compromisso costuma ser celebrado por prazo longo, muita coisa pode mudar na vida dos interessados. Isso faz com que a escritura fique na dependência de alvarás. O comprador, então, tem de contratar advogado para abrir inventário ou para requerer o alvará.
Crédito: FOLHA DE S.PAULO, 06 de julho de 1996.