Boletim Eletrônico do
IRIB - nº 322
São Paulo, 12 de junho
de 2001.
Corregedoria-Geral da
Justiça - SP
Parcelamento irregular
do solo urbano. Fraude. Fração ideal. Caohurb - Ministério Público
O Parecer abaixo, aqui publicado na
íntegra, representa o coroamento de um trabalho sério, desenvolvido pelo
Ministério Público do Estado de São Paulo, em colaboração com o Instituto de
Registro Imobiliário do Brasil e com a Magistratura Paulista.
Fruto de reuniões de trabalho,
empreendidas em parceria com ditas instituições, o problema de alienação de
frações ideais surgia nos debates como o mais grave desafio para notários,
registradores, promotores de justiça e juízes de direito. O tema recorrente das
fraudes mereceu vários artigos e notas nas publicações do Irib, seja em sua
Revista de Direito Imobiliário - que dedicou uma edição exclusiva ao tema do
parcelamento do solo - bem como nos Boletins impresso e eletrônico.
Abaixo o leitor encontrará uma
síntese desse trabalho.
PROCESSO CG-2.588/2000 - CAPITAL - CORREGEDORIA GERAL
DA JUSTIÇA
PARECER Nº 348/2001-E
Registro de Imóveis - Alienação de
partes ideais quantificadas em metragem quadrada - Indícios registrários de que
se trata de expediente para irregular desmembramento do imóvel - Fraude à lei
que impede o registro - Situação evidenciada na verificação das certidões das
matrículas, e que deve ser necessariamente observada pelos tabeliães de notas,
dada a irregularidade administrativa da lavratura de instrumentos públicos cujo
registro se mostra inviável - Necessidade da inclusão, em todos os instrumentos
públicos que envolvam a alienação de partes ideais que possam caracterizar
fraude à lei de parcelamento do solo, de advertência às partes quanto ao fato
de que não está sendo transmitida a propriedade de área certa e localizada -
Alteração das Normas de Serviço da Corregedoria Geral de Justiça.
Excelentíssimo
Senhor Corregedor Geral da Justiça.
Trata-se de expediente iniciado a
partir de cópia do termo de visita em correição geral ordinária realizada em 05
de julho de 2.000, junto ao Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de
Atibaia, com o objetivo de viabilizar a coleta de dados e os estudos
necessários para a adoção de medidas administrativas tendentes a obstar a
proliferação de parcelamentos informais do solo, realizados à margem da
legislação protetiva em vigor, por meio da simples alienação, em grande número,
de partes ideais de unidades imobiliárias, situação preocupante e que foi
constatada durante os trabalhos correcionais então levados a efeito na referida
Comarca.
Foi autuado em apenso o Protocolado
nº 37.944/00, apresentado em 23 de agosto de 2.000 pelo Centro de Apoio
Operacional das Promotorias de Justiça de Habitação e Urbanismo - CAOHURB, do
Ministério Público do Estado de São Paulo, por meio do qual esse órgão expõe
sua preocupação com a constatação de inúmeros casos, em todo o Estado, de
fraude à Lei nº 6.766/79 implementada com a manipulação jurídica do condomínio
do Código Civil.
Narra o Ministério Público, de
maneira precisa e concisa, o modo como se pratica a fraude, com o fracionamento
do imóvel pelo loteador irregular, que "dá ao parcelamento a roupagem de
condomínio ordinário do Código Civil, denominando as parcelas do imóvel, nos
instrumentos de compra e venda que celebra com os adquirentes, de frações
ideais, partes ideais, quotas sociais ou apenas quotas, quando, de fato,
cada uma dessas porções é na verdade um LOTE, com localização exata na gleba,
conferindo posse e domínio exclusivo ao adquirente, que até mesmo o escolheu a
partir de visita feita ao local em que está situado."
Tais vendas são instrumentalizadas,
no entanto, sem referência a metragem certa, numeração e localização dos lotes,
de forma a contornar a vedação administrativa expressa no item 151 do Capítulo
XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, tendo sido objeto da
lavratura de escrituras públicas pelos tabeliães de notas, muitas das quais
ingressam no registro imobiliário, o que lhes confere a falsa aparência de
legalidade e legitimidade.
Sugere o CAOHURB medidas que
poderiam auxiliar no combate à fraude, propondo: a) determinação administrativa
de comunicação do fato, pelos notários e registradores, ao Ministério Público,
ao Juiz Corregedor Permanente e à Municipalidade, sempre que presentes indícios
objetivos que pudessem ser extraídos da própria documentação apresentada; b)
inserção, nas escrituras públicas, de declaração do adquirente no sentido de
que a venda não dará ensejo à formação de novo núcleo urbano, em desacordo com
o contido nas Leis nºs 6.766/79, 4.591/64 e Decreto-lei nº 58/37, assim como da
extensão da declaração ao ato de registro das escrituras que eventualmente não
a contiverem; e c) a suscitação de dúvida com base nos critérios fornecidos
pelas Normas de Serviço.
Com o requerimento oferece o
Ministério Público cópia de julgados e de itens das normas de serviços de
outros Estados, todos pertinentes ao assunto em tela.
Com o intuito de obtenção de maiores
dados sobre a situação, em todo o Estado de São Paulo, dos parcelamentos
irregulares implementados por meio de frações ideais, desvirtuando o instituto
jurídico do condomínio regulado no Código Civil, foram realizadas, pela Equipe
de Correições, visitas aos Oficiais de Registro de Imóveis das Comarcas de
Jundiaí e São José do Rio Preto, cujos resultados se somam aos dados colhidos
no curso das correições gerais ordinárias efetuadas no período.
Dentre todo o material coletado foi
escolhido aquele que melhor exemplifica e dimensiona a gravidade do problema
objeto deste estudo, tendo sido determinada a juntada, dentre outros
documentos: a) de cópia da matrícula nº 11.253 do 1º Oficial de Registro de
Imóveis da Comarca de Jundiaí, com 1.001 registros e averbações; b) de
"fichas de controle das partes ideais" correspondentes a dezenas de
matrículas do 1º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Jundiaí; c) de
cópia da matrícula nº 35.155 do 2º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de
Jundiaí e da correspondente "matrícula auxiliar de controle das partes
ideais"; d) de cópia da matrícula nº 80.516 do 2º Oficial de Registro de
Imóveis da Comarca de Jundiaí, aberta em 12 de dezembro de 1996 e que já
retrata a situação registrária do parcelamento irregularmente implementado por
meio do condomínio de partes ideais; e) de cópia da matrícula nº 9.761 do 2º
Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Jundiaí, cujo R.103/9.761 trata da
instituição de usufruto sobre parte ideal, cancelado nos termos da Av.
304/9.761, assim como da correspondente "matrícula auxiliar de
controle"; f) de material enviado pelo Oficial de Registro de Imóveis da
Comarca de Atibaia, com histórico da orientação administrativa do Estado de São
Paulo a respeito do tema, acompanhada de instrumento particular de compromisso
de compra e venda de "fração ideal" apresentado para registro
acompanhado de planta do parcelamento irregular, com indicação da posse,
identificada como Lote 8 da Quadra C; e g) de cópia do traslado de escritura
pública lavrada pelo responsável pelo expediente vago do Oficial de Registro
Civil das Pessoas Naturais e Tabelião de Notas do Distrito de Engenheiro
Schmidt, Comarca de São José do Rio Preto.
Foi determinada a juntada, ainda, de
cópia do acórdão referente ao julgamento da Apelação Cível nº
72.365-0/7, por meio do qual o Colendo Conselho Superior da Magistratura,
em decisão na qual Vossa Excelência foi o relator, explicitou o entendimento no
sentido da viabilidade de recusa de registro sempre que o oficial do registro
de imóveis verifique, no exame de qualificação, a presença, na matrícula ou no
título, de elementos que revelem a ocorrência de fraude à legislação cogente.
Vieram à conclusão, juntamente com
estes autos, os do procedimento administrativo nº 147/99 (anteriormente
registrado sob o nº 044/98) da Corregedoria Permanente da Comarca de São José
do Rio Preto, no qual foram relacionadas dezenas de matrículas daquela Comarca
objeto de irregular parcelamento por meio do condomínio de partes ideais. Tais
matrículas foram objeto de bloqueio conjunto, posteriormente levantado, e
oferecem farto material comprobatório da irregularidade dos parcelamentos do
solo correspondentes.
Também são objeto de conclusão
conjunta os autos do Protocolado CG nº 19.512/01, da Comarca de Taquaritinga,
em apenso, e os autos do Protocolado CG nº 22.091/01, formado por cópia
integral dos autos de ação penal processada perante a 4ª Vara Criminal da
Comarca de São José do Rio Preto, cuja sentença, da qual não consta notícia de
trânsito em julgado, condenou o autor do parcelamento do solo em frações ideais
como incurso nas penas do artigo 50, inciso I, c.c. o parágrafo único, inciso
I, da Lei Federal nº 6.766/79 e noticiou os fatos à Corregedoria Geral da
Justiça, para verificação da regularidade da conduta do responsável pelo expediente
vago do Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelião de Notas do
Distrito de Engenheiro Schmidt, de lavratura de escrituras relativas à
transmissão de frações ideais em condomínio sem alerta para as partes
contratantes quanto à irregularidade do fracionamento do solo.
É o relatório, no essencial.
OPINAMOS
É grave a situação hoje vivenciada
pelo registro imobiliário de praticamente todo o Estado de São Paulo,
representada pela proliferação de casos de parcelamento irregular do solo,
efetuado em manifesta fraude à legislação cogente que rege a matéria, com a
indevida utilização do instituto jurídico do condomínio do Código Civil, por
meio da alienação, a significativa pluralidade de condôminos que não guardam
entre si relação de parentesco ou outro fato que justificasse a comunhão, de
diminutas e similares frações ideais do todo do imóvel, sem identificar, nos
títulos levados a registro, metragem certa, localização ou identificação dos
lotes, não obstante esteja a posse de cada adquirente perfeitamente definida e
delimitada, tanto no local como em plantas e outros documentos particulares que
não são apresentados ao registrador, evitando, desta forma a incidência da
vedação expressa no item 151 do Capítulo XX das Normas de Serviço da
Corregedoria Geral da Justiça.
E, embora sempre tenha havido
efetiva preocupação desta Corregedoria Geral no sentido de obstar a difusão e
multiplicação também dessa modalidade de parcelamento irregular, verifica-se
que as pessoas interessadas na continuidade e no desenvolvimento da presente
conduta fraudulenta passaram a se utilizar da correta argumentação, expressa na
orientação administrativa emanada do Colendo Conselho Superior da Magistratura
e da Corregedoria Geral da Justiça, no sentido de que somente poderiam ser
considerados na qualificação os elementos registrários e aqueles expressos no
título, para, desvirtuando esse entendimento, obter a lavratura de instrumentos
públicos junto aos tabeliães de notas e o registro desses títulos pelo oficial
de registro de imóveis, conferindo a essas alienações a falsa aparência de
legitimidade.
Fundada nesta orientação
manifestou-se, esta Corregedoria Geral, em agosto de 1.999, no Protocolado nº
18.965/99, quanto à inocorrência, em tese, de falta administrativa por parte
dos tabeliães de notas ou dos registradores de imóveis, ou de vício registrário
que autorizasse a determinação de bloqueio das matrículas atingidas,
limitando-se a recomendar, apenas a título de cautela, aos notários e
registradores que, no exercício de sua atividade, viessem a ter ciência de
fundados indícios da efetivação de parcelamento irregular, promovessem a
remessa das informações ao Ministério Público, viabilizando a pronta atuação
desse órgão.
Na seqüência, passou a determinar,
nos termos de correição, a necessidade dessa comunicação para o Juiz Corregedor
Permanente, para o Ministério Público e para a Prefeitura Municipal, como
expresso, por exemplo, no termo de correição referente ao Oficial de Registro
de Imóveis da Comarca de Atibaia, que deu origem a este procedimento.
Seguiu-se a afirmação, nos autos do
Protocolado CG nº 8.505/00 da Comarca de Piracicaba, da viabilidade da recepção
e arquivamento, pelo oficial de registro de imóveis, de comunicação oficial do
Ministério Público da instauração de procedimento ou ação que verse sobre
irregularidade no parcelamento do solo, informação que constará das certidões
dos registros abrangidos pela notícia, com a advertência e o esclarecimento de
que esse arquivamento não se confunde com ato de averbação, nem impede a
prática de atos de registro ou averbação nos registros atingidos.
Todas as medidas acima enumeradas
foram tomadas no âmbito de competência da Corregedoria Geral da Justiça, que
passou a contar, a partir do julgamento, pelo Colendo Conselho Superior da
Magistratura, em 15.02.01, da Apelação Cível nº
72.365-0/7, em que Vossa Excelência foi o relator, com eficiente
instrumento no combate à fraude.
Neste aresto foi explicitado o
entendimento administrativo de que a qualificação registrária não é um simples
processo mecânico, chancelador dos atos já praticados, mas parte, isso sim, de
uma análise lógica, voltada para a perquirição da compatibilidade entre os
assentamentos registrários e os títulos causais (judiciais ou extrajudiciais),
sempre feita à luz das normas cogentes em vigor, o que autoriza e impõe a
recusa do registro sempre que o oficial registrador verifique, em face da
análise de elementos registrários, entendidos como tais os dados constantes das
matrículas e revelem a evidência de parcelamento irregular do solo, a
existência de fraude e de ofensa à legislação cogente.
São esclarecedoras as razões
apontadas pelo Colendo Conselho Superior da Magistratura, o que recomenda sua
integral transcrição:
"A presente dúvida foi
suscitada pelo oficial registrador de imóveis da Comarca de Atibaia que, nas
suas razões, relata a evolução do entendimento deste C. Conselho Superior da
Magistratura e da Corregedoria Geral da Justiça na questão relativa ao ingresso
de títulos referentes à alienação de partes ideais de imóveis, afirmando que se
encontra pacificado o entendimento no sentido de que documentação estranha ao
título não pode ser utilizada para a negativa do registro, o qual somente pode
ser obstado quando presente, no título, localização, designação de quadra e
lote, ou cláusulas que contrariem as disposições que regem o condomínio comum.
Noticia o registrador que não
obstante venha cumprindo tal orientação, provocou, em face da gravidade da
situação presenciada em Atibaia, o Juiz Corregedor Permanente, que expediu a
Portaria nº 04/97, determinando, dentre outras providências, que os títulos de
transmissão de parte ideal de imóveis estivessem acompanhados de certidão da Prefeitura
Municipal que atestasse quanto à regularidade da utilização do solo.
Apresentadas as certidões
municipais, que por se referirem ao cadastro de apenas parte do imóvel objeto
da matrícula e não esclarecerem quanto à regularidade do uso do solo deixam de
dar integral cumprimento aos termos da Portaria nº 04/97 da Corregedoria
Permanente, caracterizando fundada suspeita de implantação irregular de
parcelamento urbano, com infração da lei nº 6.766/79, foi recusado o registro.
Seguiu-se a impugnação da apresentante
do título, que defendeu sua regularidade formal, a ausência de elementos que
revelassem localização ou identificação da parcela ideal, e o respeito ao
princípio da continuidade, em face da anterior inscrição da mencionada parte
ideal (R.9/50.046). Afirmou, ainda, ser contraditória a conduta do registrador,
que ao expedir a certidão utilizada na formalização do negócio jurídico omitiu
qualquer vício ou irregularidade, o que somente foi apresentado por ocasião do
registro.
Posta a questão nestes termos,
mostra-se oportuna e importante a discussão do tema do ingresso no registro
imobiliário de títulos que representem a transmissão de parte ideal do imóvel,
assim como a correta expressão do entendimento adotado por este C. Conselho
Superior da Magistratura, cujas decisões anteriores, no sentido de que o
registrador deve ater-se aos elementos tabulares ou expressamente constantes do
título, não podem ser indevidamente utilizadas para viabilizar a fraude às
normas cogentes que disciplinam o uso e o parcelamento do solo.
A qualificação registrária não é um
simples processo mecânico, chancelador dos atos já praticados, mas parte, isso
sim, de uma análise lógica, voltada para a perquirição da compatibilidade entre
os assentamentos registrários e os títulos causais (judiciais ou
extrajudiciais), sempre feita à luz das normas cogentes em vigor.
No caso vertente, é preciso
visualizar, em sua totalidade, a situação jurídico-real do imóvel matriculado
sob o nº 50.046, tal como indicada pelo fólio real, o que, demonstrada a fraude
à lei, implementada com o uso de procedimento aparentemente lícito, inviabiliza
o registro postulado.
Verifica-se, na hipótese dos autos,
a procedência da dúvida, o que, no entanto, se dá por razões diversas das
constantes da argumentação do registrador, fundada em documentação estranha ao
registro imobiliário e ao título, ou da decisão de primeiro grau, que na
esteira da manifestação do Ministério Público amparou-se na necessidade de
retificação do registro para apuração do remanescente.
O que se constata, de forma
inequívoca, com a análise dos elementos registrários e do que consta do título
causal relativo ao registro pretendido, é a utilização de expediente
aparentemente lícito, qual seja, o condomínio tradicional, previsto no Código
Civil, com a alienação de partes ideais não localizadas e sem identificação no
título, para burla da legislação cogente que dispõe sobre o parcelamento do
solo urbano, viabilizando, por meio de fraude, se não a implantação de
loteamento irregular, ao menos a efetivação do desmembramento de no mínimo
cinco pequenas glebas, que não obstante indicadas apenas como partes ideais, já
foram, em sua maioria, alienadas pelos primeiros adquirentes a outros, como
verdadeiras unidades imobiliárias autônomas, o que se verifica pelo exame da
matrícula (R.5 e R.10; R.6 e R.7; R.11 e R.12; e , agora, a pretensão de nova
transferência do que consta do R.9), situação registrária suficiente para, com
fundamento no item 151, do Capítulo XX, do Tomo II, das Normas de Serviço da Corregedoria
Geral da Justiça, que regulamenta a legislação pertinente, obstar o registro
postulado.
Alterou-se de forma deliberada uma
situação de fato para escapar à incidência da norma. Simulou-se uma situação
para a lei não atingir, livrando-se dos seus efeitos. Na clássica lição de
Miguel Maria de Serpa Lopes: "O significado do negócio em fraude à lei é o
de um ato realizado de um modo aparentemente legal, mas com o escopo de burlar
uma norma coercitiva do Direito. Quando a lei veda um determinado ato, as partes
simulam um ato permitido para atingir o objetivo proibido" ("Curso de
Direito Civil - Introdução, Parte Geral e Teoria dos Negócios Jurídicos",
vol. I, 5ª ed., 1971, Freitas Bastos, nº 300, pág. 398).
Complementa esta idéia o Des.
Antonio Cezar Peluso: "A fraude à lei, que no fundo é fraude aos
resultados práticos das normas cogentes, à medida que é inevitável a incidência
e a eficácia destas (não se frauda norma não cogente, porque sua incidência não
é necessária), aponta, desde logo, para idéia de frustração objetiva do
ordenamento jurídico: a tipicidade da fraude à lei está na contrariedade a
direito, não propriamente na intenção ou no estado de ânimo dos agentes. A
palavra 'fraude' está aqui no sentido primeiro do seu radical latino, de
frustração (da lei cogente), não sendo essencial, na caracterização dessa
figura jurídica, tenham os interessados agido de maneira maliciosa, com o
propósito de eludir os resultados desfavoráveis da incidência infalível da lei,
embora quase sempre seja positiva a resposta a tal indagação. O que pesa, basta
e decide, sob tal aspecto, é que tenha havido a frustração objetiva do
resultado prático previsto por norma jurídica cogente que incidiu, isto é, sua
não aplicação". E exemplifica: "Está-se a usar de categoria jurídica
lícita, que, objeto de regras não cogentes, é o condomínio disciplinado pelo
Código Civil, como sortilégio para evitar os resultados práticos das normas
cogentes da Lei de Parcelamento do Solo... ("Temas de Direito Urbanístico
2" da Caohurb - Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça da
Habitação e Urbanismo, palestra sob o tema Fraude à Lei de Parcelamento do Solo
e à Lei de Incorporação Imobiliária, pag. 369 a 371).
Não há dúvida, pois, quanto à
irregularidade do desmembramento efetuado, feito de maneira a tangenciar a
aplicação de normas cogentes, o que se denota pelos elementos registrários e se
mostra suficiente para impedir o ingresso da escritura de venda e compra.
Não autoriza o registro pretendido,
por fim, a existência de anterior registro de venda da parte ideal em questão
(R.9/50.046), pois, como já decidido: "Não socorre o recorrente o fato de
ter obtido anteriormente o registro de outras partes ideais relativas à mesma
matrícula, sendo pacífica a jurisprudência deste Egrégio Conselho Superior da
Magistratura ... no sentido de que erros pretéritos do registro não autorizam
novos e reiterados erros, dada a inexistência de direito adquirido ao engano,
como expresso no v. acórdão que decidiu a apelação cível nº 28.280-0/1, da Comarca
de São Carlos, Relator o Desembargador Antônio Carlos Alves Braga: 'Tranqüila a
orientação do Conselho Superior da Magistratura no sentido de que erros
pretéritos do registro não autorizam nova e repetida prática do ato registrário
irregular, inexistindo direito adquirido ao engano (Ap. Cív. nºs. 14.094-0/5,
15.372-0/1, 13.616-0/1, 3.201-0, 5.146-0 e 6.838-0, entre outras)" (Ap.
Cív. nº 41.855-0/1 - Comarca de Jaú, Rel. Des. Nigro Conceição, j. 6.2.98).
Ante o exposto nego provimento ao
recurso."
Verifica-se, portanto, que após a
publicação do aresto acima mencionado já não se pode aceitar como regular a
efetivação, por registrador de imóveis do Estado de São Paulo, de registros
referentes a imóveis que se encontrem em situação similar, o que se mostra suficiente
para estancar, de pronto, ao menos junto ao registro imobiliário, a
continuidade de prática deletéria e que já contaminou um significativo número
de matrículas, dispersas por todo o nosso Estado.
A preocupação da Corregedoria Geral
da Justiça passa a se voltar, portanto, no âmbito do registro de imóveis, para
a obtenção de soluções e meios tendentes à regularização, quando possível,
desses imóveis já irregularmente parcelados, estudos que poderão prosseguir
nestes mesmos autos, dando continuidade ao trabalho até agora realizado.
Mostra-se imprescindível, ainda, em
face da clareza com que a orientação administrativa atual impede o registro de
novos títulos, a tomada de outras providências, abrangentes, também da
atividade dos notários.
A mais simples delas é a de que seja
dado caráter normativo à determinação de que os tabeliães e registradores do
Estado de São Paulo, sempre que, no exercício de sua atividade, vierem a ter
ciência de fundados indícios da efetivação de parcelamento irregular, promovam
a remessa das informações relativas ao fato ao Juiz Corregedor Permanente, para
o Ministério Público e para a Prefeitura Municipal, permitindo a cada um desses
órgãos a promoção das medidas pertinentes a sua respectiva esfera de
competência.
A essa última providência deve
somar-se a determinação, em caráter normativo, de que os tabeliães, à
semelhança do que consta do artigo 685 da Consolidação Normativa Notarial e
Registral da Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, se
abstenham de lavrar atos notariais que tenham por objeto negócios jurídicos de
alienação de frações ideais sempre que a análise de elementos objetivos revelem
a ocorrência de fraude à legislação cogente disciplinadora do parcelamento do
solo, o que se justifica tanto em razão do dever imposto aos notários de
orientação dos usuários de seus serviços, expresso na Lei Federal nº 8.935/94,
quanto à irregularidade da instrumentalização, pelos tabeliães de notas, de
títulos que sabidamente não terão ingresso no registro imobiliário.
Havendo insistência dos interessados
na lavratura do ato notarial, mesmo alertados pelo tabelião de que a
transferência de fração ideal para a formação de condomínio tradicional não
implica na alienação de parcela certa e localizada de terreno, deverá ser
obrigatoriamente inserida no instrumento público que formaliza o negócio
jurídico expressa declaração das partes quanto à ciência dessa circunstância.
Portanto, o parecer que nos
permitimos, respeitosamente, submeter ao elevado exame de Vossa Excelência é no
sentido de, em face do inequívoco impedimento do registro de novos títulos
decorrente da orientação administrativa do Conselho Superior da Magistratura
firmada no julgamento da Apelação Cível nº 72.365-0/7, determinar, em caráter
normativo: a) aos notários e registradores do Estado de São Paulo, sempre que,
no exercício de sua atividade, vierem a ter ciência de fundados indícios da
efetivação de parcelamento irregular, que promovam a remessa das informações
relativas ao fato para o Juiz Corregedor Permanente, para o Ministério Público
e para a Prefeitura Municipal, e b) aos tabeliães de notas, que se abstenham de
lavrar atos notariais que tenham por objeto negócios jurídicos de alienação de
frações ideais sempre que a análise de elementos objetivos revelem a ocorrência
de fraude à legislação cogente disciplinadora do parcelamento do solo,
determinando, quando da insistência dos interessados na lavratura do ato
notarial, a obrigatória inserção, no instrumento público que formaliza o
negócio jurídico, de expressa declaração das partes da ciência de que a
transmissão de fração ideal para a formação de condomínio tradicional não
implica na alienação de parcela certa e localizada de terreno.
Alvitramos, ainda, caso venha a ser
aprovado o presente parecer, seja publicado juntamente com a r. decisão de
Vossa Excelência, para conhecimento geral, assim como sua autuação, pelo DEGE
1.1. para a efetivação de estudos tendentes à necessária adaptação das Normas
de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça.
Sub-censura.
São Paulo, 01 de junho de 2.001.
ANTONIO
CARLOS MORAIS PUCCI
EDUARDO MORETZSOHN DE CASTRO
LUÍS PAULO ALIENDE RIBEIRO
MARCELO FORTES BARBOSA FILHO
MARIO ANTONIO SILVEIRA
Juízes Auxiliares da Corregedoria
DECISÃO:
Tratam os autos da questão relativa à proliferação de
casos de parcelamento irregular do solo, efetuado em manifesta fraude à
legislação cogente que rege a matéria, com a indevida utilização do instituto
jurídico do condomínio tradicional, por meio da alienação, a significativa
pluralidade de condôminos que não guardam entre si relação de parentesco ou
outro fato que justificasse a comunhão, de diminutas e similares frações ideais
do todo do imóvel, sem identificar, nos títulos levados a registro, metragem
certa, localização ou identificação dos lotes, não obstante esteja a posse de
cada adquirente perfeitamente definida e delimitada, tanto no local como em
plantas e outros documentos particulares que não são apresentados ao
registrador, evitando, desta forma a incidência da vedação expressa no item 151
do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça.
Essa matéria apresenta, hoje,
indiscutível importância e relevância, razão pela qual vem sendo objeto de
estudos empreendidos pela Corregedoria Geral da Justiça, que, em face da
gravidade da situação constatada no registro imobiliário de praticamente todo o
Estado de São Paulo, apurada no curso de correições gerais ordinárias e de
visitas extraordinárias, busca alternativas e soluções no sentido de obstar a
difusão e multiplicação também dessa modalidade de parcelamento irregular,
evitando que as pessoas interessadas na continuidade e no desenvolvimento da
presente conduta fraudulenta sigam desvirtuando a correta argumentação,
expressa na orientação administrativa emanada do Colendo Conselho Superior da
Magistratura e da Corregedoria Geral da Justiça, no sentido de que somente
poderiam ser considerados na qualificação os elementos registrários e aqueles
expressos no título, para obter a lavratura de instrumentos públicos junto aos
tabeliães de notas e o registro desses títulos pelo oficial de registro de
imóveis, conferindo a essas alienações a falsa aparência de legitimidade.
Com a publicação da decisão
proferida pelo Conselho Superior da Magistratura no julgamento da Apelação
Cível nº 72.365-0/7, da Comarca de Atibaia, foi explicitado o entendimento
administrativo de que a qualificação registrária não é um simples processo
mecânico, chancelador dos atos já praticados, mas parte, isso sim, de uma
análise lógica, voltada para a perquirição da compatibilidade entre os
assentamentos registrários e os títulos causais (judiciais ou extrajudiciais),
sempre feita à luz das normas cogentes em vigor, o que autoriza e impõe a
recusa do registro sempre que o oficial registrador verifique, em face da
análise de elementos registrários, entendidos como tais os dados constantes das
matrículas e revelem a evidência de parcelamento irregular do solo, a
existência de fraude e de ofensa à legislação cogente.
Inviável, em face da clareza com que
agora expressa a orientação administrativa, demonstrativa da irregularidade
administrativa da efetivação de novos registros referentes a imóveis em
situação similar, revela-se necessária a adoção de medidas complementares.
Por tais razões, aprovo, por seus fundamentos,
o parecer dos MM. Juízes Auxiliares desta Corregedoria e determino, em
caráter normativo: a) aos notários e registradores do Estado de
São Paulo, sempre que, no exercício de sua atividade, vierem a ter ciência de
fundados indícios da efetivação de parcelamento irregular, que promovam a
remessa das informações relativas ao fato para o Juiz Corregedor Permanente,
para o Ministério Público e para a Prefeitura Municipal, e b) aos tabeliães de
notas, que se abstenham de lavrar atos notariais que tenham por objeto negócios
jurídicos de alienação de frações ideais sempre que a análise de elementos
objetivos revelem a ocorrência de fraude à legislação cogente disciplinadora do
parcelamento do solo, determinando, quando da insistência dos interessados na lavratura
do ato notarial, a obrigatória inserção, no instrumento público que formaliza o
negócio jurídico, de expressa declaração das partes da ciência de que a
transmissão de fração ideal para a formação de condomínio tradicional não
implica na alienação de parcela certa e localizada de terreno.
Publique-se, juntamente com o parecer.
São Paulo, 05.6.01.
LUÍS DE MACEDO
Corregedor Geral da Justiça
Consulte também:
1.
Análise da Lei nº
9.785/99 - Boletim do IRIB 262 (Março 99) - Boletim do IRIB 262 Março 99
Análise da Lei n 9785/99.
2. IRIB Realiza Seminário
Internacional com MP e Escola da Magistratura - Boletim do IRIB 272 Janeiro
2000 IRIB REALIZA SEMINÁRIO INTERNACIONAL COM MP E ESCOLA DA MAGISTRATURA
3. Boletim do IRIB 272 -
Boletim do IRIB 272 Janeiro 2000 IRIB REALIZA SEMINÁRIO INTERNACIONAL COM MP E
ESCOLA DA MAGISTRATURA
4. DEBATE: AS PRINCIPAIS
ALTERAÇÕES NA LEI DO PARCELAMENTO DO SOLO URBANO - DEBATE: AS PRINCIPAIS
ALTERAÇÕES NA LEI DO PARCELAMENTO DO SOLO URBANO Boletim do IRIB 262 Março 99
5. Boletim do IRIB 283 (Dezembro
2000) - ÁREAS PÚBLICAS DE LOTEAMENTOS E SUA IMUTABILIDADE LOTEAMENTOS FECHADOS
- POLÊMICAS QUE NUNCA TERMINAM Dr. José Carlos de Freitas 1
6. IRIB ASSINA CONVÊNIO
HISTÓRICO COM O MINISTÉRIO PÚBLICO Boletim do IRIB 263 Abril 99 IRIB
ASSINA CONVÊNIO HISTÓRICO COM O MINISTÉRIO PÚBLICO 12 de abril de 1999
7. NOVO SEMINÁRIO REALIZADO
PELA PARCERIA IRIB/MP DE SÃO PAULO - Boletim do IRIB 270 Novembro 99
NOVO SEMINÁRIO REALIZADO PELA PARCERIA IRIB MP DE SÃO PAULO Parcelamento do
solo, fraudes e regularização foi o tema de mais um encontro
8. Loteamentos clandestinos
- prevenção e repressão. Francisco Eduardo Loureiro. Contribuição
apresentada no Seminário Internacional de Direito Urbanístico & Registral
realizado em 29/2/00 em São Paulo, promovido pelo IRIB, Ministério Público do
Estado de São Paulo e Escola Paulista da Magistratura. Leia Addenda
- perguntas & respostas formuladas no evento.
9. O Poder
Público Municipal e a burla da Lei do Parcelamento do Solo Urbano. João Baptista Galhardo. O registrador
paulista apresenta sua contribuição no Seminário Internacional de Direito
Urbanístico & Registral.
10. Comentários à Lei 9.785, de 29
de janeiro de 1999, sobre as Alterações Introduzidas na Lei 6.766/79 -
Beatriz Augusta Pinheiro Samburgo, Cláudia Helena Tamiso, José Carlos de
Freitas - rdi 46/9
11. Aspectos Registrários da Aplicação
da Lei Federal 9.785, de 29 de janeiro de 1999 - João Baptista Galhardo -
rdi 46/30
12. As Alterações das Leis Federais
6.015/73 e 6.766/79 e do Decreto-lei Federal 3.365/41. Algumas Notas sobre os
reflexos no Registro Imobiliário - Marcelo Martins Berthe -
rdi 46/45
13. Posse: Nova Garantia
Imobiliária - Melhim Namem Chalhub - rdi 46/54
14. Alterações da Lei do
Parcelamento do Solo Urbano - Diogenes Gasparini - rdi 46/66
15. Algumas Considerações sobre as
Modificações na Lei 6.766, de 1979 - Hélio Lobo Junior - rdi 46/76
16. Sinopse Comentada da Lei 9.785,
de 29 de janeiro de 1999 - Adauri de Melo Cury - rdi 46/95
17. A Alteração da Lei 6.785/99 e
sua Repercussão no Município de Mauá - Maria Cecília Lucchese - rdi 46/114
Regulação Urbanística e
Exclusão Social no Estado de São Paulo: Mitos e Verdades - Raquel Rolnik -
rdi46/126
18. Cooperativas Habitacionais e
Algumas Considerações sobre Associações - Dora Bussab Castela - rdi 46/134
19. Bens Públicos de Loteamentos e
sua Proteção Legal - José Carlos de Freitas - rdi 46/183
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