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CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL Nº 360-6/4, da Comarca de FRANCA, em que é apelante D'ELIA BITTAR EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS S/C LTDA. e apelado o 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA da mesma Comarca.

ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em dar provimento ao recurso, de conformidade com o voto do relator que fica fazendo parte integrante do presente julgado.

Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Desembargadores LUIZ TÂMBARA, Presidente do Tribunal de Justiça e MOHAMED AMARO, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça.

São Paulo, 12 de maio de 2005.

(a) JOSÉ MÁRIO ANTONIO CARDINALE, Corregedor Geral da Justiça e Relator

VOTO

Registro de Imóveis - Dúvida - Registro de loteamento - Ações pessoais contra dois dos ex-proprietários do imóvel, que foi por eles tido em condomínio com outras pessoas - Inexistência, no caso, de risco para o empreendimento que não possa ser afastado pelo loteador - Registro viável - Recurso provido.

1. Trata-se de apelação interposta por D'Elia Bittar Empreendimentos Imobiliários Ltda., tempestivamente, contra r. sentença que julgou procedente a dúvida suscitada e manteve a recusa oposta ao registro do loteamento Residencial Júlio D'Elia, a ser implantado no imóvel objeto da matrícula nº 35.422 do 2º Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Franca, fundada na existência de ações pessoais movidas contra Júlio César D'Elia Bittar e Mário César Archetti, ex-condôminos do imóvel, que podem atingir os futuros adquirentes dos lotes.

Alega o apelante, em suma, que atendendo à sugestão do Ministério Público e mediante autorização do MM. Juiz Corregedor Permanente prestou caução no valor de R$ 76.783,32, que é suficiente para garantir o passivo de Júlio César D'Elia Bittar e, ainda, o valor do quinhão a que, hipoteticamente, Mário César Archetti teria no imóvel, mas mesmo com o referido depósito não foi admitido o registro da penhora. Aduz que, na forma do parecer do Ministério Público, a participação dos sócios no empreendimento e dívidas poderiam, em tese, prejudicar terceiros até o valor máximo de R$ 76.787,32 que corresponde ao que ofereceu em caução. Diz que Júlio César D'Elia Bittar tem débitos no valor total de R$ 10.120,66, já atingidos pela prescrição. Mário César Archetti, por sua vez, foi casado com Tereza Cristina D'Elia Bittar e dela está separado judicialmente há mais de seis anos, não tendo, desde referida separação, qualquer participação no imóvel. Afirma que os bens que couberam a Tereza Cristina na partilha efetuada na ação de separação não podem ser atingidos por dívidas de seu ex-marido em razão da prescrição, conforme previsto no artigo 178, § 9º, V, "b", do Código Civil de 1916. Ademais, as dívidas do ex-marido de Tereza Cristina estão incluídas no REFIS. Assevera que antes da separação judicial tinha Mario César Archetti quinhão equivalente a um sexto do imóvel e que eventuais ônus decorrente das dívidas deste último não poderiam atingir parcela maior do imóvel. Esclarecem que a caução prestada é suficiente para cobrir o valor equivalente à antiga participação de Mário César Archetti no imóvel. Outrossim, para garantir a execução das obras de infra estrutura do loteamento deram em hipoteca imóveis com valor superior a R$ 1.600.000,00, o que demonstra que os adquirentes dos lotes não serão prejudicados. Por outro lado, celebrou com a empresa GF & Lutfala Ltda. termo de opção de compra e venda relativo ao loteamento, para que essa construa no imóvel unidades de interesse social conforme proposta homologada em concorrência pública promovida pela CDHU. O indeferimento do registro acarretará a desistência do projeto pela CDHU e a rescisão do contrato por essa celebrado com a empresa GF & Lutfala Ltda., inviabilizando o empreendimento. Requer a reforma da r. sentença, com determinação do registro do loteamento.

Em primeira instância o Ministério Público opinou pelo provimento do recurso (fls. 474 e 575/576) e em segunda pela manutenção da recusa do registro do loteamento (fls. 580/590).

A apelante, ainda, impetrou mandado de segurança contra a r. sentença apelada (fls. 532/551), em que foi deferida liminar em que determinado o registro do loteamento (fls. 524/525).

Por fim, o julgamento foi convertido em diligência para obtenção de esclarecimentos (fls. 591) que foram prestados pela apelante, dando-se, após, ciência à douta Procuradoria Geral da Justiça (fls. 703).

É o relatório.

2. D'Elia Bittar Empreendimentos Imobiliários Ltda. requereu o registro do loteamento Residencial Júlio D'Elia, a ser implantado no imóvel objeto da matrícula nº 35.422 do 2º Registro de Imóveis da Comarca de Franca, o que foi recusado porque existem ações movidas contra dois dos anteriores co-proprietários do imóvel, Júlio César D'Elia Bittar e Mário César Archetti, que acarretariam riscos para os futuros adquirentes dos lotes.

Cabe observar, primeiro, que ao manter a recusa do registro do loteamento agiu o MM. Juiz Corregedor Permanente dentro dos limites da atividade correcional, mediante análise ponderada dos documentos apresentados, não havendo razão para as críticas que lhe foram dirigidas pelo apelante.

Anoto, ainda, que mantida a negativa do registro pelo MM. Juiz Corregedor Permanente, acabou este sendo posteriormente promovido em cumprimento de liminar concedida em mandado de segurança impetrado contra a r. sentença apelada, o que, porém, não prejudica o julgamento do presente recurso.

3. Por outro lado, a finalidade da lei ao exigir a apresentação de certidão de distribuição de ações pessoais, como foi decidido por este Colendo Conselho Superior da Magistratura na Apelação Cível nº 82.230-0/00, em que foi relator o Desembargador Luís de Macedo, é proteger os futuros adquirentes dos lotes e o meio urbano no qual se insere o futuro loteamento.

Para tal proteção deve o loteador demonstrar que os futuros adquirentes dos lotes não sofrerão prejuízos decorrentes das ações pessoais movidas contra os proprietários e ex-proprietários do imóvel, englobados nesses prejuízos os danos de ordem material e moral que em caso de perda do lote dificilmente ficarão limitados ao valor da caução prestada pelo apelante ou ao valor da fração ideal do imóvel de que Mário César Archetti foi titular antes de sua separação judicial.

A eventual perda do lote em razão de ação pessoal movida contra o loteador ou contra ex-proprietário do imóvel loteado acarretará a obrigação do loteador, neste caso a apelante, ressarcir o valor que o adquirente pagar pelo lote e por todas as acessões e benfeitorias que neste introduzir, além da obrigação de ressarcir os demais danos que o adquirente vier a sofrer, inclusive de ordem moral.

Equivocada, por este motivo, a afirmação da apelante no sentido de que a caução no valor de R$ 76.783,32, prestada mediante depósito judicial (fls. 477), é suficiente para garantir os futuros adquirentes dos lotes.

O valor depositado a título de caução poderá, eventualmente, ser insuficiente até mesmo para o ressarcimento dos danos que um só adquirente de lote vier a sofrer, o que dependerá do preço do lote, das acessões e benfeitorias que neste forem introduzidas e das demais circunstâncias que envolverem a perda do imóvel.

Não há como quantificar, neste momento, o eventual prejuízo dos adquirentes do lotes caso atingido o empreendimento pelas ações pessoais movidas contra os ex-condôminos do imóvel e, na verdade, essa quantificação não é necessária.

O que se exige, existindo ações pessoais contra os proprietários e os ex-proprietários do imóvel, é a demonstração de que delas não decorre risco ao empreendimento como um todo, ou aos lotes isoladamente, ou ao menos que esse risco é remoto por ter o loteador meios para afastá-lo, ou seja, que tem idoneidade financeira para satisfazer os credores dos ex-proprietários ou para indenizar os danos que os adquirentes dos lotes vierem a sofrer.

É totalmente inadequada, por estes motivos, a caução que o apelante ofereceu, consistente no depósito a que se refere a guia de fls. 477, e não há como aceitar tal garantia porque neste momento não existe obrigação líquida ou liquidável e nem tempo certo para seu cumprimento.

4. Cabe, destarte, verificar se o risco decorrente das ações pessoais neste caso movidas contra os ex-proprietários do imóvel é suficiente para impedir o registro do loteamento.

Conforme a certidão de fls. 23/26, o imóvel objeto da matrícula nº 35.422 foi adquirido pela apelante de Tereza Cristina D'Elia Bittar, Júlio César D'Elia Bittar e Maria Paula D'Elia Bittar que dele eram condôminos com iguais quinhões.

Tereza Cristina D'Elia Bittar, por sua vez, foi casada com Mário César Archetti pelo regime da comunhão universal de bens, deste teve a separação judicial decretada por r. sentença prolatada em março de 1998 (fls. 24-verso), e recebeu na partilha dos bens do casal o quinhão de um terço do imóvel de que era proprietária em comunhão com seu ex-marido (fls. 23 e 313/367).

As ações por débitos anteriores à data da separação judicial podem, em tese, atingir o quinhão que Tereza Cristina D'Elia Bittar e seu ex-marido tiveram no imóvel, especialmente se decorrentes do não cumprimento de obrigações contraídas por quaisquer dos cônjuges em proveito de sua família.

As ações pessoais ajuizadas contra Mário César Archetti depois da data da homologação da separação judicial também podem, em tese, atingir o imóvel quando relativas a débitos anteriores à separação e ajuizadas antes do registro da partilha dos bens do casal.

O prazo prescricional a ser computado, por sua vez, é o incidente conforme a natureza jurídica de cada obrigação contraída por Tereza Cristina ou seu ex-marido e não o prazo do artigo 178, parágrafo 9º, inciso V, letra "b", do Código Civil de 1916, equivocadamente invocado pela apelante.

Assim porque não se trata de discutir a existência de erro, dolo, simulação ou fraude na partilha, mas a responsabilidade do devedor pelo cumprimento de obrigação contraída perante determinado credor.

Ocorre que nas execuções a que se referem as certidões de fls. 72, 75, 76, 83, 84, 85, 86, 87, 88, 101, 102 e 104, que são movidas contra Mário César Archetti, foram penhorados bens que se presume não coincidirem com o imóvel em que será implantado o loteamento, pois inexistente qualquer registro de penhora na respectiva matrícula.

As ações a que se referem as certidões de fls. 100 e 129/130, ademais, não impedem o registro do loteamento porque a primeira delas não foi movida contra a atual ou os ex-proprietários do imóvel (fls. 100) e porque as demais (fls. 129/130) são de pequeno valor.

O mesmo, quanto ao pouco valor, ocorre com a ação indicada na certidão de fls. 74, referida pela douta Procuradoria de Justiça em seu parecer, pois relativa a débito com valor de R$ 18.042,52, passível de ser suportado pela loteadora.

Outrossim, as ações a que se referem as certidões de fls. 106/107 têm por objeto a execução de quantia devida pelo IPTU incidente sobre outro imóvel que não aquele a ser loteado e são de pequeno valor, assim como também são de pequeno valor as ações a que se referem as certidões de fls. 130/131.

Por outro lado, nas ações a que se referem as certidões de fls. 77/82, todas reunidas ao processo 96.1400718-4 da 2ª Vara Federal de Franca, foram oferecidos embargos de que não existe notícia de julgamento. Ademais, os débitos que originaram as ações indicadas nas certidões de fls. 78/82 estão incluídos no REFIS, como demonstra o documento de fls. 137.

Além disso, as ações a que se referem as certidões de fls. 77/82 e 94/95 também são movidas contra Phama's Representações Indústria e Comércio Ltda. e Paulo Hygino Archetti que não são e não foram proprietários do imóvel em que será implantado o loteamento.

Por outro lado, os protestos dos títulos sacados contra Júlio César D'Elia Bittar, indicados nos documentos de fls. 147/156, são de pequeno valor e não causam risco ao empreendimento.

O risco aos futuros adquirentes dos lotes, que em tese existe e que deve ser considerado para o registro do loteamento, é o decorrente das ações movidas contra Mário César Archetti, Phama's Representações Indústria e Comércio Ltda. e Paulo Hygino Archetti.

Para evitar o registro do loteamento, entretanto, não basta a existência de ações movidas contra o loteador ou os ex-proprietários do imóvel. É necessário que, além das ações, não tenha o loteador condições de afastar eventual constrição judicial do imóvel e dos lotes a serem formados, ou de ressarcir os danos que dessa constrição decorram aos que comprarem os futuros lotes.

No presente caso, além dos bens que os sócios do loteador deram em hipoteca para assegurar a execução das obras de infra-estrutura (fls. 183/187) existem outros que poderão garantir o ressarcimento de eventuais prejuízos que os adquirentes dos lotes vierem a sofrer.

Isso porque foi apresentada declaração dos sócios do loteador, da empresa GF Lutfala Ltda. e de Eli Magno Faleiros no sentido de que se responsabilizam integralmente por quaisquer ônus que possam incidir sobre o loteamento ou sobre os lotes individualmente considerados, decorrentes das ações movidas contra Mário César Archetti (fls. 671/672).

Merece especial consideração, ademais, o fato de que a loteadora celebrou contratos de opção de venda de lotes com a empresa GF & Lutfala Ltda. (fls. 603/612) e que esta última, por sua vez, venceu licitação pública promovida pela Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo - CDHU para a construção de 160 unidades habitacionais no Loteamento Residencial Júlio D'Elia, a ser implantado no imóvel objeto da matrícula 35.422 do 2º Registro de Imóveis de Franca (fls. 472).

Ao adquirir os lotes, com a finalidade de revendê-los, passarão as empresas GF & Lutfala Ltda. e Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo - CDHU a responder por eventuais danos que possam sofrer seus futuros adquirentes, e quanto à Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo - CDHU não há que se discutir a idoneidade financeira, pois se trata de sociedade de que participa o Estado de São Paulo.

Deve ser observado, além disso, que Mário César Archetti e sua ex-mulher, Tereza Cristina D'Elia Bittar foram proprietários, enquanto casados, de quinhão equivalente a um terço do total do imóvel objeto da matrícula 35.422 do 2º Registro de Imóveis da Comarca de São Paulo (fls. 23/26) e que as ações contra esse movidas não poderão, em qualquer hipótese, afetar os restantes dois terços do total do imóvel, o que diminui em muito o risco aos futuros adquirentes dos lotes.

Por fim, não há como ignorar que as certidões de distribuição de ações judiciais permanecerão arquivadas no Registro Imobiliário, com o registro do loteamento, para que delas possam ter conhecimento todos os pretendentes à aquisição de lotes.

É, em razão de todos esses fatos, remoto o risco ao empreendimento que, no presente caso, não possa ser afastado pelo loteador.

Ante o exposto, dou provimento ao recurso para julgar a dúvida improcedente e determinar o registro do loteamento. Ainda, autorizo o levantamento, pela apelante, da caução a que se refere a guia de depósito de fls. 480.

São Paulo, 12 de maio de 2005.

(a) JOSÉ MÁRIO ANTONIO CARDINALE, Corregedor Geral da Justiça e Relator



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